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B- Descentralização e Desconcentração Administrativa em

2 A PROBLEMÁTICA DO PATRIMÔNIO : AVANÇOS E RETROCESSOS

2.5 A apropriação do patrimônio por uma sociedade de consumo

Não temos a pretensão, nesta dissertação, de elencar considerações sobre a forma de experiência do espaço que constitui o turismo38, mas em associá-lo com um novo discurso que passa a valorizar a forma urbana – sem, contudo, trabalhar a idéia de urbanidade39 – como um patrimônio edificado que vem sendo apropriado pela sociedade contemporânea como uma espécie de “mercadoria de consumo”.

Neste contexto, Choay (1992, p.212) evidencia a ambigüidade do significado do termo “valorização”, pois, simultaneamente, “remete a valores do patrimônio que é preciso fazer reconhecer”, assim como a “noção de mais-valia”. Ao mesmo tempo em que ressalta a importância da identidade cultural como pertencente à população tradicional residente, assume também conotações econômicas ao associar o patrimônio como fonte de renda. É possível verificar essa análise quando a autora se refere aos centros e bairros históricos:

[...] tendo se tornado patrimônios históricos de pleno direito, os centros e os bairros históricos antigos oferecem atualmente uma imagem privilegiada, sintética e de certa forma magnificada, das dificuldades e contradições com as quais se confrontam a valorização do patrimônio arquitetônico em geral, e

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De forma a explicar a origem do termo, seu surgimento e evocar os diversos estudos acadêmicos desenvolvidos no que concerne ao fenômeno do turismo como forma de consumo.

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Conforme visto, através das análises de Moreira (2004), o termo “urbanidade” está diretamente associado à melhoria da qualidade de vida através de reformas urbanísticas voltadas para o conceito de “preservação” da cultura e identidade popular em detrimento do conceito de “tabula rasa”.

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em especial sua reutilização ou, em outras palavras, sua integração na vida contemporânea (CHOAY, 1992, p. 222).

Em conformidade, Moreira (2004, p. 58) reforça essa idéia de reapropriação do patrimônio edificado para fins econômicos, que se “beneficiam de seu status de sítios históricos”, utilizando um discurso de preservação que se tornou presente na Europa e na América Latina, a partir da década de 1990. Surge, então, a tendência de se “valorizar” o espaço urbano, os centros históricos, as ruas com suas antigas edificações. A forma urbana desdobra-se em situações em que o projeto urbano transforma-se em empreendimento. A questão da preservação está então atrelada ao conceito de revitalização urbana ao se referir às operações destinadas a relançar a vida econômica e social de uma parte da cidade.

Ocorre um retrocesso no discurso em que, novamente, o patrimônio artístico e histórico é evocado como símbolo fiel à memória passada. Portanto, deve ser preservado, revitalizado, recordado, reconstruído, como forma de não ser esquecido, destruído, alterado, modificado. Mais uma vez, o conceito de patrimônio é embasado na retórica da destruição, do esquecimento, da modernidade, ou seja, da tabula rasa. O que importa, nesse discurso, é a preservação da casca, do objeto material, do cenário urbano, e não, necessariamente, da cultura popular, do bem imaterial, da identidade local, da essência do cotidiano representada pelo modo de vida da população residente. Preserva- se a forma urbana sem, contudo, preservar o modo de vida, as relações sociais e culturais existentes, seguindo um modelo econômico em que, muitas vezes, altera-se o uso e incentiva-se o deslocamento da população residente para zonas periféricas. O que colabora para o enfraquecimento da memória social.

O objetivo dessa nova ordem econômica – reincidente desde a década de 90 e vinculada a um discurso de preservação – é atrair um público voltado para o consumo do espaço idealizado por uma memória que, na prática, não existe mais. Resulta em um espaço turístico que atrai um número crescente de visitantes, acarretando um negócio lucrativo para seus agentes financiadores e empreendedores locais. A esse respeito, Santos (1984, p. 10) acrescenta que o processo de deslocamento da população local, como efeito dos planos de “renovação urbana”, tem gerado o “empobrecimento” da cultura original através da fragmentação social do espaço urbano.

