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A análise conjunta dos critérios de vantagem e de seletividade

CAPÍTULO V As Decisões da Comissão Europeia: Análise Crítica

1.1 A análise conjunta dos critérios de vantagem e de seletividade

Um dos pontos mais criticados nas decisões da Comissão é a aparente falta de análise da seletividade dos APPT. O próprio título do capítulo onde é levada a cabo a análise da seletividade em ambas as decisões é intitulado “existência de uma vantagem seletiva”.

É importante contudo notar que esta não é a primeira vez que a Comissão leva a cabo uma análise nestes termos.213

A Comissão é acusada de se focar apenas na aferição da atribuição de uma vantagem e automaticamente concluir, perante a existência da mesma, que esta será seletiva. 214 Por seu lado, aquela considera que apesar de levar a cabo uma análise da

213 Já em 2009, na decisão relativa ao regime groepsrentebox (2009), supra n. 180, para. 34, a Comissão é

acusada pelos Países Baixos de misturar dois critérios distintos em um único, o que consideram não ser compatível com a prática normal da Comissão e com a jurisprudência.

214 GORMSEN, Liza Lovdahl (2016), supra n. 61, p. 370; GORMSEN, Liza Lovdahl (2016), supra n.

seletividade que não agrada todas as partes envolvidas, a sua linha de raciocínio não é completamente alheia à jurisprudência europeia, uma vez que tanto o Tribunal Geral, como o TJUE, já afirmaram no passado que, no caso de um auxílio individual, ao contrário de um regime fiscal, “a identificação da vantagem económica permite, em princípio, presumir a sua seletividade” podendo resultar daqui o argumento da Comissão de que neste caso não seria necessária a realização do referido teste de três passos para determinar se os APPT em causa eram seletivos. 215,

A Comissão corrobora esta opinião com uma alusão ao Acórdão do Tribunal Geral no Caso Orange, no qual o mesmo considerou que o “critério da comparação do beneficiário com outros operadores numa situação factual e jurídica comparável ao objetivo prosseguido pela medida tem a sua origem e a sua justificação no contexto da avaliação do caráter seletivo medidas de aplicação potencialmente geral”, sendo tal critério “irrelevante quando […] é necessário avaliar o carácter seletivo de uma medida

ad hoc”.216

O caso concreto incidia sobre um regime legal especificamente desenhado para uma determinada empresa pública francesa (a France Telecom), aplicável exclusivamente a esta empresa. O Tribunal Geral considerou o regime em causa seletivo, sem que fosse necessário verificar se o mesmo diferenciava as situações entre os operadores numa situação factual e jurídica comparável tendo em conta a finalidade prosseguida pelo mesmo. Este ponto de vista foi posteriormente confirmado pelo TJUE em sede de recurso.217

A extensão literal da interpretação do Caso Orange para o Caso Apple levanta contudo algumas questões. Apesar dos APPT controvertidos dizerem respeito especificamente à situação particular da ASI e da AOE, a concessão de um APPT não é

215 TJUE, Acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica v Comissão, C-270/15, ECLI:EU:C:2016:489, para.

49; e Comissão Europeia v MOL (C-15/14 P), para. 60.

216

Tribunal Geral, Acórdão de 26 de fevereiro de 2015, Orange v Comissão, T-385/12, ECLI: EU: T: 2015 117, para. 53 e 54.

217 TJUE, Acórdão de 26 de outubro de 2016, Orange v Comissão, C-211/15 P, ECLI:EU:C:2016:798,

um direito reservado exclusivamente a estas empresas. Qualquer entidade sujeita a imposto na Irlanda pode requerer o estabelecimento de um APPT com a administração fiscal irlandesa, quiçá com as mesmas condições negociadas entre aquele Estado e a

Apple.

Por outro lado, no já referido Acórdão MOL218

, o TJUE determinou que o requisito da vantagem e da seletividade devem ser avaliados separadamente, ao adotar o argumento enunciado pelo Advogado-Geral Nils Wahl nas suas Conclusões, em que afirma que a “exigência de seletividade […] da medida deve ser claramente distinguida da deteção de uma vantagem económica” e “uma vez detetada a presença de uma vantagem, […] decorrente direta ou indiretamente de uma dada medida, compete ainda à Comissão demonstrar que essa vantagem se dirige especificamente a uma ou a várias empresas” e que “introduziu diferenciações entre as empresas que estão, em relação ao objetivo prosseguido, numa situação comparável”.219

Concluímos assim que a questão de determinar se é ou não admissível a análise conjunta do critério da seletividade é controversa. Apesar de o TJUE já ter no passado determinado que no âmbito de um auxílio individual, a identificação da vantagem económica permite, em princípio, presumir a sua seletividade, nas situações relativas à tributação direta essa conclusão pode não ser tão linear. GORMESEN, por exemplo,

considera que nestes casos a presunção de seletividade não vigora por três razões: 220 1º Tal como determinado pelo TJUE, seletividade e atribuição de uma vantagem

são critérios diferentes que requerem uma análise separada;

2º Os Estados-Membros têm competência exclusiva em matéria de tributação direta;

3º Nos casos relativos a medidas fiscais, a demonstração do preenchimento do requisito da seletividade é essencial, uma vez que todos os outros critérios

218

Comissão Europeia v MOL (C-15/14 P), para 59.

219 Conclusões do Advogado-Geral Nils Wahl, de 22 de janeiro de 2015, no âmbito do Processo C-15/14

P, Comissão Europeia v MOL, para. 47.

previstos no artigo 107.º, n.º 1, do TFUE, se encontram, regra geral, preenchidos.

Chegados a este ponto percebemos que a conclusão pode ser bastante diferente, por um lado, nas situações relativas a vantagens atribuídas apenas a um sujeito passivo, tal como sucedeu relativamente à France Telecom, no Caso Orange e, por outro lado, nas situações em que estamos perante uma vantagem que pode estar acessível a vários sujeitos passivos, uma vez que “não é lógico analisar a presença de seletividade numa medida disponível a apenas um sujeito passivo concreto”, tal como um APPT, pelo que a análise da Comissão pode não se mostrar tão incoerente quanto muitos querem fazer parecer.221