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Voltando às perguntas iniciais, garantidas a boa teoria e ampliação do trabalho do comunicador e do sanitarista, resta agora o desafio de torna-los, além de precisos e democráticos, eficazes. Falar em eficá- cia em comunicação significa dar conta de duas exigências fundamentais: a acessibilidade e a significa- ção. Ou seja, toda mensagem, para cumprir sua tarefa de informar e ajudar na tomada de decisões so- bre qualquer fato da vida (inclusive a mudança de comportamentos em relação à saúde) precisa ser en- tendida e mostrar sua pertinência para o sujeito.

O acesso da sociedade ao conhecimento e às informações de caráter científico não pode se restrin- gir a uma perspectiva de ‘oferta informacional’ dos produtos da ciência. A vida precisa ser de mão du- pla para se mostrar ao mesmo tempo acessível (falar na mesma linguagem) e significativa (fazer parte dos interesses da comunidade). Desta forma, o espectro de informações que o setor saúde vem traba- lhando nas últimas décadas cria uma necessidade de aporte interdisciplinar entre a saúde e outros cam- pos do saber, como a demografia, pedagogia, antropologia, ciências sociais e da informação.

A título de enumeração sumária, podemos dizer que as necessidades informativas do setor hoje se des- dobram, além dos tradicionais elementos relacionados ao processo saúde-doença, aos seguintes campos: in- formações sócio-econômicas que permitam ações intersetoriais; informações sobre arrecadação, destinação e repasse de recursos que viabilizem operações de acompanhamento das ações públicas; informações so- bre decisões colegiadas no âmbito do setor, que possibilitem a avaliação permanente da atuação dos con- selhos e câmaras de pactuação; informações sobre direitos; informações sobre riscos ambientais; informa- ções sobre serviços e a melhor forma de acessá-los; informações sobre prevenção e cuidados individuais.

comunicação que nele trabalham. Uma das primeiras tarefas pode ser a revisão das práticas de comuni- cação em curso nas áreas de comunicação do setor. Quase sempre marcadas por cobranças institucio- nais, as assessorias de comunicação dos órgãos de saúde nem sempre estabelecem relações de parceria com a tarefa primeira de aumentar a consciência sanitária. Se pensarmos, no caso da Vigilância Sanitá- ria, a necessidade de uma visão ecológica da ação, no sentido de ampliar sua atuação, a comunicação não pode estar localizada como algo externo ao planejamento do trabalho.

É preciso que se promova um deslocamento do trabalho do profissional de comunicação, de fora das ações de saúde, para o interior de todas as suas fases. Isto não pode ser entendido como uma defesa corporativa de mercado. Quando se fala em comunicação eficaz não se está, necessariamente, defen- dendo o papel do comunicador, mas da ação comunicativa para a qual todos os profissionais podem e devem estar preparados.

Alguns elementos da área de Vigilância Sanitária se prestam bem a esta reflexão sobre a eficácia de- vida pelas ações de comunicação social. O primeiro elemento é o do consumo. O incremento do ape- tite consumista é uma operação que junta, num mesmo movimento, necessidades reais e imaginárias. Os meios de comunicação são mestres em sobrelevar as demandas imaginárias, em gerar necessidade do supérfluo, em estabelecer relações de infelicidade consumista. Se estes desejos de consumo podem ser artificialmente construídos, podem, com a mesma eficácia, ser desmascarados através de boas estratégias comunicativas.

A questão do consumo vai além do mero desejo individual e de sua frustração. Ela tem conseqüên- cias diretas na saúde da população. Suely Rozenfeld e Marco Antônio Porto chamam a atenção para al- gumas das conseqüências sanitárias danosas do consumismo. Em primeiro lugar, destacam o risco de de- gradação ambiental gerado pelo tipo de consumo criador de desperdício e poluição. Os autores anali- sam ainda, a partir de uma abordagem ecológica da Vigilância Sanitária, o risco da iatrogenia provocada pelo aparato médico-industrial. O próprio saber médico, a partir de uma ideologia do especialista, pode gerar desvios consumistas, que se traduzem num consumo exagerado de medicamentos, consultas e pro- cedimentos de saúde.

Outro aspecto importante da Vigilância Sanitária que se relaciona com a necessidade de informações mais eficazes está no campo do Direito. A Vigilância é, sem dúvida, a área em que mais se inscreve a pre- ocupação jurídica no campo sanitário. Direito em saúde é, quase sempre, uma operação de informação. Basta analisar os vários processos de interdição, fiscalização, certificação de qualidade, direito do consu- midor, etc, para se constatar que a garantia destes direitos se traduz na garantia de uma boa informação ao público. Uma fiscalização que não gere conhecimento do consumidor perde o sentido (mesmo quando tudo está correto, esta informação é devida ao público); uma punição que não estabeleça uma rede so- cial de condenação tende a se tornar uma ação repetitiva e passível de proteção corporativa (‘por baixo dos panos’); a análise de uma propaganda ou informação enganosa nas especificações técnicas dos pro- dutos só rompe o círculo da ideologia do consumo se consegue se tornar um patrimônio da coletividade. E assim por diante. A etapa de ampliação do direito sanitário é quase sempre uma tarefa comunicativa.

