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2. A DESIGUALDADE NO BRASIL

2.4 A DESIGUALDADE SOB OUTRAS ABORDAGENS

É preciso destacar que o problema da desigualdade gera, ou melhor, envolve hoje duas formas de malefício social, os explorados e os excluídos. Os primeiros são personagens constantes da história mundial, conforme a ótica marxista. Papel necessário e inerente à relação de dominação, atribuído ao trabalhador. Os segundos são relativamente novos, são aqueles que nem sequer participam da convencional relação de dominação e estão à margem da sociedade, segregados e freqüentemente confundidos com os marginalizados. Portanto, quando se fala em desigualdade social acaba-se por atingir essas duas formas, mais imediatamente o explorado e, mais gravemente, o excluído. É preciso lembrar, também, que a se manter o processo de intensificação da desigualdade, por conseqüência, o explorado de hoje será o excluído de amanhã. Sobre o excluído não há como dizer o que será dele.

Boaventura de Sousa Santos esclarece a distinção entre exclusão e desigualdade:

A desigualdade implica um sistema hierárquico de integração social. Quem está em baixo está dentro e a sua presença é indispensável. Ao contrário, a exclusão assenta num sistema de igualdade hierárquico mas dominado pelo princípio da segregação: pertence-se pela forma como se é excluído. Quem está em baixo está fora. Estes dois sistemas de hierarquização social, assim formulados, são tipos ideais, pois que, na prática, os grupos sociais inserem-se simultaneamente nos dois sistemas, em combinações complexas.

[...]

Se a desigualdade é um fenómeno sócio-económico, a exclusão é sobretudo um fenómeno cultural e social, um fenómeno de civilização.168

O próprio autor esclarece169 que a acepção de exclusão por ele utilizada é diferente

daquela usada nas ciências sociais e políticas sociais nos países centrais, onde estaria inserida no sistema da desigualdade, como se tratasse simplesmente do grau de intensidade de exclusão. Contudo,

168 SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo – para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006, p. 280-281.

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O grau extremo de exclusão é o extermínio: o extermínio dos índios na Conquista, dos congoleses no “estado Livre do Congo” de Leopoldo na Bélgica, dos arménios no final do império otomano, dos judeus e dos ciganos no nazismo, bem como as limpezas étnicas dos nossos dias nos Balcãs, Ruanda ou Darfur. O grau extremo da desigualdade é a escravatura.170

Como já visto nos capítulos precedentes, o Brasil tem um contundente histórico de concentração de riqueza. Outro fato que pode ser apontado como manifestação de resistência às necessárias mudanças, refere-se à posse da terra no país, cujas informações demonstram a manutenção de uma estrutura agrária altamente concentrada, caracterizando o Brasil como referência de um país capitalista que não realizou uma reforma agrária. A título de amostra, há o fato de que “a área ocupada pelas propriedades com mais de mil hectares caiu de forma praticamente irrelevante ao longo do século XX”. Em paralelo é destacada que a mediação entre ricos e pobres se dá através do uso da força. “Quando muito, experimentam-se espasmos de natureza acomodativa, acionados mais pela mobilidade social do que pela vigência da democracia nas relações sociais” 171.

Sob o apelo de uma possível mobilidade social ascendente, parcelas expressivas do conjunto dos excluídos aposta na condescendência dos ricos, por acreditar ser impossível obter o reconhecimento social e abandonar a pobreza exclusivamente em virtude do esforço e do mérito individual, até porque as oportunidades de ascensão social são rigorosamente limitadas.

Ora, o país assistiu à violência do processo migratório campo-cidade e à barbárie da não repartição eqüitativa dos ganhos de produtividade entre a população, sem a realização das reformas civilizatórias do capitalismo (fundiária, tributária e social), contando ainda com a permanente repressão dos movimentos comprometidos com a afirmação dos direitos democráticos e universais e com a potencialização da distribuição de renda como veículo de expansão do mercado interno.172

Fica patente a despreocupação que a camada rica da população tem em relação à grande massa pobre (com exceção do medo da violência), bem como a deliberada atuação para obstaculizar qualquer reforma.