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[...] os planos de “renovação” deslocam apenas os condenados pelo crime de estarem ocupando lugares tornados bons demais para eles. Carregam junto uma quantidade enorme de hábitos culturais e de atividades econômicas, julgados desprezíveis [...] (SANTOS, 1984, p. 10).

Segundo Arantes40 (2000, apud Moreira, 2004, p.60), o processo de revitalização urbana vem provocando “gentrificação, termo inglês para a elitização de determinada área, apropriada dentro da lógica da indústria cultural”. Ocorre a “valorização” de áreas através da preservação de todo um cenário urbano que se remete à cidade antiga como forma de atrair um maior número de visitantes. A necessidade incessante de se recriar os “lugares de memória” não está associada simplesmente a um sentimento de nostalgia provocado pelo processo de modernidade com as alterações físicas do território, mas, principalmente, a uma “espetacularização” da cidade como forma de colaborar para o crescimento econômico em que se evidencia a atividade turística. Isso responde a uma pergunta feita, logo na introdução deste capítulo, sobre o possível sentimento de nostalgia associado à criação de lugares de memória.

O termo espetacularização, segundo Jeudy (2005), é um processo contemporâneo em que os governantes locais buscam, através de uma espécie de “marketing urbano”, um meio de promoverem a cidade na rede urbana internacional. Esse processo de espetacularização tem como objetivo atrair investimentos externos, através de financiamentos e com o incentivo às atividades turísticas. O autor aprofunda suas análises ao associar o conceito de cultura, na lógica contemporânea, com o fenômeno de conservação patrimonial como forma de se compreender a materialização do processo de espetacularização das cidades.

Na atualidade, a “cultura” passou a ser concebida como uma “simples marca”, assemelhando-se a uma mercadoria de fácil acesso e que pode ser consumida rapidamente. Esse mesmo raciocínio pode ser transposto para as cidades históricas. Segundo a visão de Jeudy (2005, p.9), a competição entre os governos locais para promoverem as cidades no mercado nacional, e também no internacional, em busca de investimentos e financiamento, vem resultando na conservação do patrimônio urbano. Essa conservação é seguida da reconstrução, normalmente, de antigas áreas centrais como cópia fiel ao que existia no passado. Então, surge no espaço urbano – já

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ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal. In: A cidade do pensamento único. Rio de Janeiro: Vozes, 2000.

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caracterizado por um novo modo de vida marcado por novos atores – uma área voltada para a representação daquilo que existia e não existe mais.

É como se não existisse o “direito ao esquecimento”, em virtude das tentativas incessantes de se relembrar, através de resquícios do passado, de uma memória dissociada de seu tempo e de sua própria história. Esse resgate da forma urbana passada evidencia um forte “apelo” cultural, na medida em que utiliza um discurso voltado para a preservação do patrimônio cultural, como forma de “mascarar” o interesse econômico dos governos locais e dos empreendedores voltado, basicamente, para o público externo, – os visitantes –, enfim, novos atores com poder aquisitivo para consumir esse produto. O espaço urbano passa a ser palco de uma encenação, em que a população local não tem importância como mão-de-obra nos novos empreendimentos e muito menos como gestora das decisões municipais. Ou seja, torna-se um espaço sem cidadania e sem identidade.

Tendo em vista as análises desenvolvidas por Jeudy (2005), observa-se que os efeitos da espetacularização vêm gerando a “homogeneização” urbana em que seguem os mesmos padrões internacionais como forma de atrair investimentos. Paradoxalmente a busca pelo destaque e diferenciação provoca a homogeneização.

Ao preservar áreas históricas de forte importância cultural local, utiliza normas de intervenção internacionais que não são pensadas nem adaptadas de acordo com as singularidades locais. Assim, esse modelo acaba tornando todas essas áreas – em diferentes países, de culturas das mais diversas – cada vez mais semelhantes entre si (JEUDY, 2005, p. 10).

Esse processo de espetacularização das cidades colabora para seu “congelamento” como símbolo da ação de reflexividade da sociedade contemporânea e da gestão urbana, utilizando da preservação das antigas formas urbanas e arquitetônicas como uma forma de transparecer a “autenticidade” da cultura local. Esse discurso é justificado como forma de garantir os investimentos financeiros.

