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2. Apreciação do mérito do recurso:

2.1. A arguição de nulidade da sentença:

Sintetizando as conclusões decorrentes da precedente exposição, temos que:

(…) b)

Não há caso julgado, por falta de repetição das partes, e também de pronúncia quanto à respectiva causa de pedir, entre os demais pedidos da presente acção e a decisão proferida no processo n.º 800/16.0T8BRG

*

Termos em que, julgo:

- parcialmente procedente a excepção suscitada, declarando verificado o caso julgado relativamente à alínea a) do pedido da presente acção e à pessoa do 1º Réu Banco X, que se absolve da instância.

- parcialmente improcedente a excepção em apreço, declarando não preenchidos os pressupostos do caso julgado da mesma alínea a) do pedido relativamente à 2ª Ré “Imóvel X” e à Interveniente “W”, bem como das demais alíneas do pedido relativamente a ambos os Réus e à Interveniente.» (sublinhados nossos).

b) Foi explicado, antes de ser identificado o objeto do litígio a julgar: «O estado dos autos não permite que se conheça, desde já, do mérito da causa, pois tal depende da prova a produzir, pelo que se passará a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas de prova.».

2. Apreciação do mérito do recurso:

2.1. A arguição de nulidade da sentença:

O recorrente arguiu a nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-d) do C.

P. Civil, com fundamento na omissão de conhecimento da autoridade do caso julgado, alegando: que as rés e a interveniente defenderam-se por exceção nas suas contestações, invocando «o caso julgado e a autoridade do caso julgado»;

que no despacho saneador apenas foi conhecida a exceção de caso julgado;

que nem no despacho saneador, nem na sentença, foi conhecida a autoridade do caso julgado (conclusões II a V do recurso).

O recorrido defendeu que a questão suscitada já foi apreciada no despacho saneador, que não foi objeto de censura e transitou em julgado (conclusão VIII da resposta ao recurso).

O Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a nulidade arguida de falta de

conhecimento da autoridade de caso julgado, considerou que esta não ocorria por ter sido conhecida a exceção dilatória no despacho saneador.

Impõe-se apreciar a arguição de nulidade da sentença por omissão de

conhecimento de questão suscitada e que se devesse conhecer (art.615º/1-d) do C. P. Civil, em referência ao art.608º do C. P. Civil), face às arguições realizadas e ao teor do despacho saneador e da sentença, invocados como fundamentos da nulidade e da inexistência da nulidade por ter havido conhecimento das questões suscitadas.

2.2.1. Examinando as arguições e as decisões proferidas nos autos, verifica-se o seguinte.

Por um lado, as duas rés e a interveniente, nas suas contestações supra

enunciadas (nos termos relatadas em I- 2.1.-a) quanto à 1ª ré, em I-3.4. quanto à 2ª ré e em I-4.1. quanto à interveniente, conteúdo de atos processuais

considerados assentes em III-1-1.1. supra), defenderam que sentença

proferida no processo nº800/16.0T8BRG se impunha nestes autos, com força de autoridade do caso julgado: a 1ª ré assinalou a autoridade em relação à matéria que apreciou a sua não responsabilidade nessa ação (e nesta fase prejudicada, uma vez que esta ré foi absolvida e não existe recurso nesta matéria); a 2ª ré e a interveniente defenderam que, caso se entendesse não existir exceção de caso julgado, havia autoridade de caso julgado pelo facto da sentença da primeira ação ter circunscrito os efeitos da nulidade da venda à condenação à restituição do valor do preço do contrato de compra e venda anulado (matéria assinalada pela interveniente) e ao indeferimento do pedido reconvencional de condenação na indemnização pelas obras realizadas pelo comprador no prédio cujo contrato foi declarado nulo, por nessa ação o Banco X não ter sido demandado e não poder ser condenado nos termos do

art.609º/1 do C. P. Civil e não se poder determinar a conculpa do comprador, nos termos do art.570º do C. Civil (matéria assinalado pelo 2º réu Banco X).

Por outro lado, a 25.11.2019 foi proferido o despacho saneador julgado provado em III-1- 1.2.3. supra, no qual o Tribunal a quo declarou apreciar o caso julgado da sentença proferida no processo nº800/16.0T8GMR, nos termos aí constantes.

