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Capítulo 1 – Economia Solidária: Contextos e Percursos

1.2. A economia solidária no Brasil

1.2.2. Virando o século XXI

1.2.2.1. A ação governamental

A partir de meados dos anos de 1990, já começam a se delinear algumas ações governamentais nas quais se tinha como foco o desenvolvimento de programas com vistas à geração de renda, principalmente no sentido de reforçar o caráter associativo e cooperativo. Tais ações se iniciam pelas administrações municipais25 de Porto Alegre e, no final da década de 1990, no Estado do Rio Grande do Sul, com a criação do Programa de Economia Popular e Solidária vinculado à Secretaria do Desenvolvimento e Assuntos Internacionais. O propósito era incentivar a criação de vários empreendimentos, fomentando a organização econômica associativa, principalmente dos grupos de baixa renda.

Outras experiências também foram, paulatinamente, sendo desenvolvidas a exemplo dos municípios de São Paulo-SP, Recife-PE, Blumenau-SC, Belém- PA, Santo André-SP.

25 A Prefeitura de Porto Alegre, nesse momento, era administrada pelo Partido dos Trabalhadores. Em 1998 foi inaugurada a primeira incubadora de economia popular de Porto Alegre.

No âmbito do governo federal, o marco maior de inserção da economia solidária aconteceu por ocasião da criação da Secretaria Nacional de Economia Solidária – SENAES, em 2003, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE. A criação desta Secretaria significou o atendimento do governo Lula às diversas discussões que já estavam sendo efetivadas, desde o I Fórum Social Mundial, quando foi criado o Grupo de Trabalho Brasileiro de Economia Solidária – GT Brasileiro26, resultando, posteriormente, na criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES.

Para Singer (2005, p.3), a criação da SENAES significou o reconhecimento pelo Estado brasileiro das transformações provocadas no mundo do trabalho, indicando “uma ampliação de responsabilidade do MTE que passa a incluir o cooperativismo e o associativismo urbano (já que o rural continua responsável o Ministério da Agricultura)”.

Com o objetivo de proporcionar a visibilidade, a articulação da economia solidária e oferecer subsídios aos processos de formulação de políticas públicas, a SENAES, vem realizando, em todo o Brasil, um mapeamento da economia solidária que vai compor o Sistema Nacional de Informações em Economia Solidária – SIES27. Os resultados iniciais deste mapeamento têm indicado que, nos primeiros anos do século XXI, é grande o número de empreendimentos econômicos solidários no Brasil. Numa primeira fase de listagem, foram identificados 20.000 empreendimentos, considerando-se cooperativas, associações de produtores, grupos de produção, clubes de troca, feiras etc. Na segunda fase da pesquisa, foram identificados 14.954 empreendimentos econômicos solidários, distribuídos em 2.274 municípios brasileiros, o que

26 Esse Grupo de Trabalho – GT foi criado para facilitar a interlocução entre as diversas entidades nacionais e internacionais que estavam desenvolvendo ações vinculadas à economia solidária. Inicialmente, compunham esse GT 12 Entidades e Redes Nacionais de Fomento. São elas: Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária (RBSES), Instituto Políticas Alternativos para o Cone Sul (PACS), Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE), Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão (ANTEAG), Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômicas (IBASE), Cáritas Brasileira, Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST/Concrab), Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCP's), Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS/CUT), UNITRABALHO, Rede Brasileira de Gestores de Políticas Públicas da Economia Solidária e a Associação Brasileira de Instituições de Micro-Crédito (ABICRED). A esse respeito consultar: www.fbes.org.br.

27 O mapeamento está na terceira fase. Na segunda fase, foram realizadas visitas aos empreendimentos listados na primeira etapa. Os resultados da pesquisa foram condensados no Atlas da Economia Solidária do Brasil, lançado na I Feira Nacional de Economia Solidária, que aconteceu em São Paulo, abril de 2006, e pode ser consultado em www.mte.gov.br.

corresponde a 41% destas localidades. O maior número destes empreendimentos, considerando-se a distribuição territorial, encontra-se na região Nordeste (44%). Os demais (56%) estão distribuídos nas outras regiões, sendo 13% na região Norte, 14% na região Sudeste, 17% na região Sul e 12% na região Centro-Oeste. A maior parte dos empreendimentos está organizada sob a forma de associações (54%), seguida dos grupos informais (33%) e organizações cooperativas (11%). As outras formas de organização aparecem com apenas 2%.

