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Capítulo IV Metodologia

3. Opções Metodológicas

3.5. A análise de conteúdo das entrevistas

Com a leitura das entrevistas pretendia-se, não tanto explicações sobre resultados observados, mas sobretudo aceder à compreensão dos entrevistados enquanto actores sociais e à forma como actualizam as suas representações sobre o mundo que os rodeia e constroem lógicas interpretativas com as quais justificam a sua acção.

Trata-se de uma reflexão sobre as suas representações pessoais, as representações sociais com que lidam, mas também os processos de atribuição causal que reivindicam nessa explicação dos acontecimentos e das suas atitudes. Analisar o discurso dos sujeitos implica reconhecer que esse sujeito comporta no seu discurso não só uma certa representação do mundo, mas também do seu lugar no mundo e do lugar daqueles a que ele se refere.

As transposições decorrem das entrevistas efectuadas e encontram-se em anexo. Escolhemos a análise de conteúdo para tratar os dados obtidos na entrevista considerando as características das investigações qualitativas apresentadas por Maroy (1997) justificando que as mesmas se enquadram de uma forma adequada aos objectivos que pretendemos atingir e ao tipo de abordagem metodológica adoptada para este estudo: “o vaivém constante entre as hipóteses de partida, a recolha e o tratamento de dados são particularmente importantes quando se encara a análise qualitativa numa lógica exploratória, como meio de descoberta e de construção de um esquema teórico de inteligibilidade” Maroy (1997: 117). Para Vala (1986: 104) trata-se da “ desmontagem de um discurso e da produção de um novo discurso através de um processo de localização -atribuição de traços de significado, resultado de uma relação dinâmica entre as relações de produção do discurso a analisar e as condições de produção da análise”.

Nalguns casos, a dificuldade de expressão, de encontrar respostas, explicações ou até uma certa incoerência entre as afirmações produzidas e as acções enunciadas pode tornar-se objecto de uma interrogação mas também de interpretação, até porque há que ponderar a realização dos enunciados discursivos em situação de interacção.

A análise do conteúdo das mesmas é feita através da escuta atenta e repetida das gravações obtidas e de leituras sucessivas das suas transcrições, em interligação com o quadro teórico que sustenta a problemática.

O facto de termos recorrido à análise de conteúdo como técnica mais fecunda para uma metodologia compreensiva não deixou de levantar algumas questões relacionadas com a sua aplicação, modalidades e processos interpretativos.

Para alguns autores a análise de conteúdo é amparada por uma pressão criada entre dois pólos – o da singularidade do texto e a generalidade do discurso. O investigador ambiciona poder ir mais longe do que é explícito10 no próprio corpus da análise, isto é, ter em conta que a autonomia do discurso relativamente às práticas sociais é uma autonomia relativa.

Reconhece-se que as actuações “contadas” pelos entrevistados podem nem sempre estar em harmonia com as imagens que os mesmos têm do mundo. Considera -se assim que a produção do próprio discurso remetia os enunciadores para processos de uma construção e reactualização das suas representações, permitindo compreender os comportamentos verbais pelo que eles significavam no aqui e agora.

A acção de enunciar pressupõe uma dimensão intencional, houve que procurar descobrir, quer através do declarado, quer através do dissimulado reconhecer o intencional. Não houve de imediato o recurso a uma análise estrutural, ainda que fosse tentadora pela sua operacionalidade, pois oferecia o risco de levar a uma rápida formulação de códigos organizadores do texto, negligenciando assim outros elementos de compreensão não imediatamente identificáveis, nomeadamente os pressupostos que envolvem as próprias condições da enunciação.

Para aceder a essa lógica foi considerado que existiam no discurso dos adultos lógicas discursivas e lógicas de acção, que assumiam um conjunto de unidades centrais, o que permitiu agrupá-las. As unidades de sentido a que recorremos constituem uma construção contingente pois tratava-se de uma análise provisória de conjuntos de enunciados. Tentando ter em conta a própria forma de expressão, o que tem limites pelo facto mesmo de se fazer passar o registo oral a uma representação escrita desse registo. Procurando, no entanto, manter uma proximidade com o enunciado original para preservar expressões em que se cruzam o cognitivo e o afectivo e onde se reconhece o capital discursivo disponível dos adultos.

Foi intenção compreender as lógicas dos entrevistados que, como os actores sociais “actualizam” as suas representações sobre o mundo que os rodeia e constroem

10

A este respeito podemos citar Landry (2003) que refere que a análise de significação pode interpelar dois tipos de conteúdo manifesto e o conteúdo latente referindo-se este último ao implícito, ao não expresso, aos elementos simbólicos do material analisado.

elas próprias lógicas interpretativas -através dos discursos -com que justificam a sua acção.