Por fim, a sentença proferida e recorrida: sujeitou a julgamento e a decisão toda a matéria respeitante à realização das obras efetuadas no prédio cuja venda foi declarada nula (com indicação de factos provados de 19 a 23 e de factos não provados em 3 e 4 supra); não apreciou a autoridade de caso julgado da decisão da ação nº800/16.0T8BRG.

Apesar desta sentença recorrida não ter conhecido a autoridade do caso

julgado, importa apreciar se se impunha que a conhecesse nos termos do art.608º do C. P. Civil, em face das questões previamente conhecidas no

despacho saneador, não recorrido e transitado em julgado, em relação ao qual o recorrido e o Tribunal a quo consideraram ter conhecido a autoridade do caso julgado (apesar deste Tribunal a quo o qualificar como exceção dilatória).

2.2.2. Examinando e interpretando os atos referidos em III- 2.2.1. supra, em confronto com o regime de direito aplicável, verifica- se o seguinte.

Por um lado, as partes invocaram, efetivamente, dois efeitos distintos da sentença proferida no processo nº800/16.0T8BRG: o da exceção dilatória de caso julgado (a 2ª ré e a interveniente); e o da autoridade de caso julgado (por todas as rés e interveniente, sendo a 2ª ré e a interveniente de forma

subsidiária).

Estes dois efeitos têm sido entendidos como os decorrentes de uma sentença transitada em julgado.

De facto, a sentença que decida a relação material controvertida, que não seja passível de recurso ordinário ou de reclamação e tenha transitada em julgado (art.628º do C. P. Civil), fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º do C. P. Civil para o caso julgado e a litispendência, ressalvado recurso extraordinário de revisão dos arts.696º do C. P. Civil (art.619º do C. P. Civil) e sem prejuízo da oposição à execução baseada em sentença transitada em julgado (art.729º do C. P. Civil).

Esta imutabilidade e indiscutibilidade da decisão transitada em julgado, como

«garantia processual de fonte constitucional enquanto expressão do princípio da segurança jurídica, própria do Estado de Direito (cf. artigo 2.º da

Constituição)» (1), manifesta-se, de acordo com a construção doutrinária e jurisprudencial do caso julgado, com dois efeitos:

a) Num efeito negativo e formal, que opera como exceção dilatória de caso julgado e que evita que o Tribunal julgue a ação repetida (entre os mesmos sujeitos e sobre o mesmo objeto processual) e reproduza ou contradiga a decisão anterior, nos termos dos arts.577º/i), 578º, 580º e 581º do C. P. Civil:

«Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado)» (2).

Neste caso, a decisão anterior impede o conhecimento do objeto posterior (3).

b) Num efeito positivo e material, que opera no conhecimento de mérito da causa, através da autoridade do caso julgado, quando, apesar de existir identidade de sujeitos ou via equiparada a esta, se está perante objetos processuais distintos.

«Entre as mesmas partes mas com objetos diferenciados, entre si e ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto

pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado). (4) »

Este efeito «admite a produção de decisões de mérito sobre objetos materiais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão» (5).

Neste caso, a decisão anterior vincula a decisão de mérito do distinto objeto posterior (6). Para Rui Pinto, a autoridade do caso julgado tem:

b1) Duas exigências objetivas: uma negativa de não existir repetição de causas, por falta de algum dos requisitos do art.581º do C. P. Civil- «se uma das partes não é a mesma da primeira causa ou se a parte ativa pretende (i) obter o mesmo efeito jurídico de outros fundamentos, (ii) retirar diferente efeito jurídico dos mesmos fundamentos, ou (iii) obter diferente efeito jurídico de outros fundamentos.»; uma positiva de ocorrer «uma relação de

prejudicialidade (…) ou uma relação de concurso material entre objetos

processuais ou, pelo prisma da decisão, entre os efeitos do caso julgado prévio e os efeitos da causa posterior, seja quanto a um mesmo bem jurídico, seja quanto a bens jurídicos conexos».

b2) Uma exigência subjetiva, para que a força vinculativa do caso julgado possa ocorrer fora do seu objeto processual: a identidade dos sujeitos do ponto de vista da sua qualidade jurídica, nos termos definidos no art.581º, pois

«Seria absolutamente inconstitucional, por contrário ao artigo 20.º n.º3 da Constituição, e ilegal perante o art.3.º, que uma decisão vinculasse quem foi terceiro à causa»; ou a existência de situações em que, em alargamento da exigência subjetiva, os terceiros invoquem o caso julgado secundum eventum litis (7).