Ao longo da história brasileira houve vários momentos para seguir um caminho menos desigual, como no caso do desenvolvimento do mercado interno, que foi

170 SANTOS, B. S. A gramática do tempo, p. 282. 171 POCHMANN, M. Atlas: os ricos no Brasil, p. 30. 172 Ibid., p. 30-31.

posto de lado por escolha da elite dominante. Outro exemplo173, mesmo com todas as ressalvas da especificidade histórica, pode-se citar o caso da economia argentina, que em pouco tempo saiu de uma crise gigantesca, focando-se principalmente em seu mercado interno, ao mesmo tempo em que rejeitou a pressão estrangeira, negociando sua dívida de forma favorável ao seu interesse.

É importante lembrar que na passividade diante de tanta desigualdade, estão presentes vários fatores: a formação cultural, a utilização da mídia, usualmente comprometida com as elites que a controla, a desestruturação do sistema educacional – é um dos pontos fundamentais – e mesmo o esvaziamento ou abafamento das tensões sociais, através do engodo capitalista da possibilidade de ascensão econômica de qualquer indivíduo, propiciado, como introduzimos, pelo viés da igualdade formal, da igualdade de oportunidades.

Talvez a explicação para uma dominação tão aguda e prolongada, esteja na combinação dos fatores acima mencionados. Por ora, a conclusão direciona para a inexistência de uma resposta única que seja razoável, mas para a combinação de diversos motivos, que demandam uma solução conjunta, a começar pelas reformas civilizatórias.“Torna-se interessante considerar as condições concretas de vigência de uma sociabilidade precária, tentando desvendar o que permitiu uma convivência possível entre segmentos sociais tão desiguais”174. A partir desta última observação, apontamos outras possíveis causas dessa persistente desigualdade social.

Se o histórico de concentração de renda pode ser visto como a principal causa da desigualdade e, como foi mencionado, isto não é suficiente para explicá-la, é importante levantar outros fatores, que também se vinculam à história, mas indicam não se tratar de uma simples evolução histórica. Tem-se, na verdade, diversos outros fatores relacionados ao tema, como causa ou como conseqüência da organização social. Contudo, como este trabalho não pretende esgotar todos os assuntos relativos à desigualdade e, tão somente, analisar a repercussão de uma

173 MOURA, Giedre. A grama do vizinho. Revista Desafios do Desenvolvimento. Brasília, Ano 4, n. 32: p. 24-29, mar. 2007. p. 24-29.

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política pública social sobre o tema, apenas serão apresentados alguns exemplos de como esses outros fatores implicam no agravamento do problema pesquisado.

A questão racial é um desses exemplos que se relaciona à discussão sobre desigualdade, a considerar que a maior parte dos beneficiários do Programa Bolsa Família são negros e pardos, sendo que a população brasileira é constituída, por mais da metade, de brancos. Sob a abordagem sociológica da discussão das ações afirmativas, Andreas Hofbauer175 cita um estudo da antropóloga R. Benedict: “O problema começa, na visão desta antropóloga, quando as diferenças biológicas inegáveis são usadas como argumento para discriminar grupos humanos”. Aquilo que é natural, a diferença racial por exemplo, torna -se um problema quando se utiliza desta diferença para estabelecer critérios de superior e inferior, o que deixa completamente de ser natural. Pode-se observar, como ratificam Montagu e Benedict, que o racismo passa a ser tratado como uma ideologia. Montagu “argumentava que são contextos sociais específicos que dividem, segregam as pessoas em classe e castas e é exatamente nestas situações que a ‘raça’ ganha força para explicar e justificar diferenças”176.

No estudo de Hofbauer é também levantada a hipótese de que falar em raça já é um racismo. Por pertinente que seja tal teoria, e mesmo reconhecendo que a discussão racial possui uma complexidade que ultrapassa o enfoque deste trabalho, entende-se que houve, de fato, séculos de exploração baseada na raça, e essa dominação teve base econômica, configurando mais um instrumento de exploração econômica, para tornar desigual um homem de outro, criando uma desigualdade material.