A pesquisa também indica que há uma tendência comum quanto ao crescimento da economia solidária, no Brasil, principalmente a partir dos anos de 1990, cujas razões da criação dos empreendimentos estão justificadas nos seguintes aspectos: alternativa ao desemprego (45%), complemento da renda dos seus sócios (44%) e obtenção de maiores ganhos (41%). Metade dos empreendimentos atua, exclusivamente, na área rural, 33% atuam, exclusivamente, na área urbana e 17% têm atuação nas áreas rural e urbana. Os ramos de atividades, mais comuns estão relacionados com a agropecuária, extrativismo e pesca (42%), alimentos e bebidas (18,3%) e diversos produtos artesanais (13,9%).

Desde 2004, a Secretaria Nacional de Economia Solidária - SENAES vem executando o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento, cujo objetivo é “promover o fortalecimento e a divulgação da economia solidária, mediante políticas integradas, visando à geração de trabalho e renda, à inclusão social e à promoção do desenvolvimento justo e solidário”28. Neste Programa, estão sendo desenvolvidos alguns projetos, a exemplo dos Centros Públicos de Economia Solidária29, com o intuito de disponibilizar um espaço para que os

empreendimentos desenvolvam ações de formação, comercialização e divulgação dos seus produtos; formação de gestores públicos em economia solidária30; feiras

28 Conforme www.mte.gov.br.

29 Existem hoje em execução 21 Centros Públicos apoiados pela SENAES. Estão localizados nos seguintes Estados: (03 em Minas Gerais; 01 no Ceará; 01 em Pernambuco; 05 em São Paulo; 01 em Mato Grosso; 03 no Piauí; 01 no Rio de Janeiro; 03 no Rio Grande do Sul; 02 em Santa Catarina e 01 no Paraná). Cf. BRASIL. Secretaria Nacional de Economia Solidária. Formação

para uma economia solidária: balanço das ações da SENAES – 2003 a 2006. Brasília:

MTE/SENAES, 2006 (mimeo).

30 Essa formação aconteceu nos anos de 2005 e 2006 por meio da realização de videoconferências, seminários, oficinas, encontros regionais, quando foram debatidos conceitos, estratégias, financiamento e as responsabilidades do Estado na construção de políticas públicas de economia solidária. Tal formação envolveu gestores que atuam em políticas públicas de

de economia solidária31 como parte das ações de promoção de ações do consumo ético e comércio justo, entre outros.

Além da SENAES, o governo federal criou o Conselho Nacional de Economia Solidária32 que agrega representações da sociedade civil, do governo e

dos empreendimentos33. Este Conselho foi concebido como órgão consultivo e deliberativo e tem como atribuições, entre outras, “propor diretrizes e prioridades para a política de economia solidária”34.

Outro marco importante em termos de discussões e presença da economia solidária, no cenário nacional e em âmbito governamental, foi a realização da I

economia solidária, pessoas interessadas em implementá-las e representantes dos Fóruns Estaduais de Economia Solidária. Foi desenvolvida mediante uma parceria estabelecida entre a SENAES, Rede de Gestores de Políticas Públicas de Economia Solidária, Centro Josué de Castro e Fundação Banco do Brasil. Foram capacitados na primeira fase do projeto, no ano de 2005, 40 gestores públicos na oficina Nacional, 457 gestores em seminários regionais e 450 gestores em videoconferência e plenárias regionais. Em 2006, durante a Fase II do projeto, participaram 70 gestores nas atividades nacionais e 400 gestores de municípios e estados nas atividades regionais e sub-regionais. Ibidem.

31 No ano de 2005, foram realizadas 18 feiras estaduais; em 2006, 26 feiras estaduais. Nas feiras, além da comercialização de produtos, acontecem várias atividades: formação em economia solidária e outros temas correlatos; apresentações culturais; trocas solidárias; rodadas de negócio, etc. Disponível em: www.fbes.org.br. Acesso em: maio de 2007.

32 Toda composição de constituição do Conselho Nacional de Economia Solidária foi discutida e negociada com o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, nas reuniões da Coordenação Nacional deste.

