• Nenhum resultado encontrado

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4 A gestão por competências

2.4.2 A dimensão organizacional da competência

A dimensão organizacional das competências tem sua origem na abordagem da firma baseada em recursos. Essa abordagem preconiza que toda empresa possui um conjunto de recursos produtivos, acumulados ao longo do tempo. A partir desses recursos, são construídas as competências organizacionais e/ou as capacidades dinâmicas da organização que, por sua vez, resultam da articulação dos conhecimentos, habilidades, experiências e trabalho das pessoas, para explorar os processos produtivos e gerar os produtos e serviços que os clientes demandam (BARNEY,2001; TEECE et al.,1997; CHANDLER, 1990; WERNERFELT, 1984; PENROSE, 1959).

Na perspectiva da visão da firma baseada em recursos (VBR) 16

, a vantagem competitiva da empresa é função do seu portfólio de recursos (humanos, financeiros, materiais, sistemas, processos, tecnologia, marca, cultura, dentre outros tangíveis e intangíveis). A definição da estratégia competitiva deve ser precedida de uma avaliação das potencialidades estratégicas derivadas desses recursos. As competências organizacionais são construídas a partir dos recursos, e as estratégias são formuladas levando-se em conta o conjunto de recursos. Deve-se

15 Na década de 1970, Argyris e Schön (1978) introduziram o conceito de circuitos de aprendizagem, que diz

respeito ao modo como as premissas que orientam o comportamento das pessoas e dos grupos nas organizações podem ser modificadas em um processo de aprendizagem organizacional. Os autores denominam circuito simples a obtenção de know-how para resolver problemas com base nas premissas existentes; já o circuito duplo implica o estabelecimento de novos paradigmas para resolver os problemas detectados, alterando os anteriores. Esse tema ganhou notoriedade na década de 1990, com a obra de Peter Senge (1990), intitulada a “Quinta Disciplina”, que difundiu o conceito de organizações que aprendem.

16 A abordagem da VBR difere do conceito de posicionamento estratégico introduzido por Porter (1996), em

que a formulação da estratégia parte da análise da indústria e da posição competitiva que a empresa deseja obter. Nesse caso, o foco da análise é o mercado e os competidores. A vantagem competitiva é derivada da capacidade da empresa de explorar as oportunidades e tendências encontradas.

centrar a formulação da estratégia nos recursos que garantem lucratividade a longo prazo17 (MILLS et al., 2002; BARNEY, 2001; KROGH e ROOS, 1995).

No início dos anos 90 do século XX, com a ampla difusão do conceito de competência essencial (core competence), introduzido por Prahalad e Hamel (1990), a noção de competência organizacional ganhou maior relevância no campo da Teoria das Organizações. Ao observarem a atuação de empresas que apresentavam níveis de desempenho excepcionais (Honda, Sony, Cannon, Casio e, também, pequenas empresas japonesas que desafiavam grandes corporações líderes de mercado), os autores perceberam que essas organizações estabeleciam uma poderosa visão de futuro, definiam metas ousadas, que transcendiam as fronteiras temporais dos planos estratégicos tradicionais, e conseguiam um elevado nível de envolvimento dos funcionários na busca do cumprimento dessas metas. Tais empresas vislumbravam a concorrência como uma oportunidade para criar competências e não apenas para conquistar novas fatias de mercado. Suas equipes eram capazes de conceber e criar produtos, serviços e setores inteiros ainda inexistentes e valorizavam mais a invenção de novos espaços competitivos do que a conquista de posições incrementais nos mercados já existentes (PRAHALAD e HAMEL, 1995).

Com base nessas observações, os autores formularam o conceito de competência essencial (core competence), definida como “O aprendizado coletivo na organização, especialmente no que diz respeito a como coordenar as diversas habilidades de produção e integrar as múltiplas correntes de tecnologia” (PRAHALAD e HAMEL, 2000, p.58).