Destaca-se a advertência para o cuidado que se deve ter ao relacionar a questão racial com a desigualdade, “ou seja, na medida em que as análises tendem a abordar a construção da(s) diferença(s) separadamente da construção da desigualdade, elas correm o perigo de se transformar em discursos justificatórios

175 HOFBAUER, Andreas. Ações afirmativas e o debate sobre racismo no Brasil. Revista Lua Nova, n. 68: p. 9-56, 2006. p. 11.

dos mitos sociais.”177 Como tem sido mostrado com números e fatos, nem a questão racial, nem a desigualdade social têm qualquer caráter de mito, constatação exposta também no estudo de Hofbauer:

Hasenbalg resume sua tese em dois pontos: “a) a discriminação e preconceitos raciais não são mantidos intactos após a abolição mas, pelo contrário, adquirem novos significados e funções dentro das novas estruturas; e b) as práticas racistas do grupo dominante branco que perpetuam a subordinação dos negros não são meros arcaísmos do passado, mas estão funcionalmente relacionados aos benefícios materiais e simbólicos que o grupo branco obtém da desqualificação competitiva dos não brancos (:85)”178.

Outro exemplo relacionado ao problema da desigualdade, diz respeito à formação cultural brasileira. Tendo como referência a obra Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Candido, na apresentação dessa obra, sintetiza a importância da percepção lá alcançada sobre a formação cultural brasileira, trazendo à tona importantes questões, como o patrimonialismo e a dificuldade em se desvencilhar da influência familiar, o prestígio do status individual em detrimento do benefício social, características que deram a alcunha de homem cordial ao tipo brasileiro, gerado pelo processo de colonização portuguesa, cuja influência se perpetua na resistência ao coletivo, ao impessoal, ao geral e ao igual:

O capítulo sobre “o homem cordial” aborda características que nos são próprias, como conseqüência dos traços apontados antes. Formado nos quadros da estrutura familiar, o brasileiro recebeu o peso das “relações de simpatia”, que dificultam a incorporação normal a outros agrupamentos. Por isso, não acha agradáveis as relações impessoais, características do Estado, procurando reduzi-las ao padrão pessoal e afetivo. Onde pesa a família, sobretudo em seu molde tradicional, dificilmente se forma a sociedade urbana de tipo moderno. Em nosso país, o desenvolvimento da urbanização criou um “desequilíbrio social, cujos efeitos permanecem vivos ainda hoje” (p. 145). E a essa altura, Sérgio Buarque de Holanda emprega, penso que pela primeira vez no Brasil, os conceitos de “patrimonialismo” e “burocracia”, devidos a Max Weber, a fim de elucidar o problema e dar um fundamento sociológico à caracterização do “homem cordial”, expressão tomada a Ribeiro Couto.

O “homem cordial” não pressupõe bondade, mas somente o predomínio do comportamento de aparência afetiva, inclusive suas manifestações externas, não necessariamente sinceras nem profundas, que se opõem ao ritualismo da polidez. O “homem cordial” é visceralmente inadequado às relações impessoais que decorrem da posição e da função do indivíduo, e

177 HOFBAUER, A. Ações Afirmativas, p. 40. 178 HASENBALG apud HOFBAUER, id., p. 15.

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não da sua marca pessoal e familiar, das afinidades nascidas na intimidade dos grupos primários.179

No texto mencionado é observada a influência weberiana sobre Sérgio Buarque de Holanda, que destaca a questão da motivação, desde a colonização até os dias atuais, enfatizando que a motivação do homem cordial é sobretudo interna. Daí o seu comportamento ilógico para outros povos e sua adequação da influência externa de forma sui generis.

