Os avaliadores justificam a exclusão da obra pela presença de suposta “confusão con
ceitual” caracterizada pela afirmação “’E que os cheiros também ajudam a dar a noção
de sabor”. Mais uma vez é necessário esclarecer que o trecho destacado pelos avaliadores
do PNLD 2010 é o mesmo desde a primeira edição da obra e foi avaliado pelas equipes de avaliação dos PNLD 2007, 2004 e 2001 que, acertadamente, não identificaram qual- quer erro, confusão ou inadequação conceitual. A verdade é que a Coleção Caminhos da Ciência dá aos sentidos do olfato e do paladar uma abordagem conceitualmente igual à abordagem dos principais tratados de Neurologia, Fisiologia, Anatomia e Histologia uti- lizados nos cursos de Biologia e Medicina das mais importantes universidades brasileiras, americanas e europeias.
Olfato e paladar são ambos sentidos químicos, mas eles são abordados separadamente nos livros da Coleção, assim como em todos os tratados e livros -texto de neurologia, fisio- logia, histologia e anatomia. Por exemplo:
CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.
BERNE, R. M. et al. Physiology. 5. ed. St. Louis, EUA: Mosby, 2004.
GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Textbook of medical physiology. 11. ed. Filadélfia-
-EUA: Elsevier -Saunders, 2006.
PURVES, D. et al. Neuroscience. 3. ed. Sunderland -EUA: Sinauer Associates Publi-
shers, 2004.
ROPPER, A. H.; BROWN, R. H. Adams and Victor’s – Principles of neurology.
8. ed. Nova York -EUA: McGraw -Hill, 2005.
BRODAL, P. The central nervous system – structure and function. 3. ed. Oxford-
-EUA: Sinauer Associates Publishers, 2004.
JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia Básica. 10. ed. Rio de Janeiro: Gua-
Tal separação não se faz por acaso ou tradição. A Coleção Caminhos da Ciência define paladar e olfato como nos livros citados anteriormente e bem resumido por SCHMIDT- -NIELSEN (1997):
To a human the sense of taste refers to materials in contact with the mouth; smell refers to gaseous substances that reach the nose via the air.9
[Para um humano o sentido do paladar refere -se a materiais em contato com a boca; cheiro refere-se a substâncias gasosas que atingem o nariz pelo ar.]
Como destaca LINDEMANN (2001), em artigo de revisão sobre o paladar publicado na Revista Nature, a publicação científica mais conceituada no mundo:
Taste is the sensory system devoted primarily to a quality check of food to be ingested. Although aided by smell and visual inspection, the final recognition and selection relies o chemoreceptive events in the mouth.10
[O paladar é o sistema sensorial dedicado primariamente a uma verificação da quali- dade do alimento a ser ingerido. Embora ajudado pelo cheiro e inspeção visual, o re- conhecimento final e a seleção dependem dos eventos quimiorreceptivos na boca.] Os trechos citados confirmam o cuidado com o rigor científico presentes nos livros da Coleção Caminhos. Na experiência proposta na página 40 do livro do 2º ano, o aluno é convidado a identificar quatro gostos básicos (doce, salgado, azedo e amargo). Logo em seguida, em uma caixa de texto, o livro:
resgata um conhecimento prévio do aluno sobre o paladar (que é mais difícil sentir o
gosto dos alimentos com o nariz entupido) e informa que os cheiros também ajudam a dar a noção de sabor;
informa a descoberta do gosto básico denominado “umami”; e
informa que outros fatores, tais como a textura e a temperatura do alimento também influenciam a maneira como se percebe o sabor dos alimentos.
