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A ausência de imunidade de certos agentes públicos

4.4 AS APARENTES CONTRADIÇÕES ENTRE O TRIBUNAL PENAL

4.4.3 A ausência de imunidade de certos agentes públicos

O terceiro conflito aparente entre as regras brasileiras e as normas atinentes à jurisdição do Tribunal Penal Internacional diz respeito à ausência de imunidade de certos agentes públicos.

Este dispositivo está contido no artigo 27 do Estatuto de Roma, que dispõe sobre a irrelevância de função oficial, a seguir transcrito:

Artigo 27

1. O presente Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per se motivo de redução da pena.

2. As imunidades ou normas de procedimento especiais decorrentes da qualidade oficial de uma pessoa; nos termos do direito interno ou do direito internacional, não deverão obstar a que o Tribunal exerça a sua jurisdição sobre essa pessoa.46

Entretanto, a Constituição Federal garante direitos e privilégios para as pessoas que exercem cargos ou funções estatais, como é o caso das imunidades, que existem para proteger aqueles que ocupam cargos ou funções públicas.

Essas imunidades estão previstas no artigo 102, inciso I, alíneas “b” e “c”, e no artigo 105, inciso I, alínea “a”, ambos da Constituição Federal, que dispõe respectivamente:

Art. 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originalmente:

b) Nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice – Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador – Geral da República;

c) Nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 25, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente; Art. 105 Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I – processar e julgar, originariamente:

a) Nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal [...].47

Como visto, o Estatuto de Roma estabelece a irrelevância da qualidade oficial de certos agentes públicos, ao contrário do que dispõe a Constituição Federal, que permite aos ocupantes de cargos ou funções públicas direito à imunidade. Porém, essa imunidade admitida pelo Direito Brasileiro não é válida para o Tribunal Penal Internacional.

46 Artigo 27 do Estatuto de Roma em anexo. 47

Mazzuoli mostra a importância da irrelevância de função oficial prevista no Estatuto de Roma, quando diz:

Os crimes de competência do TPI – crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão -, por sua vez, são quase sempre perpetrados por indivíduos que se escondem atrás dos privilégios e imunidades que lhes conferem os seus ordenamentos jurídicos internos.48

Medeiros apresenta uma solução ao possível conflito entre as normas da Constituição Federal e as normas do Estatuto de Roma:

a constitucionalidade do Estatuto, nesse caso, poderia estar embasada na ideia de que a Lei Suprema brasileira, ao fixar foro interno privilegiado para pessoas que desempenham certas funções oficiais, só pode ter em mente os crimes reprimidos pelo direito internacional. Crimes de guerra, contra a humanidade, genocídio, agressão – delitos da mais ampla gravidade e que afetam o conjunto da comunidade internacional – constituem atentados quase sempre cometidos à sombra de autoridades que segundo o ordenamento jurídico interno de seus Países desfrutam de prerrogativa de foro ou de imunidades. Ademias a Constituição Federal não repele a aceitação pelo Brasil da jurisdição de tribunais internacionais. Ao contrário, o artigo 7o do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabelece que o país propugnará pela criação de um tribunal internacional de direitos humanos, sem estabelecer qualquer exceção para que cidadãos brasileiros investidos ou não em cargos públicos possam ser levados à barra de uma corte dessa natureza.49

Com base nos argumentos mencionados acima, conclui-se que não há inconstitucionalidade no artigo 27 do Estatuto de Roma, tendo em vista que a previsão de imunidades e privilégios de funções contidas na Constituição Federal não diverge com a norma do Estatuto que dispõe sobre a ausência de imunidades, pois a Constituição está voltada para o âmbito interno, exercendo suas normas no Direito Nacional, enquanto que o Tribunal Penal Internacional está voltado para o âmbito internacional, exercendo sua jurisdição aos crimes considerados internacionais elencados no Estatuto de Roma em seu artigo 5o, § 1o.50

Importante enfatizar que o Brasil, ao introduzir a jurisdição do Tribunal Penal Internacional no seu ordenamento interno, aceitou cooperar para a eficácia da funcionalidade do Tribunal, e isso inclui a cooperação para a proteção dos direitos humanos, que são os

48 MAZZUOLI, 2011, p. 93.

49 MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. Parecer n. 002, de 26 de janeiro de 2001. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br>. Acesso em: 4 jun. 2011.

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Artigo 5o do Estatuto de Roma. Crimes da Competência do Tribunal

1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:

a) O crime de genocídio; b) Crimes contra a humanidade; c) Crimes de guerra;

fundamentos tanto da Constituição Federal como do Estatuto de Roma, permitindo que nacionais ocupantes de cargos públicos sejam levados ao Tribunal Penal Internacional para serem julgados pelo cometimento de crimes da competência desta Corte.

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