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3.1. A autoridade da instrução

3.1.3. A autoridade das câmeras

No dia 1 de novembro de 2013, A Folha de Londrina, principal jornal da cidade, trouxe em destaque: “Alunos e professores vigiados – Enquanto pais e mestres defendem a instalação de câmeras para ampliar a segurança, críticos alegam que a medida representa invasão de privacidade”. Partindo do pressuposto de que controlamos os imaturos indiretamente através do ambiente, como educar significativamente? Em outras palavras, como direcionar os jovens para a autonomia de um pensar reflexivo, em um meio que se assemelha - como compara Foucault - a uma prisão e a um hospício?

Quando se refere à importância do ambiente, porque é nele e com ele que estamos interconectados, Dewey está se referindo à sua totalidade. No caso das escolas, nossa sensibilidade capta o ambiente inóspito de seu conjunto, isto é, de sua arquitetura a seu mobiliário. Em sua maioria, as escolas são construídas com grandes corredores e nestes localizam-se as celas, digo, salas de aula. A sirene ou o toque de recolher não difere, na maioria das vezes, da sirene da polícia, da ambulância ou do bombeiro. Felizmente, algumas escolas substituíram a sirene por música, outras restringiram seu uso. Voltando a Foucault, o filósofo associa o horário do intervalo, que traz tanto gosto aos estudantes, ao banho de sol dos presidiários. É interessante observar que frequentemente os estudantes pedem que os

“soltem mais cedo”, e a resposta, às vezes, vem em tom de brincadeira: “Sou apenas a carcereira, não o diretor do presídio”. As grades de contensão complementam o quadro sombrio.

A lotação das salas não se diferencia muito da dos presídios. Já fomos comunicados que para 2014 as salas estão lotadas. Em 2013, em uma das escolas, tivemos quarenta estudantes nos primeiros anos do ensino médio, no período matutino, o que significa uma lotação na qual mal cabe o professor. Salas abafadas no verão. Só há pouco tempo, em uma das escolas, foram trocadas as cortinas, para impedir a entrada do sol. O índice de depredação de cortinas, carteiras e banheiros é grande. Enfileiram-se e mapeiam-se os estudantes na tentativa de combater a indisciplina, devendo eles permanecer o período das aulas em suas duras e desconfortáveis carteiras. Muitos jovens são altos e é visível a dificuldade de se adaptarem a essas carteiras. Gostam de sentar nas carteiras e não nas cadeiras, o que evidentemente é proibido. No período matutino os alunos devem permanecer nas salas das sete horas e trinta minutos às dez horas, quando saem para o intervalo. Voltam às dez horas e quinze minutos e permanecem até às onze horas e cinquenta e cinco minutos. Não devem sair no intervalo da troca de professores, e as saídas, mesmo para ir ao banheiro, em uma das escolas, são controladas por cartões com o nome do professor que deu a autorização. As câmeras estão continuamente atentas a todo movimento, nas tentativas, em algumas escolas, de controlar até o professor, e são colocadas de modo que deixam pontos cegos em parte do espaço determinado aos estudantes.

A reportagem acima citada comenta a agressão sofrida, em sala de aula, por duas professoras, em um prazo de 30 dias, e a permissão dada por algumas prefeituras e governos para a colocação dos olhos mecânicos em todas as escolas. No final do mês de setembro, a diretora da escola municipal, Irene Aparecida da Silva, na zona sul, foi atacada a chutes e socos por um aluno de 13 anos que já possuía um histórico de mau comportamento. No segundo caso, ocorrido na semana anterior, uma professora da Escola Mari Carreira Bueno, da zona oeste, foi empurrada por um aluno de apenas 10 anos. Ambas registraram boletim de ocorrência, a primeira chegou a usar imagens captadas pelo sistema de vigilância para comprovar a violência. O Conselho Tutelar acompanha os casos e o Núcleo Regional de Educação afirmou oferecer acompanhamento psicológico às professoras. Um dos alunos ainda estaria afastado das atividades, aguardando decisão sobre retorno ou não às aulas na mesma escola. Recentemente, mostra a reportagem, a “Secretaria Municipal de São José dos Campos [...] aprovou um projeto que prevê a instalação de 894 câmeras em 149 unidades da rede

municipal de ensino. A ideia é que cada escola receba um kit com seis câmeras: cinco dentro da instituição e uma na frente”.