A capacidade da Casio de harmonizar um know-how em microprocessadores, ciência de materiais e encapsulamento de precisão fina, habilidades que são empregadas em suas miniaturizações de calculadora, TV de bolso e relógio digital, configura uma competência essencial, exemplificam os autores.

Uma competência essencial, segundo os autores, contribui com maior intensidade para a prosperidade da organização, a longo prazo. Deve agregar grande contribuição ao valor

17 Mills et al. (2002) apontam que um recurso é algo que a organização possui ou a que tem acesso. A

competência, por sua vez, é algo que a organização faz. O primeiro deve ser expresso com um substantivo e a segunda, com um verbo.

percebido pelo cliente, ser competitivamente única e difícil de ser imitada – uma capacidade ubíqua não pode ser categorizada como competência essencial, a não ser que seu nível seja infinitamente superior ao dos concorrentes – e constituir a base para entrada em novos mercados de produtos. Empresas que não conseguem identificar suas competências essenciais correm o risco de se desfazer de competências valiosas quando fazem desinvestimento em negócios insatisfatórios ou quando decidem terceirizar serviços.

Para esses autores, as competências essenciais são recursos corporativos e devem estar disponíveis para alocação, de acordo com a prioridade dos projetos. As habilidades que, juntas, constituem as competências essenciais devem florescer em torno dos indivíduos para que eles consigam reconhecer as oportunidades para combinar suas habilidades técnicas com as de outros. Por essa razão, a empresa deve esforçar-se para identificar e conhecer bem os detentores das competências.

Na visão de Prahalad e Hamel (2000), a empresa possui um conjunto de competências organizacionais e, dentre estas, apenas algumas podem ser consideradas competências essenciais. São estas que diferenciam a empresa de suas concorrentes e lhe asseguram vantagem competitiva de longo prazo. Nesse sentido, a formulação da estratégia competitiva deve partir da análise das capacidades internas da empresa, que constituem a base para a sua atuação estratégica nos mercados.

O conceito de competência essencial passou a constituir a principal referência teórica para a dimensão organizacional da competência. Fortaleceu as bases conceituais da visão da firma baseada em recursos e constituiu um contraponto à abordagem da análise da indústria formulada por Porter (1985), que aponta as forças de mercado e a competição como fatores determinantes da formulação da estratégia competitiva, ao considerar que a vantagem competitiva deriva das oportunidades e tendências daí decorrentes.

Apesar da grande difusão e aceitação do conceito de competência essencial, a sua aderência aos artefatos operacionais da organização não configura algo simples. Em pesquisas empíricas realizadas junto a empresas brasileiras sediadas na Região Sul do Brasil, Ruas (2005) constatou que a validação do conceito de competência essencial em empresas comuns, diferentes das grandes corporações que compõem o quadro referencial montado por Prahalad e Hamel e que deu origem ao conceito, é um processo complexo, sobretudo no que se refere à

identificação de suas três características principais: contribuição para a prosperidade da organização; contribuição ao valor percebido pelo cliente; exclusividade e de difícil imitação. A partir dessas pesquisas, Ruas (2005, p. 45) sugere uma tipologia de competências organizacionais que inclui, além das competências essenciais, dois outros tipos:

- As competências organizacionais seletivas – que viabilizam a diferenciação da empresa no espaço competitivo formado por mercados regionais e/ou nacionais (diferenciais obtidos a partir do relacionamento com clientes ou no redimensionamento de serviços são exemplos desse tipo de competências);

- As competências organizacionais básicas – que contribuem decisivamente para a sobrevivência da empresa a médio prazo (por exemplo, know-how para produzir produtos com preços compatíveis com o mercado ou que contribui para uma empresa varejista atingir níveis de atendimento satisfatório).