Segundo Jeudy (2005, p. 11) “a preservação é uma prioridade da gestão urbana”. Assim, no Brasil, os projetos de revitalização urbana de caráter patrimonial, realizados através da conservação do patrimônio cultural, estão se multiplicando em diferentes cidades ditas históricas. Como forma de destacar o empobrecimento do valor de patrimônio na sociedade de consumo, Moreira (2004, p. 61), ressalta que “o chamado patrimônio histórico é esvaziado de sua urbanidade e reapropriado por atividades como

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shopping centers, lojas, centros culturais, museus e habitação de melhor padrão econômico”. A autora cita o Pelourinho, em Salvador (Bahia), como símbolo do fenômeno de gentrificação, em que houve a saída da população anterior e a substituição do uso habitacional original por “entretenimento, comércio e lazer”.

Tendo em vista essas análises, torna-se importante problematizar a questão da preservação numa sociedade de consumo, pois se vem valorizando a materialização da forma urbana em detrimento da urbanidade. Será que o valor de patrimônio está associado ao conceito de tabula rasa como discurso de preservação? Conforme observa Lemos (2006, p.33), “hoje em dia o turismo é uma grande justificativa para se preservar em vista do crescente retorno econômico com o deslocamento de turistas vindo de diversas partes do mundo para visitar o patrimônio natural e histórico ainda existentes”.

A reprodução desses espaços através das réplicas de edificações antigas – que remetem a um modo de apropriação e produção cultural dissociados da atualidade – torna-se justificável para aumentar o turismo que funciona como uma indústria cultural. Ou seja, a atividade turística justifica a produção de um parque temático com novos atores e atividades econômicas, comerciais e industriais voltados para o beneficiamento de parte restrita da população. Essa visão crítica – em relação à apropriação do patrimônio edificado como mercadoria pela indústria cultural – está presente também nas análises de Choay (1992, p.211) em que “os monumentos e o patrimônio histórico adquirem dupla função ao serem considerados obras que propiciam saber e fazer, postos empacotados e distribuídos para serem consumidos41”.

Mesmo que as argumentações apontem para a banalização do valor de patrimônio através da produção de cenários históricos, Lemos (2006) se contrapõe e defende a idéia de que esses cenários devem ser preservados como resquícios de memórias passadas, pois remetem à forma de organização espacial e às técnicas construtivas que foram desenvolvidas no passado.

Sim, conservamos alguns cenários, mas eles nos são da maior importância porque foi o pouco que nos restou, já que nunca soubemos preservar outros documentos de nossas antigas populações urbanizadas, enquanto, aos poucos, fomos destruindo nossos elementos da natureza envoltória, cujos recursos,

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“Nosso patrimônio deve ser vendido e promovido com os mesmos argumentos e as mesmas técnicas que fizeram o sucesso dos parques de diversões”. Discurso do Ministro do Turismo francês em 9 de setembro de 1986, secundado por um de seus colaboradores. “Passar do centro antigo como pretexto ao centro antigo como produto” (apud Choay, 1992, p. 211).

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aos poucos, foram escasseando e sendo esquecidos, e também distraidamente fomos olvidando os conhecimentos populares e os modos de “fazer”, que até há pouco tempo nos ajudavam a sobreviver (LEMOS, 2006, p. 61, grifo nosso).

Dessa forma, Lemos (2006) enfatiza a importância de preservar esses cenários históricos, como forma de aprofundar o entendimento das técnicas construtivas e da apropriação espacial da cidade no passado e, também, não deixa de ressaltar a importância de se preservar a cultura local e seus antigos conhecimentos, que são úteis para a sobrevivência das próximas gerações.

