Capítulo I. História do Colégio Santa Cruz
3. A "Educação Cristã", na visão do Padre Basile Moreau
O livro "Educação Cristã"22 nasceu, inicialmente, pela preocupação de Moreau com a questão de como estava a educação na França no pós-
Revolução. Depois, pelo seu interesse na qualidade e consistência da educação oferecida pelos religiosos de Santa Cruz.
No prefácio à “Educação Cristã”, na primeira frase, Moreau escreve:
Que este breve trabalho sobre educação, planejado para o uso daqueles que trabalham nas escolas associadas à Congregação da Santa Cruz, atinja o fim ao qual eu me propus ao compô-lo: a formação dos corações de jovens e o desenvolvimento de uma resposta positiva em relação à religiosidade dentro deles.
Moreau quis escrever sobre o tipo de educação oferecida nas escolas de Santa Cruz e a socialização que deveria proporcionar;; como base sólida nas séries primárias, formando o futuro do indivíduo, como aluno e como cidadão.
Além de se preocupar muito com a formação de excelência de seus professores também.
As escolas da Congregação de Santa Cruz deveriam ser reconhecidas pelo seu alto nível e pelo envolvimento de seus alunos na vida da cidade ou comunidade local desde os primeiros anos.
Em todos os seus escritos sempre mostrou preocupação em relação à qualidade das pessoas que ensinam na escola. Acreditava que os professores ensinam somente quando interagem com os jovens, e que estes são modelos de vida para eles. Sempre ressaltava aos professores que "não poderiam dar aos outros o que eles próprios não possuíssem". As qualidades pessoais dos professores é o que faz a visão de educação do Padre Moreau realizar-se. Sem as qualidades pessoais de reverência, conhecimento, entusiasmo, vigilância, autocontrole, mansidão, paciência, prudência e firmeza, "os professores não
22 O livro “Educação Cristã”, do original em francês "Pédagogie Chrétienne”, foi escrito pelo Padre Basile Moreau, em 1856.
serão capazes de levar adiante seu chamado para transformar jovens em cristãos, e as escolas nas quais trabalham não serão eficazes".
Para ele, os estudantes, quando entravam para suas escolas, estavam também entrando para a sua família, para a família de Santa Cruz. E, portanto, todos deveriam cuidar uns dos outros e viverem em união.
Os professores são os pais espirituais destes jovens. De que outra forma os professores poderiam levar a cabo suas responsabilidades com as famílias que neles confiam para ajudar a desenvolver bons valores em seus filhos?
Estar em um ambiente familiar, em que os professores não se comportassem unicamente como professores, mas como orientadores e parceiros não só de aprendizado acadêmico, mas das questões do cotidiano, como nas relações, na convivência, no comportamento.
Aprenda a se colocar ao alcance de jovens imaturos, tratando-os com a indulgência que a idade deles merece… Geralmente, estes alunos têm um bom coração. Faça uso desta qualidade excelente para ganhar a confiança deles, assim eles o considerarão menos como um professor e mais como um pai ou amigo.
Outra questão importante para Moreau era o ensino de excelência, o ensino que fosse amplo, diverso e que trouxesse muitos olhares, como os da
Figura 7: Cripta com os restos mortais do Padre Beato Basile Moreau, na Igreja de Notre-Dame de Sainte-Croix, em Le Mans, França. Fonte: Nilma Paula Combas da Silva.
filosofia23, da fé24 e da ciência25. Pois ele queria que seus alunos fossem formados para o mundo e para a modernidade.
Nós podemos declarar em uma palavra o tipo de ensino que esperamos oferecer. Embora nós fundemos nosso curso de filosofia nos dados da fé, ninguém necessita temer que confinaremos nosso ensino dentro dos limites estreitos e não científicos. Não, nós desejamos aceitar a ciência sem preconceitos e de uma maneira adaptada às necessidades dos nossos tempos. Nós não queremos que nossos alunos sejam ignorantes de qualquer coisa que eles deveriam saber. Para este fim, nós faremos qualquer sacrifício. Mas nunca devemos nos esquecer que a virtude, como Bacon coloca, é o “tempero
23 A palavra filosofia foi introduzida por Pitágoras, e é composta, em grego, de philos, “amigo”, e sophia, “sabedoria”. Quanto à conceituação de Filosofia, veja estes dados apresentados por Tartuce (2006, p. 6): a Filosofia é a fonte de todas as áreas do conhecimento humano, e todas as ciências não só dependem dela, como nela se incluem. É a ciência das primeiras causas e princípios. A Filosofia é destituída de objeto particular, mas assume o papel orientador de cada ciência na solução de problemas universais. Progressivamente, constata-se que cada área do conhecimento des- vincula-se da Filosofia em função da forma como trata o objeto, que é para a mesma, a matéria. Em toda trajetória filosófica, surgiram ideias e teorias de grandes filó- sofos, convergentes e divergentes. Portanto, se há generalidades, não há consenso. Isto pode ser exemplificado por expoentes como: Platão – as ideias não são representações das coisas, mas é a verdade das coisas. Santo Agostinho – preconiza que a razão é a dimensão espiritual. Francis Bacon – no Renascimento, defende a Filosofia por meio de concepções ligadas a pesquisas e experimentações. GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 19. Disponível em:
http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 03 de novembro de 2017.
