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A agricultura industrial chega ao Norte de Minas

No documento IGOR SIMONI HOMEM DE CARVALHO (páginas 110-114)

Capítulo 2 Contextualizando: o campesinato e a conservação do Cerrado no Norte de Minas

2.6. A agricultura industrial chega ao Norte de Minas

A partir da década de 1960, o Norte de Minas começa a sofrer as transformações advindas do modelo desenvolvimentista, com a apropriação das terras públicas pelo capital privado ancorado nos incentivos governamentais. A implantação de grandes projetos agropecuários gerou graves consequências na região, como:diminuição dos recursos hídricos (secamento e assoreamento de nascentes, córregos, rios, brejos e lagoas, rebaixamento do lençol freático), relatada por diversos moradores da região; degradação dos solos e de outros serviços ecossistêmicos; contaminação por agrotóxicos (usados principalmente no controle de formigas); diminuição da agrobiodiversidade, desenvolvida e cultivada secularmente, e a erosão da biodiversidade nativa; o aprofundamento das desigualdades sociais e o consequente êxodo rural (DAYRELL, 1998; MAZZETTO-SILVA, 2009).

As populações camponesas e indígenas do Cerrado não somente foram excluídas deste processo de “desenvolvimento”; foram prejudicadas pelo mesmo, expropriadas de suas terras, sendo lançadas ao êxodo rural e tendo agravada sua pobreza material. Com o domínio dos recursos naturais pelo grande capital, apoiado pelos poderes públicos, ficou cada vez mais difícil, a estas populações, o acesso à água, aos solos agricultáveis, às pastagens, às frutas nativas e à lenha, comprometendo assim sua reprodução sócio-cultural e criando bolsões de

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miséria e insegurança alimentar em todas as regiões do Cerrado (REZENDE, 2002; ALMEIDA, 2005; MAZZETTO-SILVA, 2009). Segundo Porto-Gonçalves (2000), até meados da década de 1970, o Norte de Minas era uma região auto-suficiente em alimentos, sendo hoje abastecido em grande parte por alimentos produzidos em larga escala em outras regiões.

Hoje, boa parte do território vem sofrendo intensa degradação, com os constantes desmatamentos para a fabricação de carvão, e, principalmente, com o avanço das monoculturas, com destaque para o eucalipto (Eucalyptus sp.), base energética dos altos- fornos siderúrgicos. As extensas chapadas, aparentemente “inabitadas”, foram tomadas por monoculturas de eucalipto, causando o “encurralamento” dos vales, nos quais vivem os camponeses locais. Ficou comprometida, assim, a reprodução sócio-econômica destas populações, que perdem suas áreas de “solta” e de coleta de frutos, plantas medicinais, lenha e madeira(PORTO-GONÇALVES, 2000; RIBEIRO & GALIZONI, 2003; BRITO, 2006; CARRARA, 2007; MAIA, 2008; MAZZETTO-SILVA, 2009).

Nos tempos das terras “soltas”, quando as fazendas não eram cercadas, e os que se diziam donos (quando existiam) toleravam a presença de sitiantes. Assim, a disponibilidade de terras permitia práticas como a solta do gado, o extrativismo e as roças em sistema de pousio. “A gente era liberado. Quando a terra era pouca, a gente saía fora, achava um capão de mato,

ia lá e fazia a roça”, diz o Geraizeiro Cristovino, em depoimento a Dayrell (1998). Com menos

terras disponíveis, em geral somente ao redor das casas, tal sistema tornou-se inviável, intensificando o uso dos solos e gerando seu empobrecimento. Além disso, com o crescimento das famílias, o problema da falta de terras tornou-se ainda mais grave (DAYRELL, 1998).

Atribui-se também à monocultura do eucalipto a característica de dificultar a recarga dos corpos hídricos subterrâneos (p.ex., SILVA, 2006), pelo alto consumo d‟água desta espécie em relação à vegetação nativa de Cerrado (ASSAD & ASSAD, 1999). É importante ressaltar que a manutenção da vegetação arbórea nas áreas de chapada garante a recarga do lençol freático. Não à toa, a Lei Florestal mineira exige a manutenção da vegetação nativa em uma faixa de pelo menos 100m nas bordas das chapadas do estado27.

27 A Lei nº 14.309, de 19 de junho de 2002, que dispõe sobre a Política Florestal e a de Proteção à Biodiversidade no Estado de Minas Gerais, consideracomo Áreas de Proteção Permanente (APP) aquelas situadas “em borda de tabuleiro ou chapada, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100m (cem metros)”.

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De fato, dentre as grandes monoculturas implantadas no Cerrado e no Norte de Minas, em particular, nos interessa nesta tese a de eucalipto, por ser a principal monocultura implantada na região de estudo, as chapadas da Cadeia do Espinhaço do Norte de Minas e de Grão Mogol.

As árvores do gênero Eucalyptus são originárias da Austrália, e começaram a ser plantadas em larga escala em outras regiões do globo, pela sua facilidade de adaptação, rápido crescimento e utilidade como madeira e lenha. No Brasil, os primeiros exemplares foram plantados ainda no século XIX, e os primeiros plantios comerciais foram feitos na primeira metade do século XX. Foi, no entanto, a partir da década de 1960, no contexto da ditadura militar, que o governo brasileiro passou a dar fortes incentivos à expansão do eucalipto, inicialmente por meio do Fundo de Investimento Setorial (FISET). Em 1966, existiam no Brasil cerca de 470 mil hectares plantados com essa cultura; em 1983, já eram 5,3 milhões de hectares (GILBERSTON, 2003; VIANA, 2004).