Estes cuidados atendem plenamente às advertências de SCHMIDT -NIELSEN (1997) sobre a questão:
There are more taste qualities than the simple sweet, sour, salty and bitter that have been popularized as the only taste qualities perceived by the mouth. Furthermore, the texture of the food is an important quality of “taste”; if familiar foods have been homogenized, they often are very difficult to recognize.11
[Existem mais qualidades de gostos do que o simples doce, azedo, salgado e amargo que têm sido popularizadas como as únicas qualidades de sabor percebidas pela boca [o gosto umami não havia ainda sido descoberto]. Além disso, a textura do
9 SCHMIDT -NIELSEN, K. Animal Physiology. 5. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 536. [tradução nossa].
10 LINDEMANN, B. Receptors and transduction in taste. Nature, v. 413, pp. 219 -225, 13 set. 2001. [tradução nossa].
11 SCHMIDT -NIELSEN, K. Animal Physiology. 5. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 536. – nota. [tradução nossa].
alimento é uma importante qualidade do “gosto”; se alimentos familiares são homo- geneizados, eles frequentemente são difíceis de ser reconhecidos.]
O cuidado dos autores foi mais além, nas páginas 33 e 34 do Manual do Professor do livro do 2º ano são fornecidas diversas sugestões de encaminhamentos e uma grande quantidade de informações adicionais para que o professor possa encaminhar de maneira adequada a matéria. Sobre a questão específica, lê -se:
Informações complementares para o professor:
2. O paladar é um sentido bastante complexo. Além de ser uma combinação dos sabores básicos, vários outros fatores contribuem para a nossa percepção do gosto: a temperatura, a textura, a consistência e o cheiro. A participação do cheiro é muito importante, por isso é difícil sentir sabor quando as vias respiratórias estão congestionadas.
O texto de SCHMIDT -NIELSEN, o Manual do Professor e o artigo de LINDMANN na Revista Nature refutam de maneira inequívoca a acusação de que a Coleção Caminhos
da Ciência “tenta isolar sabor do olfato” e que incorre em “confusão conceitual”.
Em resposta aos nossos protestos, os avaliadores do PNLD 2010 desconsideraram a avassaladora lista de referências que dão sustentação ao texto da Coleção Caminhos e ates- tam a correção conceitual da terminologia utilizada procurando refúgio na Norma Técnica NBR 12.806/1993, da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Segundo os avaliadores do PNLD 2010, o erro (confusão) conceitual está no uso da palavra “sabor” como sinônimo da palavra “gosto”, uma vez que a NBR 12.806/1993 estabelece que os termos devem ser usados com significados diferentes.
A exigência do uso das definições estabelecidas pela NBR 12.806/1993 em livros di- dáticos não tem sustentação legal e é inadequada. Carece de sustentação legal porque não é uma exigência do Edital do PNLD 2010. Inadequada porque a NBR 12.806/1993 (sic) “define os termos empregados em estudos que envolvem análise sensorial dos alimentos e bebidas”12. Ela é destinada à adequação da indústria e comércio brasileiros de alimentos
e bebidas aos padrões internacionais (ISO). Ela não foi elaborada para disciplinar termos científicos e, muito menos, para orientar o estudo dos sentidos nos anos iniciais do Ensino Fundamental. A ABNT e a ISO não têm autoridade, competência ou vocação para isso. Na verdade, esta exigência, além de não ter sustentação legal, científica e pedagógica cons- titui um flagrante exemplo de imperícia dos avaliadores do PNLD 2010.
Segundo a Norma NBR 12.806/1993, o termo “gosto” deve ser usado apenas para os gostos primários (doce, salgado azedo, amargo e umami). Ela veda seu uso para designar (sic) “a combinação de sensações gustativas, olfativas e táteis que devem ser designadas pelo
termo ‘sabor’”13. A maioria dos livros acadêmicos brasileiros simplesmente desconsidera a
Norma da ABNT. Segundo: SILVEIRA (2009):
Graças à informação transmitida das células gustativas para o cérebro, são atribuídos sabores às diferentes substâncias químicas presentes nos alimentos.