Ao repensar os referenciais sobre a noção de competência, esse autor aponta, também, para a necessidade de se distinguir, no plano organizacional, uma dimensão intermediária de competência: as competências funcionais, ou seja, aquelas associadas ao exercício das principais funções coletivas da organização – produção, comercialização, logística, finanças, etc. “[...] É justamente na dimensão funcional e intermediária da noção de competência organizacional que se concretiza o desdobramento, para as áreas da empresa, das capacidades demandadas ao nível corporativo ou organizacional. [...] dependendo do tipo de negócio, uma competência funcional pode vir a constituir, no passar do tempo, uma competência organizacional. [...] o desenvolvimento de competências organizacionais essenciais, ou seletivas é, em geral, originário de competências funcionais” (RUAS, 2005, p. 47).

Ainda na dimensão organizacional, Zarifian (2001, p. 135-149) identifica diversos tipos de competências da empresa: competências sobre os processos (conhecimentos sobre processos de trabalhos); competências técnicas (conhecimentos específicos sobre o trabalho a ser realizado); competências sobre a organização (conhecimentos para organizar os fluxos de trabalho); competências sobre serviços (avaliação do impacto que os produtos e/ou serviços terão sobre o consumidor); e competências sociais (identificação das atitudes que sustentam os comportamentos das pessoas).

Em última instância, as competências essenciais e organizacionais da empresa se viabilizam por intermédio da combinação de recursos e das múltiplas competências individuais de seus colaboradores. Por isso, as competências organizacionais devem ser traduzidas nas competências que as pessoas devem ter, e ambas as dimensões de competências precisam estar alinhadas com a estratégia competitiva da organização. E como sugerem Fleury e Fleury (2004, p. 48), “[...] o resultado total é maior do que a soma das competências individuais”. Como ocorre na dimensão individual de competência, também no plano organizacional, os termos competência e capacidade são, frequentemente, utilizados para fundamentar os construtos que integram esse campo do conhecimento. Observa-se que, em muitas situações, as diferenças encontradas no uso desses termos são puramente semânticas. Alguns autores, no entanto, referem-se a capacidades como elementos componentes das competências organizacionais. São poucos os que estabelecem uma diferença conceitual consistente entre os dois termos.

A abordagem das capacidades dinâmicas desenvolvida por Teece et al. (1997), por exemplo, foca as competências internas e externas que a organização precisa desenvolver para se tornar competitiva, em um ambiente de negócios cada vez mais complexo e mutável.

Para esses autores, as capacidades de gestão e de integração de conhecimentos e habilidades funcionais e técnicas potencializam as competências organizacionais relacionadas ao desenvolvimento de produtos e processos, transferência de tecnologias, produção, etc. O termo capacidade dinâmica é empregado para expressar a necessidade da empresa de renovar continuamente suas competências organizacionais.

De outra parte, Stalk et al. (2000), mesmo admitindo que competências (essenciais) e capacidades (internas) são complementares, ressaltam que as expressões representam dimensões diferentes na perspectiva da estratégia empresarial. Para esses autores, as competências (essenciais) estão fundadas na especialização tecnológica e de produção, em pontos específicos da cadeia de valor, enquanto as capacidades incorporam uma visão mais ampla e geral que abrange toda a cadeia de valor. Eles associam capacidade a um conjunto de processos estrategicamente compreendidos. Somente quando a empresa identifica esses processos e passa a considerá-los como os elementos essenciais da estratégia é que se pode afirmar que a organização passa a competir com base em capacidades.

De uma ótica da estratégia empresarial, pode-se afirmar que os dois conceitos, além de complementares, têm suas raízes na abordagem da empresa baseada em recursos. A empresa, ao definir sua estratégia competitiva, identifica as competências dos negócios e as competências e/ou capacidades necessárias a cada função. São elas que fornecem as condições para que a empresa faça suas escolhas estratégicas. Portanto, como sugere Albuquerque (2002, p. 46), “competências e capacidades são faces da mesma moeda na obtenção de vantagens competitivas”.