Em termos de organização de trabalho respeitamos Bardin (1977) Biklen e Bogdan (1994), Cohen e Manion (1990). Estes autores argumentam que numa abordagem qualitativa, a entrevista é utilizada para recolher dados descritivos, na linguagem do próprio sujeito, o que permite ao investigador desenvolver, intuitivamente, uma ideia sobre a maneira como os sujeitos interpretam aspectos relacionados com o fenómeno investigado. A análise das entrevistas foi realizada seguindo a configuração:

Pré – análise

Escolha de documentos Formulação dos objectivos

Constituição do corpus Dimensões

Preparação do material Variáveis Categorias

Tratamento dos resultados e Interpretações

Operações estatísticas

Síntese e selecção dos resultados

Inferência

Interpretação

Fig.1 Desenvolvimento de uma análise Fonte: Bardin (1979)

Os discursos dos adultos foram previamente abordados sem hipóteses previamente construídas, embora apoiada em quadros teóricos gerais e mobilizando teorias parcelares num procedimento de descoberta e invenção: descoberta dos significados ocultos na realidade mais visível, pouco a pouco, a leitura foi-se “ tornando mais precisa, em função de hipóteses imergentes, da projecção de teorias adaptadas

Referência dos Índices

sobre o material e da possível aplicação de técnicas utilizadas sobre materiais análogos” (Bardin, 1977:96).

A análise de conteúdo do material recolhido através das entrevistas individuais, foi tematicamente organizada. Permitiu-nos a definição de três grandes áreas dimensionais. Parte-se dos discursos no contexto social da entrevista, para se chegar à construção das grelhas temáticas orientadas pelos eixos analíticos, que permitirão descodificar os sentidos latentes contidos nos textos. Esses significados são categorizados11 em unidades de análise12 que consistem em precisar o seu conteúdo (Maroy, 1997) permitindo identificar padrões de regularidade e singularidade nos discursos produzidos, e a partir deles perspectivar interpretações e relações com os conceitos estruturadores da problemática construída para a investigação.

Descrita a estratégia de investigação e as técnicas utilizadas, e caracterizado o contexto em estudo e o grupo de entrevistadas, importa agora perceber como todo o desenho metodológico da pesquisa se relaciona e de que modos os dados recolhidos foram analisados. “A técnica de análise de conteúdo adequada ao domínio e ao objectivo pretendidos, tem de ser reinventada a cada momento…” Bardin (1977: 31).

Os assuntos foram organizados em função das dimensões analíticas atrás expostas o que permitiu a explicitação dos dados recolhidos através do anterior quadro interpretativo.

No âmbito desta pesquisa, alguns aspectos relativos à aplicação das técnicas qualitativas no estudo do fenómeno do desenvolvimento do exercício de cidadania em contexto de educação e formação de adultos devem ser explicitados.

O conjunto dos dados recolhidos e registados pelas entrevistas transcritas serão usadas enquanto ilustrações e base empírica das análises interpretativas realizadas nos próximos capítulos sob a forma de excertos, que possibilitam um melhor acesso aos próprios discursos dos entrevistados.

Explicitados os critérios que serviram de base à escolha dos referenciais empíricos, procedeu-se à sua articulação com algumas perspectivas teóricas sobre exercício de cidadania/ educação e formação de adultos, tentando responder às questões que procurávamos saber, elucidar e compreender melhor: Que origens e trajectórias sociais conduzem à frequência do processo RVCC no decorrer da vida adulta? Como

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Baseamo-nos em Maroy (1997:131) que nos diz que uma categoria “é um conceito que permite nomear uma realidade presente no material recolhido”.

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Segundo Landry (2003) são definidas como as mais pequenas unidades de significação e constituem uma porção de texto que será caracterizada pelas categorias analíticas

podem as trajectórias sociais e os modos de vida condicionar ou não uma intervenção participativa relativamente à cidadania? De que modo os indivíduos com baixas qualificações escolares lidam com as suas próprias competências ao nível da cidadania? Quais as aprendizagens produzidas pelo RVCC, nomeadamente, em relação às competências pessoais dos indivíduos, promotoras de uma intervenção participativa na comunidade? De que modo os adultos idealizam a sua intervenção futura? De que modo o RVCC é comparável à escola regular, no âmbito das competências escolares e intervenção na comunidade?

Tendo em consideração que, com este estudo pretendia-se aceder aos significados que os adultos imprimiam às suas acções individuais, no âmbito da cidadania antes do RVCC, identificar de que forma o percurso formativo os influenciou em vectores promotores de uma cidadania participativa e conhecer as suas aspirações e expectativas face a uma intervenção para essa mesma cidadania, os resultados da pesquisa são apresentados de uma forma estratégia/ organizativa que nos parece pertinente face a toda a problemática até aqui exposta.

Operacionalizaram-se articuladamente cinco eixos analíticos. O primeiro, o eixo contextual caracterizado pelas origens, trajectórias sociais e modos de vida dos sujeitos apresentará os percursos que conduzem a processos de formação na vida adulta.

O segundo, o eixo processual, caracteriza os processos do percurso profissional e os contributos da actividade profissional para a função exercida, com vista à valorização pessoal, à capacitação para o exercício da cidadania. Com o terceiro, o eixo projectivo pretende-se compreender de que forma o processo RVCC capacitou os sujeitos, procura entender os efeitos produzidos pela frequência de um processo formativo, que para além das competências académicas e profissionais, tem em vista uma dimensão social e o desabrochar de todo o potencial humano para o pleno exercício da cidadania.Com o quarto eixo projectivo, pretende-se compreender os aspectos mais positivos e menos positivos do processo RVCC, comparando-o com a metodologia da escola regular. O quinto eixo, dá liberdade expressa ao adulto para referir efeitos de continuidade do percurso académico e outros que atestem a dimensão social e profissional individuais.