Um bom exemplo de como a comunicação pode se integrar no setor da Vigilância foi o recente pro- cesso de divulgação do Código de Defesa do Consumidor. Mesmo em contextos de baixa mobilização social, o Código se tornou uma arma que transcendeu sua função de mercado para ganhar dimensão política. O mesmo trabalho, com as mesmas parcerias espontâneas dos meios de comunicação pode ser levado adiante em outras áreas de direitos de cidadania, muito além das relações estritas de mercado.

Um campo ainda não suficientemente explorado pelo setor é o da ecologia. Esta é uma área de grande mobilização que ainda não ganhou um bom tratamento por parte dos comunicadores e sanita- ristas. O apelo ecológico ainda não alcançou sua verdadeira dimensão sanitária, estando muito marcado por noções amplas demais e pouco operativas para a maioria das pessoas envolvidas. As ações que in- terferem no ambiente precisam ser concebidas e entendidas pela população como operações sanitárias, dentro do conceito ampliado de saúde, da mesma forma como as ações de saneamento. Esta compre- ensão é fundamental, por exemplo, para o incremento do debate público e de sua tradução em termos de política e investimentos.

Ediná Alves Costa, ao definir o conjunto das ações de Vigilância Sanitária, destaca a importância das ações comunicativas em dois aspectos: o marketing social e a informação e educação sanitária. “O mar- keting social foi proposto por Duarte (1990), para utilização no campo da Vigilância Sanitária e por De- ber (1988) na administração dos serviços de saúde, como técnica de comunicação destinada a modificar atitudes e comportamentos de ‘mercados-alvos’, segundo regras e técnicas específicas; contrapõe-se ao marketing comercial que visa satisfazer supostas necessidades e carências de mercados-alvos”. Já a in- formação e educação sanitária, de acordo com Ediná Costa desempenham importante papel na Vigilân- cia Sanitária, na medida em que democratiza a informação técnico-científica e funciona como elemento pedagógico no interior da própria administração.

A informação em saúde, no caso específico da Vigilância Sanitária, não se limita apenas ao processo de consumo, podendo interferir até mesmo no setor produtivo, de forma ativa, como se observa em al- guns países. O nível de consciência sanitária social pode funcionar como uma barreira para a fabricação e comercialização de uma série de produtos. Um exemplo recente deste debate está se dando em torno da produção de alimentos transgênicos, que tem mostrado um interessante grau de exigência informa- tiva por parte da população. Ainda segundo Ediná Costa, “a partir de um sistema de informação para a ação que acompanhe o mundo da produção e consumo de produtos, serviços, ambientes e situação de saúde, visualiza-se um rico espaço de contribuição da informação e educação sanitária na construção da consciência sanitária com instrumentação de profissionais de saúde, das organizações sociais para a ati- tude de autodefesa contra o movimento iatrogênico das estratégias de mercado vigentes”.

CONCLUSÕES

Estas observações iniciais apontam para a importância do trabalho coletivo e interdisciplinar entre co- municadores e profissionais de saúde, além de evidenciar um novo campo de atuação conjunta dos dois setores. Cabe aos sanitaristas atentar para dimensão comunicativa de sua ação e conhecer a dinâmica da circulação de informações na sociedade, tanto nas redes industriais (meios de comunicação) como nas manifestações culturais mais peculiares. Por sua vez, aos comunicadores está posto o desafio de se in- tegrar num trabalho de interesse antes público que institucional, voltado para o bem comum e dirigido por conhecimentos técnico-científicos.

Um outro aspecto a se destacar, que vai além da definição e qualificação dos campos de atuação dos profissionais, é a nova configuração do quadro social, com a emergência de novos instrumentos de pres- são e de novas demandas informativas. A noção de direito sanitário se integra neste momento com a de- fesa ao direito à informação livre. Por fim, cabe responsabilizar comunicadores e sanitaristas para o exer- cício da ampliação do espaço público de debate das questões referentes à saúde, tanto os definidos pela legislação (conselhos, associações, comissões e outros) como os despertados pela inovação tecnológica no campo das ciências da vida.

O setor saúde tem na comunicação social um parceiro importante no novo diálogo que hoje se esta- belece com o setor produtivo, a partir de demandas de qualidade e de percepção de risco postas pela sociedade. A ética além do mercado é hoje uma realidade, mas que precisa de salvaguardas dadas pela ampliação do debate. Esta operação pode ser traduzida na passagem da figura do consumidor para a do cidadão. A possibilidade de que os papéis se equivalham (um consumidor cidadão, participativo nas re- lações de consumo e um cidadão consumidor, atento aos seus direitos) pode ser operada por um traba- lho conjunto de profissionais dos setores da saúde e da comunicação. O que uma ciência possibilita em termos de saber técnico, a outra completa na compreensão da dinâmica dos fluxos de informação e ge- ração de necessidades.

Por fim, abre-se hoje um novo espaço de circulação de informações, através da internet, que possi- bilita ainda uma maior interatividade entre o consumidor/cidadão e os órgãos de Vigilância Sanitária.

Uma vez que a informação em Vigilância Sanitária é sempre uma informação educativa e mobilizadora de novos comportamentos, o uso da internet tem tudo para se tornar um elemento privilegiado de am- pliação da participação social no controle das condições e dos riscos à saúde. Como se trata de um meio novo, ainda em busca de uma linguagem ideal, este é mais um convite ao trabalho colegiado entre pro- fissionais de saúde e de comunicação.

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