Ao que se poderia chamar “mentalidade cordial” estão ligados vários traços importantes, como a sociabilidade apenas aparente, que na verdade não se impõe ao indivíduo e não exerce efeito positivo na estruturação de uma ordem coletiva. Decorre deste fato o individualismo, que aparece aqui focalizado de outro ângulo e se manifesta como relutância em face da lei que o contrarie. Ligada a ele, a falta de capacidade para aplicar-se a um objetivo exterior.

Retomando o problema dos intelectuais, o autor assinala agora a satisfação com o saber aparente, cujo fim está em si mesmo e por isso deixa de aplicar-se a um alvo concreto, sendo procurado sobretudo como fator de prestígio para quem sabe. Já que a natureza dos objetivos é secundária, os indivíduos mudam de atividade com uma freqüência que desvenda essa busca de satisfação meramente pessoal. Daí valorizarem-se as profissões liberais que, além de permitirem as manifestações de independência individual, prestam-se ao saber de fachada. Devido à crise das velhas instituições agrárias, os membros das classes dominantes transitam facilmente para tais profissões, desligadas da necessidade de trabalho direto sobre as coisas, que lembra a condição servil.

Relacionando a tais circunstâncias o nosso culto tradicional pelas formas impressionantes, o exibicionismo, a improvisação e a falta de aplicação seguida, o autor interpreta a voga do positivismo no Brasil como a decorrência desta última característica – pois o espírito repousava satisfeito nos seus dogmas indiscutíveis, levando ao máximo a confiança nas idéias, mesmo quando inaplicáveis.

Na vida política, a isso correspondem o liberalismo ornamental (que em realidade provém do desejo de negar uma autoridade incômoda) e a ausência do verdadeiro espírito democrático. “A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. Uma aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse possível, aos seus direitos e privilégios, os mesmos privilégios que tinham sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra os aristocratas” (p. 160). Os nossos movimentos “aparentemente reformadores” teriam sido, de fato, impostos de cima para baixo pelos grupos dominantes”180.

Corrobora-se, de acordo com o exposto, que a explicação para a conformação social brasileira é sobretudo histórica, dada pela especificidade de sua formação cultural,

179 CANDIDO apud HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 17.

resultando numa inusitada organização social, marcada por uma profunda divisão de classes, mas que aparenta ser menos importante e problemática do que realmente é. De um lado uma elite com um histórico de acumulação e dominação difícil de ser encontrado em outros países, de outro lado um povo que satisfaz-se com muito pouco e não se vê como povo, mas como um candidato à ilusão de vir a fazer parte dessa elite, com grave dificuldade em pensar o coletivo, mais disposto ao “salve-se quem puder”.

Um último exemplo a ser lembrado neste capítulo, a despeito de permear toda a abordagem até este ponto, diz respeito à relação de produção, ao meio de sustento da imensa maioria dos homens: o emprego assalariado, que também pode ser apontado como uma das principais causas para o flagelo da desigualdade social e econômica, senão a principal.

É importante observar que as transformações da relação de trabalho, mesmo levando-se em conta sua gênese desfavorável ao hipossuficiente, acabou por se tornar o foco das maiores lutas e conquistas sociais. O Estado social é justamente o ápice das conquistas trabalhistas. Entretanto, como se mostrou até este ponto – e Castel a confirma –, vem se estabelecendo uma reação, que busca o afastamento do Estado. A este quadro Castel181 denominou metamorfoses da questão social. Ao

final de sua pesquisa, deixou destacada a relação entre o tema em estudo e a relevância do problema da mudança na relação de trabalho , concluindo no sentido de interpretar a questão social a partir do enfraquecimento da condição salarial, e adverte: “a questão da exclusão que há alg uns anos ocupa o primeiro plano é um de seus efeitos, essencial sem nenhuma dúvida, mas que desloca para a margem da sociedade o que a atinge primeiro no coração”.

Nessa linha, o autor reforça a importância do salário na organização social, a considerar que está na relação de produção a questão material mais básica, e que a mudança nessa relação implica em uma transformação na vida do homem. Ao comentar a obra de Castel sobre os rumos do processo econômico, Cybele Rizek

181 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social – Uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 495-496.