Outro fato, alvo dos noticiários, foi o referente ao diretor da escola que chegou a participar de uma sessão da Câmara de vereadores de Londrina, em que se tratava da colocação de câmeras no saguão dos banheiros de uma escola. Pouco mais de um ano depois da polêmica, a direção afirma que a decisão de manter os equipamentos foi acertada. De acordo com o diretor da instituição, depois da instalação, o número de roubos dentro das salas de aula, de violência, de uso de drogas, de pichação de carteiras e paredes caiu drasticamente. "No primeiro momento eles acharam que iríamos invadir a privacidade. Mas as imagens só são utilizadas para averiguarmos uma determinada situação", comenta. Dias após a instalação, uma aluna foi flagrada levando droga para dentro da escola. Certos de que foi o melhor a fazer, o número de câmeras passou de 28 para 42 nesse período. O investimento foi de R$ 7 mil. "Parece que estamos em outra escola de tão tranquilo. Hoje, alunos e professores estão totalmente acostumados mas, principalmente, conscientes de que se fizerem algo errado serão responsabilizados", garante o diretor. A questão que nos vem à mente: Foi o mal cortado pela raiz? A resposta: Tais ações são paliativas e tentam encobrir os verdadeiros problemas. Sobre este tipo de ação “controladora” alerta Dewey: “É mesmo verossímil que acreditemos ter influência reguladora ou controladora a ação de uma força superior, esquecidos de que, embora possamos levar um cavalo até a água, não poderemos obrigá-lo a beber” (DEWEY, 1979b, p.28-29). Prossegue o filósofo, “[...] e que poderemos trancar um homem em uma penitenciária, mas não torná-lo arrependido. Nesses casos de ação direta sobre os outros, precisamos distinguir os resultados físicos dos resultados espirituais”(DEWEY, 1979b, p.29). Com isso o filósofo enfatiza, mais uma vez, que os adultos influem continuamente sobre os imaturos, mas só se tornam conscientes disso quando os mais jovens contrariam sua vontade. O ímpeto então é de se fazerem obedecer à força. O resultado é o aumento da desobediência e o cultivo de um caráter social dissimulador, ou seja, quando muito, agimos bem apenas, em presença da autoridade externa. Quando não há fiscalização, dirigimos excedendo a velocidade; da mesma forma, furamos o sinal vermelho, colamos nas provas, sonegamos impostos, etc. Portanto:

Quando confundimos resultado físico com resultado educativo, perdemos sempre as probabilidades de fazer a própria pessoa contribuir, com sua participação, para o efeito visado e de, por esse meio, desenvolver-lhe no espírito uma direção intrínseca e perseverante no sentido conveniente (DEWEY, 1979b, p.29).

A questão sobre as câmeras continua na mídia. No mesmo dia, a Folha de Londrina (1/11/2013) publica outro artigo, sobre a instalação de câmeras nas escolas, com o seguinte destaque: Limite da vigilância ainda é motivo de polêmica. Nesse espaço, o presidente do Conselho Estadual de Educação do Paraná, Oscar Alves, se posiciona da seguinte forma: "É uma realidade sem volta. Percebemos que cada vez mais as escolas têm instalado o equipamento, sobretudo em locais de circulação, a fim de evitar bullying e outros tipos de violência. Mas qual o limite dessa vigilância?”. Propõe ainda o presidente, “Precisamos discutir o que interfere na privacidade e gera constrangimento e o que traz segurança. É uma linha muito tênue que divide as situações”.

Oscar Alves posiciona-se, particularmente, apenas pela instalação de câmeras em áreas externas; para isso, apoia-se em um dos “[...] únicos estudos realizados no país, que foi publicado pela Controladoria Geral da União (CGU) do Rio Grande do Sul”. O Conselho Estadual de Educação gaúcho, embasado nesses estudos, elabora um documento, no qual afirma "[...] o uso de câmeras pode ser nocivo por interferir na autonomia da ação do professor, bem como na relação que deve ser construída entre os sujeitos, de forma pedagógica, garantindo o bom desenvolvimento das atividades”. Esta colocação do conselho vem ao encontro da teoria educacional deweyana que compreende a escola como um espaço que deve ser intencionalmente organizado e cuidado para oferecer as condições propícias às suas três principais funções que são; “Simplificar e coordenar os fatores da mentalidade que se pretenda desenvolver; purificar e idealizar os costumes sociais existentes; criar um meio mais vasto e melhor equilibrado do que aquele pelo qual os imaturos, abandonados a si mesmos, seriam provavelmente influenciados” (DEWEY, 1979b, p.24). O documento do Conselho Estadual de Educação é concluído, com a determinação: "Os alunos, sujeitos de direitos e responsabilidades individuais e coletivas, devem respeitar as normas, não porque estão sendo filmados, mas porque faz parte do crescimento pessoal a construção de valores que pautam o convívio social”.

Mas, se da pura autoridade externa podemos em alguns momentos, nos “libertar”, porque não controlar os desejos humanos com uma autoridade onipotente, onisciente e onipresente?

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