Os seres humanos e outros mamíferos podem detectar e discriminar pelo menos cinco classe de sabores, aos quais estão associadas a substâncias pertencentes a grupos químicos distintos: doce (açúcares), amargo (alcalóides e outras substâncias), umami ou delicioso (aminoácidos), salgado (sais) e azedo (ácidos).14
METZGER (2009):
A transdução gustativa é o processo pelo qual uma substância química (um sabor) causa uma resposta elétrica em uma célula receptora gustativa. Com os avanços da biologia mo- lecular, hoje sabemos que existem vários mecanismos diferentes para a transdução das cin- co submodalidades (sabores) gustativas básicas: doce, amargo, ‘umami’, ácido e salgado.15
JUNQUEIRA e CARNEIRO (2004):
Existem pelo menos quatro qualidades na recepção humana de sabor: salgado, azedo, doce e amargo.
Substâncias dissolvidas na saliva contactam as células gustativas através do poro, intera- gindo com receptores gustativos (sabores doce e amargo) ou canais iônicos (sabores salgado e azedo) na superfície das células.16
O mesmo acontece no resto do mundo, a regulamentação da ISO (no qual se funda- menta a Norma da ABNT) é simplesmente desconsiderada nas pesquisas científicas e no meio educacional. Por exemplo, nos textos de LINDMANN e SCHMIDT -NIELSEN, reproduzidos anteriormente, o termo “gosto” (taste) é usado tanto para descrever os gostos primários como também o gosto dos alimentos, resultado da integração de informações gustatórias, olfatórias, visuais, de temperatura, de textura etc. no cérebro. Ou seja, usam o termo “gosto” no sentido que as normas da ABNT e da ISO definem como “sabor”. O caso inverso, no qual o termo “sabor” é usado para descrever um gosto primário também é frequente. Ambos os casos podem ser verificados em tratados consagrados mundialmen- te, como, por exemplo: ROPPER e BROWN (2005, p. 199 e 201), GUYTON e HALL (2006, p. 666), BRODAL (2004, pp. 238 -239) e PURVES et al. (2004, p. 359 e 366).
13 Ibidem, p. 3. 14 SILVEIRA, L. C. L. Bases da fisiologia sensorial. In: CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, p. 189. 15 METZGER, M. A. Gustação. In: CURI, R.; ARAUJO FILHO, J. P. (Org). Fisiologia Básica. 1. ed. Rio de Janeiro: Gua- nabara Koogan, 2009, p. 274. 16 JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia Básica. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004, p. 286 -287. Este tratado, utilizado por muitas das principais faculdades de Medicina brasileiras, foi traduzido para o inglês e é comercializado nos EUA onde obteve enorme sucesso de adoção e vendas e ocupou inclusive o topo do ranking da Amazon Books americana. Em janeiro de 2010, ocupava a segunda posição.
A terminologia preconizada pela ISO e pela Norma NBR 12.806/1993 é adotada pre- dominantemente por pesquisadores ligados à indústria de bebidas e alimentos em geral. Esta opção, embora não seja incorreta, é minoritária na comunidade científica e não in- valida a terminologia utilizada nos livros da Coleção Caminhos da Ciência e adotada pela maioria dos livros -texto e tratados de fisiologia, anatomia, histologia e neurologia.
É necessário enfatizar que, assim como a Norma NBR 12.806/1993 não disciplina a ter- minologia científica, ela também não se destina a orientar a terminologia de textos didáticos, em particular os textos destinados ao Ensino Fundamental! Uma prova disso é que a Norma 12.806 foi estabelecida em 1993, mas não foi mencionada nos Parâmetros Curriculares Na- cionais e nem foi exigida em qualquer uma das avaliações anteriores do PNLD. O Edital do PNLD 2010 também não faz qualquer referência à Norma NBR 12.806/1993!