Cerca da metade do eucalipto plantado no Brasil é destinada à indústria de celulose, majoritariamente exportadora. A maior parte dessas plantações se encontra no Rio Grande do Sul, Espírito Santo e sul da Bahia; uma outra parte está consolidada ou em expansão também em outros estados, como São Paulo, Mato Grosso do Sul, Maranhão e Pará (ABS apud NOGUEIRA, 2009).Porém, o estado que abriga a maior extensão de monocultivos de eucalipto é Minas Gerais, onde praticamente toda a produção é destinada à produção de carvão vegetal, que abastece a indústria siderúrgica, também majoritariamente voltada à exportação (MAY, 2003; MEIRELLES, 2003; VIANA, 2004). Desde 2006, a área plantada com eucalipto em Minas Gerais supera um milhão de hectares, dos quais mais de 80% destina-se à produção de carvão (MAIA, 2008; NOGUEIRA, 2009).

Os impactos sócio-ambientais da grande produção de eucalipto no Brasil e pelo mundo têm sido relatado em diversos trabalhos (p.ex., MEIRELLES, 2003; VIA CAMPESINA, 2006; ROCHA, 2008; GERBER, 2011). Em um esforço de valoração econômica dos impactos sócio- ambientais das monoculturas de eucalipto vinculadas à siderurgia, Medeiros (1999) calculou que o Brasil perde, por ano, US$ 467 milhões de dólares, o que representa cerca da metade do faturamento anual com a exportação de ferro-gusa. Mesmo assim, muitas plantações estão incluídas no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e no recebimento de créditos de carbono, em uma estratégia liderada pelo Banco Mundial, pelas empresas do ramo e pela certificadora Forest Stewardship Council (FSC), contando, inclusive, com o apoio de algumas

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entidades ambientalistas (LASCHEFSKI, 2003). O argumento utilizado é que as plantações de eucalipto seqüestram carbono atmosférico, e o carvão vegetal seria um substituto “ecológico” do carvão mineral. Contudo, a certificação das monoculturas de eucalipto consideram somente o crescimento das árvores, onde ocorre a absorção de CO2, mas não levam em conta todo o processo produtivo industrial, no qual estas árvores serão transformadas em carvão ou celulose, tornando a liberar o CO2 (LASCHEFSKI, 2003).

Medeiros (1999), em estudo realizado no Norte de Minas, estimou que o estoque permanente de carbono, para as diferentes tipologias vegetais do Cerrado, é de 23,0 t C/ha (média ponderada), enquanto que, para áreas reflorestadas com eucalipto, o carbono imobilizado é de 7,4 t/ha, pouco acima do estimado para áreas com plantações de milho ou soja (7,2 t/ha). Segundo Assad & Assad (1999), a capacidade de seqüestro de carbono de um Cerrado sensu stricto seria de aproximadamente 2 t C/ha/ano, e a capacidade total do bioma poderia chegar a 400 milhões de toneladas de carbono retirado da atmosfera por ano. A fixação de carbono em um monocultivo de eucalipto destinado à indústria siderúrgica é provavelmente menor, pois suas árvores são cortadas periodicamente, fazendo variar ao longo do tempo seu estoque de biomassa. Considerando ainda o consumo de energia, o uso de maquinários, insumos e os transportes envolvidos no processo produtivo, o balanço final destas monoculturas é de mais carbono na atmosfera, e não menos (GILBERSTON, 2003).

Segundo Assad & Assad (1999), a taxa de transpiração do eucalipto se mantém constante ao longo do ano em um valor de 6,0 mm/dia, enquanto a de um cerrado sensu strictu, durante a estação chuvosa, é de 2,6 mm/dia, e se reduz a cerca de 1,5 mm/dia na estação seca. Isso explicaria o impacto negativo sobre os recursos hídricos atribuídos à monocultura do eucalipto, impactos estes que tem sido relatados em diferentes países (p.ex., Labarias, no Chile; Witt, na África do Sul; ambos apud VIANA, 2004). Por outro lado, as empresas envolvidas na produção e consumo de eucalipto afirmam que tais monoculturas não secam a água e, em alguns casos, podem ser benéficas à conservação da biodiversidade, na medida em que coibem o desmate de áreas nativas, ajudam a controlar a propagação de incêndios e favorecem o trânsito de animais silvestres (FARINACI et al., 2013). Além disso, há que se diferenciar os plantios de grande escala daqueles realizados em pequenas e médias propriedades, como nos casos analisados por Farinaci et al. (2013) no estado de São Paulo. Como salienta Batistella (inf.pess.), os possíveis impactos negativos ou positivos do plantio de eucalipto, assim como de outros cultivos, depende do manejo da paisagem.

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No Norte de minas, o que se tem observado é que os benefícios econômicos da produção de eucalipto ficam concentrados nas mãos das empresas envolvidas diretamente na produção e consumo da madeira, enquanto os passivos ambientais e sociais são cada vez mais evidentes. Esta nova realidade territorial do Norte de Minas limita a reprodução sócio- econômica de milhares de agricultores, que têm cada vez mais dificuldades em acessar recursos como terra, água, frutos nativos, ervas medicinais e lenha. Os impactos ambientais são cada vez mais visíveis, em especial aqueles relacionados aos recursos hídricos, cuja escassez já afeta milhares de famílias da região (DAYRELL, 1998; MAZZETTO, 1999; PORTO- GONÇALVES, 2000; RIBEIRO,2006). A grave situação vem suscitando a reação geraizeira, a qual tem estabelecido, como um dos marcos, a realização da 1ª Assembléia das Comunidades Atingidas pela Monocultura do Eucalipto de Rio Pardo de Minas, em 2003, que contou com representantes de 26 comunidades de diferentes localidades do Norte de Minas e de outros estados (BRITO, 2006).

No documento IGOR SIMONI HOMEM DE CARVALHO (páginas 110-114)