Por outro lado, analisando e interpretando o despacho saneador e os atos subsequentes, verifica-se que:

a) O Tribunal a quo conheceu no despacho saneador as duas arguições das rés e da interveniente invocadas como “Exceção” e “Autoridade do Caso Julgado”, apesar de não as ter diferenciado, de as ter tratado como única questão “Do caso Julgado” e de ter qualificado ambas as questões como exceção dilatória dos arts.576º/2, 577º/i) e 581º do C. P. Civil, conhecimento conjunto que se evidencia: pelo facto de não se ter limitado a comparar e a analisar a

existência de identidade entre sujeitos, causa de pedir e pedido nas duas

ações, o que integraria o conteúdo da análise da existência de uma repetição de causas, determinante da absolvição da instância por verificação de exceção dilatória de caso julgado, nos termos dos arts. 576º/2, 577º/i) e 581º do C. P.

Civil; por ter acabado por entender que a sentença proferida no processo nº800/16.0T8BRG não se impunha com força de caso julgado nesta ação quanto à matéria das obras realizadas pelo comprador no prédio cuja venda foi declarada nula, por considerar que, para além dos sujeitos demandados para suportar os custos das obras serem diferentes em cada uma das ações, o Tribunal do primeiro processo não tomara posição sobe a titularidade do direito ao reembolso dos custos das obras efetuadas pelo comprador e não apreciara a causa de pedir (que se presume referir-se à causa de pedir desta ação, uma vez que o pedido contra a reconvinda/autora da primeira ação foi conhecido e julgado improcedente), conclusão esta tirada mesmo com o conhecimento da apreciação lateral realizada nessa sentença quanto à

responsabilidade do vendedor Banco X e à co- responsabilidade do comprador, cujo trecho transcreveu (que o co-réu Banco X conhecia que o pavilhão não integrava o prédio e tinha causado as despesas realizadas pelo réu P. M. e que não se podia determinar a “conculpa” do comprador réu por saber na altura que realizou as obras que a área era superior ao triplo do que comprara), e no qual o 2º réu nesta ação, o Banco X, havia fundamentado a sua invocação de autoridade de caso julgado da sentença do referido processo neste processo.

b) Os atos posteriores a este despacho, no qual a matéria das obras foi sujeita a julgamento, permitem confirmar que o Tribunal a quo, nos termos referidos em a) supra, considerou que esta questão das obras não estava decidida na ação prévia, com força que se impusesse nesta ação.

c) A posição assumida pelo próprio juiz a quo no despacho de admissão deste recurso, proferida nos termos dos arts.641º/1 e 617º/1 do C. P. Civil (que, perante a arguição da nulidade da sentença por falta de conhecimento da autoridade do caso julgado, considerou que esta questão foi conhecida no despacho saneador, como exceção dilatória) confirma a interpretação referida em a) supra.

Assim, tendo Tribunal a quo apreciado no despacho saneador as questões que considerou serem suscitadas pelas partes sobre o caso julgado (ainda que não tenha relatado a arguição da 2ª ré), considerando que a sentença proferida no processo nº800/16.0T8BRG, na parte que absolveu a autora/reconvinda

Infraestruturas ... do pedido reconvencional do comprador P. M. na

condenação no pagamento das obras realizadas no prédio cuja nulidade havia sido invocada e reconhecida, não se impunha com força de caso julgado nesta ação instaurada por este P. M. contra o Banco X, por esta causa de pedir não ter sido aí apreciada, encontra-se esta questão decidida, apesar de ambas as

questões suscitadas terem sido tratadas como uma única questão e terem sido qualificadas como exceção dilatória.

Desta forma, tendo sido proferida no despacho saneador uma decisão sobre a autoridade de caso julgado da decisão anterior, condicionante da apreciação do pedido formulado na al. c) da petição inicial, ainda que da forma imperfeita na sua qualificação, a sentença proferida sobre o objeto da ação já não carecia de apreciar a arguição, nos termos do art.608º do C. P. Civil.

Pelo exposto, julga-se improcedente a arguição de nulidade da sentença, nos termos do art.615º/1-c) do C. P. Civil.