33 Fazem parte do Conselho Nacional de Economia Solidária os seguintes representantes: dos governos: Ministério do Trabalho e Emprego – MTE, SENAES, Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA; Ministério do Desenvolvimento Social – MDS; Ministério das Comunicações – MC; Ministério do Meio Ambiente – MMA; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA; Ministério da Fazenda – MF; Ministério da Integração Nacional – MIN; Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT; Ministério da Educação – MEC; Secretaria Geral da Presidência da República; Secretaria da Aqüicultura e Pesca; Secretaria de Políticas Públicas de Igualdade Racial – SSPIR; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES; Caixa Econômica Federal – CEF; Banco do Brasil – BB; Fórum Nacional dos Secretários do Trabalho – FONSET; Rede de Gestores de Políticas Públicas de Fomento à Economia Solidária. Dos empreendimentos de economia solidária: Associação Nacional de Cooperativas de Crédito e Economia Solidária – ANCOSOL; Associação Nacional de Trabalhadores e Empresas de Autogestão – ANTEAG; Confederação Nacional de Cooperativas da Reforma Agrária – CONCRAB; União e Solidariedade das Cooperativas e Empreendimentos de Economia Solidária – UNISOL; União Nacional de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária – UNICAFES; 15 representantes de empreendimentos econômicos, indicados pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES. Outras organizações da sociedade civil e serviços sociais: Articulação do Semi-Árido – ASA; SEBRAE; Grupo de Trabalho da Amazônia – GTA; Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC; Rede Cerrado; Rede Mulheres Economia; UNITRABALHO; Movimento Nacional de Catadores; Movimento Nacional Quilombolas; Rede de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares – ITCP’s; Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária – RBSES; Cáritas Brasileira; Fórum de Comércio Ético e Solidário do Brasil – FACES Brasil; Associação Brasileira de Entidades de Microcrédito – ABCRED; Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG; Pastoral Social da Confederação Nacional de Bispos Brasileiros – CNBB; Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB. Cf. www.mte.gov.br.

Conferência Nacional de Economia Solidária – I CONAES35 que aconteceu no período de 26 a 29 de junho de 2006, em Brasília. A temática geral deste evento “A economia solidária como estratégia e política de desenvolvimento” teve como norte a discussão de três eixos36: os fundamentos da economia solidária e seu

papel para a construção de um desenvolvimento sustentável, democrático e socialmente justo; o balanço do acúmulo da economia solidária e das políticas públicas implementadas; prioridades e estratégias de atuação para as políticas públicas da economia solidária e mecanismos de participação e controle social.

Como resultado das discussões da I CONAES e de seus documentos de referência, tem-se o entendimento da economia solidária

como uma prática de produção, comercialização, finanças e consumo que privilegia a autogestão, a cooperação e o desenvolvimento comunitário e que se caracteriza por valores culturais que colocam o ser humano na sua centralidade ética e lúdica e como sujeito e finalidade da atividade econômica, ao invés da acumulação privada do capital37.

Vêem-se, portanto, a partir do governo Lula, mais especificamente com a criação da SENAES, iniciativas no sentido de construir uma política nacional de economia solidária no Brasil, no âmbito governamental, que têm refletido em ações e iniciativas também em nível estadual e municipal.

Em 2007, com a eleição de novos governadores, observa-se uma tendência de expansão da economia solidária nos Estados, tendo como

35 Foi definido que a convocação da I Conferência Nacional de Economia Solidária – I CONAES deveria ser atribuição do Conselho Nacional de Economia Solidária. A composição do Conselho foi decidida no final de 2005, entretanto a sua oficialização só ocorreu, em junho de 2006, às vésperas da Conferência. Para garantir a participação do Conselho, foi realizada uma oficina em fevereiro de 2006, que contou com a participação das entidades que iriam compor o Conselho. Resolveu-se, então, que a I CONAES já deveria ser iniciada em maio com as pré-conferências. Uma comissão nacional foi formada (composta por representantes de empreendimentos, gestores públicos e entidades de apoio e assessoria) para pensar documentos de referência, organização da Conferência etc. Nos Estados, as Conferências ficaram sob a responsabilidade das Delegacias Regionais do Trabalho ou dos governos estaduais. A escolha dos delegados para a Conferência foi feita da seguinte forma: 50% das vagas para os empreendimentos; 25 % para gestores públicos; 25% para entidades da sociedade civil. Participaram 1.017 delegados dos Estados; 56 delegados nacionais; 27 facilitadores; 02 acompanhantes; 34 pessoas no apoio; 177 convidados; 03 representantes da imprensa; e 36 pessoas que participaram da abertura oficial, num total de 1.352 pessoas. A esse respeito, consultar os ANAIS da I CONAES.

36 Discutidos, no âmbito das pré-conferências estaduais, municipais e regionais, cabendo à comissão de sistematização agregar ao documento inicial as sugestões. Durante a realização da I CONAES, novos acréscimos foram feitos, gerando um documento final, onde constam as proposições e resoluções por eixo temático.

exemplos: na Bahia, a criação recente de uma Superintendência de Economia Solidária vinculada à Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte e no Maranhão com a Secretaria de Trabalho e Economia Solidária. Além disso, têm sido criadas Leis em alguns Estados que instituem a Política Estadual de Fomento à Economia Solidária, a exemplo do Estado do Espírito Santo, Projeto de Lei do Rio Grande do Norte e a Lei de Fomento à Economia Solidária do Estado do Piauí.