Como uma forma de avançar nessa abordagem do patrimônio, Lemos (2006) ressalta dois caminhos que devem ser seguidos como forma de preservar o patrimônio ambiental urbano. O primeiro relaciona-se com a inserção da política de preservação em uma política de planejamento. Já o segundo caminho refere-se à implantação do projeto como de interesse social, que deve atender a necessidade da população com melhorias na qualidade de vida urbana. Ao justapor esses caminhos, Lemos (2006, p.97), recorre à importância do Plano Diretor – instrumento urbanístico da política de desenvolvimento e expansão urbana – de fundamental importância para conciliar a política de preservação com a política urbana.

Do planejamento de recuperação de um centro histórico naturalmente decorre um “Plano Diretor” que além, de tratar dos problemas comunitários, como aqueles da infra-estrutura, por exemplo, também cuida das normas de intervenções e uso das construções situadas dentro do perímetro histórico, como também das novas edificações nos terrenos porventura disponíveis (LEMOS, 2006, p.97).

Mesmo com essa postura otimista frente à importância do Plano Diretor como um instrumento urbanístico capaz de inserir a questão de preservação na política urbana, não se pode esquecer a precária situação sócio-econômica de grande parte desses municípios históricos como um fator limitador frente à elaboração e implementação de planos de qualquer natureza. Contudo, é bom lembrar que, ao contrário do que parece entender a grande maioria dos prefeitos, as dificuldades que afetam fortemente a gestão urbana não dizem respeito, exclusivamente, à escassez de recursos financeiros, mas também à precariedade, no nível local, dos recursos institucionais, humanos e tecnológicos para gerenciar tais processos.

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Através das análises que foram apresentadas até aqui, algumas idéias, hoje, acerca das cidades são úteis para aclarar essa discussão. No momento em que os gestores municipais e os diversos agentes atuantes no espaço territorial começarem a entender a cidade como um “documento da história urbana” (SILVA, 1996, p.172), cuja linguagem deve ser decifrada e enriquecida, sempre que possível, a realidade caótica desse quadro que se apresentou poderá ser revertida ou mitigada. Em conformidade, Araújo et al. (2002, p.31) destaca a importância de assimilar a cidade como registro da própria história, mas intrínseca ao processo de produção do espaço sócio-territorial, de acordo com as necessidades dos grupos sociais que ali se estabelecem e se relacionam.

(...) entende-se que as cidades não são apenas ruas pra ir e vir, onde se alinham os prédios, nos quais se mora e trabalha, mas são também locais que surgiram e se modificaram ao longo dos anos, mudando de cara, revelando a história de determinado grupo de pessoas que ali foi viver. Entende-se que é através das relações sociais que se estabelecem sobre determinado território que as cidades vão sendo construídas e reapropriadas, sempre se transformando sobre os objetos do passado. As marcas dessas relações ficam por toda parte. As cidades são, portanto, verdadeiros registros da história, de seu processo de construção. São como documentos. Em suas formas, suas ruas e prédios, assim como na sua situação geográfica e na sua relação com as demais localidades, ficam gravados os registros do tempo e da sociedade que as produziu (MOTA42, apud, ARAÚJO, et al, 2002, p.31, grifo nosso).

Consequentemente, as intervenções urbanas quando resultarem em melhoria da qualidade de vida de sua população, não serão vistas como simulações da própria história. No entanto, essas intervenções, assim como as medidas de preservação, devem ser embasadas no conhecimento da história do lugar e da forma como os homens se organizam espacialmente e socialmente sobre esse território. Nesse sentido, as cidades são processos, estão em constante alteração, não são museus e nem obras de arte, mas sim objetos de investigação permanente. Não há como conhecê-las apenas com levantamentos fotográficos, relatórios de viagem, um saber restrito do órgão institucional e de generalizações sobre o centro histórico de uma região, com se fossem meras reproduções de um mesmo modelo (SILVA, 1996).