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observa a possibilidade de outra postura: “Nesta caracterização tomam corpo não as inexorabilidades dos processos econômicos, mas a possibilidade de algumas escolhas e direções”.182

Em que pese o estudo de Castel ter como objeto a sociedade francesa, guardadas as devidas proporções, este fato r torna-se mais um ponto de interesse e de preocupação para o caso brasileiro, com a agravante de que a situação aqui é pior, posto que sequer atingimos o Estado social e a massa de excluídos daqui é muito maior, ao mesmo tempo que fornece um indício de que o capitalismo, mesmo o mais desenvolvido, não consegue achar saída para os problemas gerados em seu próprio bojo.

Por outro lado, é importante observar que, mesmo partindo de uma origem tão pouco favorável no modelo de corvéia183, o salário, o emprego, a relação de trabalho conseguiu ultrapassar diversas barreiras até evoluir verdadeiramente. Ainda longe de uma relação entre iguais, conseguiu atingir um grau de proveito social como nunca antes tinha alcançado. Contudo, justamente por ser a pedra de toque do

182 RIZEK apud CASTEL, R. As metamorfoses da questão social, p. 16.

183 CASTEL, R. Id., p. 199-200: Depois da revolução industrial, a condição de assalariado é pensada espontaneamente a partir do modelo da liberdade e do contrato. Ainda que se denuncie o caráter leonino do contrato e a ficção da liberdade de um trabalhador que, com freqüência, é pressionado pela necessidade de vender sua força de trabalho, admite-se que o mercado de trabalho põe em presença duas pessoas independentes, do ponto de vista jurídico, e que a relação social, que estabelecem através dessa transação, pode ser rompida por qualquer uma das partes. Essa concepção liberal da condição de assalariado representa, no entanto, uma extraordinária revolução no que se refere às formas que historicamente a precederam e que vão se perpetuar após sua abolição formal. Para compreender o caráter tardio do advento de uma condição moderna de assalariado, os longos tateamentos que a acompanharam e também as dificuldades que vai encontrar para se impor, gostaríamos de sugerir que o estado de assalariado não nasceu

da liberdade ou do contrato, mas da tutela. Sem dúvida, é na perenidade do modelo de corvéia,

protótipo da forma de troca obrigada através da qual um trabalhador braçal se desincumbe de sua tarefa, que se deve buscar a razão de fundo das resistências ao advento da relação salarial moderna.

[...]

Essas duas formas de trabalho – a corvéia e o trabalho assalariado [a corvéia é característica da servidão e toma o lugar da escravidão, forma completa de dispor de uma pessoa] – podem, aliás, coexistir não só numa mesma época mas, também, num mesmo indivíduo. Assim, na Inglaterra, onde a servidão ainda é difundida nos séculos XI e XII, alguns arrendatários devem pagar ao senhor a corvéia da segunda-feira (são também chamados de lundinarii). [...] Em outros termos, sua atividade assalariada não se distingue, na forma material, de sua atividade servil. É também uma maneira de pôr sua pessoa à disposição, mas que, então, não tem mais o estatuto jurídico de uma sujeição pessoal. Juridicamente, a corvéia e o estado de assalariado se opõem; historicamente, a condição de assalariado expulsou de modo progressivo a corvéia. Mas existencialmente, se posso dizer assim, quanto ao tipo de trabalho que faz e quanto às condições em que o faz, o que é que distingue um assalariado “livre” de um indivíduo sujeito à corvéia, numa relação de submissão pessoal a um senhor? Nada, a não ser o fato de, no primeiro caso, receber uma remuneração, um salário.

capitalismo, nos atuais tempos estamos vivendo uma “contra-revolução”, uma verdadeira involução, com conseqüências inegáveis de aprofundamento das desigualdades sócio-econômicas.

Esse processo de esfacelamento das relações de trabalho, que culmina no quadro de exclusão, é ponto estrutural para a concepção mesma da igualdade. Fica feita a ressalva antes de adentrarmos no capítulo seguinte, para tratar das questões mais diretamente relacionadas ao tema pesquisado.