Outra sólida prova da inadequação da Norma NBR 12.806/1993 para textos desti- nados aos alunos do Ensino Fundamental é fornecida por inúmeros artigos da Revista Ciência Hoje das Crianças nos quais os termos “sabor” e “gosto” são usados exatamente como nos livros da Coleção Caminhos da Ciência e, portanto, em desacordo com a Nor- ma NBR 12.806/1993. É importante ressaltar que a Revista Ciência Hoje das Crianças é uma publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) destinada aos alunos do Ensino Fundamental. A qualidade e a adequação dos artigos da Revista Ciência Hoje das Crianças é atestada pela SBPC, pelo currículo dos seus autores (professores uni- versitários) e pelo próprio responsável pela Comissão Técnica do PNLD 2010, Professor Doutor Antonio Carlos Pavão, que recomendou a Revista Ciência Hoje das Crianças como fonte de informação de qualidade para os professores do Ensino Fundamental17. Apenas
a título de ilustração, listam -se a seguir alguns artigos publicado na Revista Ciência Hoje das Crianças nos quais os termos sabor e gosto são utilizados do mesmo modo do que nos livros da Coleção Caminhos da Ciência.
MALNIC, B. O sentido do seu nariz. Revista Ciência Hoje das Crianças. Rio de
Janeiro, n. 155, p. 19 -21, mar. 2005. A Professora Malnic é do Departamento de Bioquí- mica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo.
HERCULANO -HOUZEL, S. Por que sentimos água na boca? Revista Ciência Hoje
das Crianças. Rio de Janeiro, n. 152, p. 28, nov. 2004. A Professora Herculano -Houzel é do Departamento de Anatomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
HERCULANO -HOUZEL, S. Por que sentimos nojo? Revista Ciência Hoje das Crianças. Rio de Janeiro, n. 148, p. 28, jul. 2004.
MARQUES, C. A. Curiosidade sobre os temperos. Revista Ciência Hoje das Crian- ças. Rio de Janeiro, n. 134, p. 18 -21, abr. 2003. O Professor Marques é do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
17 A recomendação da Revista Ciência Hoje das Crianças foi feita pelo Professor Pavão no “Programa Salto para o Futuro”, da TVEscola. Disponível em: <http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2006/ldq/tetxt1.htm> (acesso: jun/2009).
SILVA, J. T. A troca de sentidos. Revista Ciência Hoje das Crianças. Rio de Janeiro, n. 130, p. 20 -21, nov. 2002. O Professor Silva é do Departamento de Bioquímica da Uni- versidade Federal do Rio de Janeiro.
ARBILLA, G. Um vulcão de ácido e base. Revista Ciência Hoje das Crianças. Rio de
Janeiro, n. 99, p. 22 -23, jan./fev. 2000. A Professora Arbilla é do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
As evidências que apresentamos são avassaladoras. Os avaliadores do PNLD 2010 erra- ram. O nosso livro não comete qualquer erro ou confusão conceitual ao trabalhar os sentidos do paladar e do olfato. Muito pelo contrário, a matéria é tratada, tanto no Livro do Aluno como no Manual do Professor, com correção, propriedade e atualização. Não foi por acaso que os avaliadores dos PNLD 2001, 2004 e 2007 não fizeram qualquer objeção ao texto.
Na realidade, os avaliadores do PNLD 2010 cometeram erros gravíssimos nesta ques- tão. O primeiro é que reprovaram como conceitualmente errado um texto conceitualmente correto, o que demonstra sua imperícia e caracteriza o que denominamos ERRO TIPO 2. Diante das irrefutáveis evidências que apresentamos, os avaliadores do PNLD 2010 procu- raram guarida na Norma NBR 12.806/1993. Esse ardil não esconde seu erro e, na nossa opinião, equivale a uma confissão de que eles exorbitaram suas atribuições ao assumirem que avaliaram nossa obra com base em critérios estranhos aos estabelecidos pelo Edital do PNLD 2010 (ERRO TIPO 5). Por último, há que se considerar que os avaliadores do PNLD 2010 também não explicaram nem fundamentaram sua divergência com as três equipes de avalia- ção anteriores (ERRO TIPO 4). Toda essa série de equívocos nos faz duvidar que a Coleção Caminhos da Ciência tenha sido objeto de uma avaliação competente e isenta.