As cidades recebem elementos novos, que se relacionam com os antigos. Então deve existir uma associação entre presente/passado, esquecimento/ lembrança, história/ memória, tabula rasa/ preservação, que compõem as alterações do modo de

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vida, da cultura, do saber, do fazer da sociedade contemporânea. Pode-se concluir que é possível conciliar a política de preservação com a prática de uma gestão urbana voltada para melhoria da qualidade de vida de seus habitantes e respeitando a memória social como parte indissociável da política de preservação e da produção do espaço urbano com novas atividades e novos agentes. Ou seja, é possível intervir e ocupar o espaço urbano tombado, sem, contudo, prejudicar a integridade de seu patrimônio cultural. Devem-se buscar soluções alternativas de conciliação entre essas duas políticas, aparentemente, antagônicas, mas complementares, uma vez que ao se preservar o espaço territorial está se colaborando para melhoria da qualidade de vida de seus habitantes, para a imagem da cidade e para a perpetuação de uma história que acompanha a evolução do homem e de suas atividades.

A questão da memória deve ser associada à dimensão fundamental da cidadania, que significa a inserção e a conscientização da população no âmbito político; e da identidade, conforme ressalta Araújo et. al. (2002, p.32), em que a população se reconheça naquele espaço histórico e que dele se aproprie no âmbito social, econômico, político e cultural. Dessa forma, à medida que a cidade é associada a uma memória participativa e de identidade, percebe-se que a população está inserida no contexto da produção e reprodução desse espaço sócio-territorial. Um bom exemplo, para ilustrar essa afirmação, seria imaginarmos a preocupação do governo local em inserir a população como mão-de-obra das atividades turísticas, que vêm se desenvolvendo nas cidades históricas. Essa é apenas uma das inúmeras maneiras de diminuir a exclusão sócio-territorial que vem se firmando nesses espaços, e colaborando para dissipação de sua memória social. Neste quadro da realidade atual, é natural a população não reconhecer a importância da política de preservação desenvolvida pelos órgãos institucionais (SPHAN, IEPHA, Secretaria Municipal de Preservação), e estar conivente com esse processo de apropriação do espaço territorial como mercadoria em que o valor de troca é hegemônico frente ao valor de uso. A esse respeito, pode-se acrescentar as seguintes questões elaborada por Araújo et. al (2002, p.32):

Por que manter o que não se reconhece como seu? Para que se preocupar com as gerações de habitantes futuros se nos sentimos como estrangeiros no lugar onde vivemos? Como construir uma consciência individual de cidadania se nada do que somos ou do que fomos existe para nos lembrarmos do que seremos?

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Referente a estas perguntas, Araújo et al (2002, p.32) acrescenta que a destruição de pertencimento a um lugar e de sua valorização pela população estão associados à valorização do futuro em detrimento do passado, em que o antigo e o novo não podem conviver juntos no mesmo espaço. Essa valorização do novo, como reflexo do progresso, da modernidade vem provocando a produção de lugares “vazios” em que a população local não participa mais da vida daquele espaço.

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3 ESTUDO DO ESPAÇO URBANO E A FORMAÇÃO DO

PENSAMENTO URBANÍSTICO NO CONTEXTO BRASILEIRO

Este capítulo aborda os termos, conceitos e processos inerentes ao estudo do espaço urbano e a formação do pensamento urbanístico. O objetivo principal é compreender, de forma abrangente, sua formação e produção, no contexto brasileiro, a fim de desconstruir “falsos” consensos carregados de soluções um tanto quanto simplistas para resolver os “problemas urbanos” – a que alguns estudiosos teóricos, profissionais técnicos e, até mesmo, leigos se referem sem, contudo, analisar as causas desses “problemas” reincidentes ao processo de urbanização das cidades brasileiras. Aliás, o que são esses “problemas urbanos” tão exaltados, na fala e na escrita, como um “saber popular”?

O planejamento urbano recorrentemente surge incorporado na figura do plano diretor como uma “única resposta” para resolver grande parte dos problemas referentes à realidade social, cultural e urbana das cidades brasileiras. Neste contexto, o planejamento urbano é comparado à formação de um discurso ideológico, cuja abordagem será enriquecida, a posteriori, através das análises de Marilena Chauí e Flávio Villaça.

O desenvolvimento das discussões a que este capítulo se propõe foi estruturado em três partes. A princípio, buscou-se evidenciar sucintamente43 algumas considerações de Marcelo Lopes de Souza e Raquel Rolnik condizentes ao significado “do que é cidade”, complementadas com as análises de Monte-Mór sobre o conceito de