24 É o conhecimento revelado pela fé divina ou crença religiosa. Não pode, por sua origem, ser confirmado ou negado. Depende da formação moral e das crenças de cada indivíduo. Exemplos:
acreditar que alguém foi curado por um milagre;; acreditar em Deus;; acreditar em reencarnação;;
acreditar em espírito, etc. O conhecimento teológico, ou místico, é fundamentado exclusivamente na fé humana e desprovido de método. É alcançado através da crença na existência de entes divinos e superiores que controlam a Vida e o Universo. Resulta do acúmulo de re- velações transmitidas oralmente ou por inscrições imutáveis e procura dar respostas às questões que não sejam inteligíveis às outras esferas conhecimento. Exemplos são os textos sagrados, tais como a Bíblia e o Alcorão (ou Corão, o livro sagrado do islamismo). GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 20-21. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 03 de novembro de 2017.
25 A publicação de Fonseca (2002, p. 11-2) nos diz que a ciência é uma forma particular de conhecer o mundo. É o saber produzido através do raciocínio lógico associado à expe-
rimentação prática. Caracteriza-se por um conjunto de modelos de observação, identificação, descrição, investigação experimental e ex- planação teórica de fenômenos. O método científico envolve técnicas exatas, objetivas e sistemáticas. Regras fixas para a formação de con- ceitos, para a condução de observações, para a realização de experi- mentos e para a validação de hipóteses explicativas. O objetivo básico da ciência não é o de descobrir verdades ou de se cons-
tituir como uma compreensão plena da realidade. Deseja fornecer um conhecimento provisório, que facilite a interação com o mundo, possibilitando previsões confiáveis sobre acontecimentos futuros e indicar mecanismos de controle que possibilitem uma intervenção sobre eles.
GERHARDT & SILVEIRA, 2009, p. 14. Disponível em:
http://www.ufrgs.br/cursopgdr/downloadsSerie/derad005.pdf. Acesso em: 03 de novembro de 2017.
que preserva a ciência”. Nós sempre devemos colocar a educação lado a lado com o ensino;; a mente não será cultivada à custa do coração.
Ao mesmo tempo em que preparamos cidadãos úteis para a sociedade, nós faremos igualmente nosso melhor para preparar cidadãos para o céu.
Mas, ao mesmo tempo, acreditava que os professores de Santa Cruz deveriam ser cristãos, pois só assim saberiam que receberam um chamado para exercerem essa profissão. E, consequentemente, seriam capazes de transmitir esses valores aos alunos.
Os educadores cristãos precisam de um chamado de Deus para lidar com tudo o que enfrentam ao trabalharem com os jovens. De que outra forma os professores poderiam possivelmente trabalhar para construir valores cristãos nos jovens, assim como para lhes dar o conhecimento do qual eles necessitam?
Valores esses que fariam com que os professores já observassem de maneira mais atenta os alunos “menos favorecidos”, tanto intelectualmente como econômica e socialmente. Para Moreau, o mais importante ainda, era o olhar e o cuidado com os pobres, com aqueles que tinham menos oportunidades na vida, em todos os sentidos.
Se às vezes vocês demonstrarem preferência por quaisquer jovens, estes deveriam ser os pobres, aqueles que não têm ninguém mais para lhes demonstrar preferência, aqueles que têm menos conhecimento, aqueles a quem faltam habilidades e talento e aqueles que não são católicos ou cristãos. Se vocês lhes demonstrarem maior cuidado e preocupação, deve ser porque as necessidades deles são maiores e porque simplesmente é justo dar mais àqueles que têm menos... [vendo]... em todos apenas a imagem de Deus impressa dentro deles como um selo sagrado que vocês devem preservar a todo o custo.
Porém, para que tudo isso acontecesse de fato e com inspiração, era necessário ter “gentileza”. Valor esse, que para Moreau, era essencial e deveria ser existencial.
A gentileza permite aos professores suportar todas as adversidades e experiências desagradáveis e ocorrências que
caminham de mãos dadas com a educação... e gera várias outras qualidades boas: sensibilidade, boa vontade...
Professores cheios de gentileza podem demonstrar um interesse e um afeto pelos jovens que conquistarão corações.
Dessa forma, com esses princípios básicos, deveriam preparar os alunos para o mundo que existe do outro lado dos muros da escola, para um mundo que era muito maior que eles. Para que pudessem ser indivíduos de bem, altamente qualificados em seu intelecto e com valores sólidos, em qualquer lugar e em qualquer circunstância.
Nossos alunos estão destinados a viver no negócio e problemas do mundo. Portanto, eles não deveriam ser formados para viver um tipo de vida que teriam que abandonar após deixarem nossa instituição. Eles deveriam ser treinados de tal modo a poderem ser, em todos os lugares, o que eles eram na escola. Nós nunca devemos perder de vista este princípio.
4. Os Valores de Missão das Escolas de Santa Cruz
A filosofia das Escolas de Santa Cruz, seguem numa linha que promove a educação integral da pessoa – espiritual, intelectual, artística, física, social.
A tradição da Congregação é viva nos escritos de Moreau, e oral nos ensinamentos e sermões de seus religiosos;; foi levada para culturas diferentes em épocas diferentes e adaptada a essas, de acordo com as necessidades do povo encontrado. Assim, foi (e ainda é) possível encontrá-la em culturas tão diversas como as da França, Canadá, dos Estados Unidos, do Brasil, Chile, Índia, Uganda, Bangladesh, Gana ou das Filipinas.
Mas, há certos valores que parecem caracterizar as escolas da Congregação em todo o mundo, como escreveu Padre Basile Moreau (1856):
1. O objetivo principal da escola é transformar os jovens em verdadeiros cristãos.