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A ENTREVISTA DE ANAMNESE Mônia Aparecida Silva

No documento PSICODIAGNÓSTICO - CLAUDIO HUTZ.pdf (páginas 92-97)

Denise Ruschel Bandeira

o iniciar o processo psicodiagnóstico, é fundamental a coleta de informações aprofundadas sobre o avaliando, focando as áreas mais importantes de sua vida e os mo​tivos que o levaram a buscar ​atendimento. Para o levantamento dessas informações, que irão fundamentar a formulação das ​hipóteses diagnósticas iniciais e, consequentemente, a escolha de instrumentos e técnicas a serem utilizados no psicodiagnóstico, os psicólogos, em geral, realizam uma extensa entrevista sobre a história de vida da pessoa. Em nossa prática,1 a realização desse tipo de entrevista inicial, denominada “entrevista de anamnese”, tem demonstrado ser um recurso fundamental que subsidia todo o processo de psicodiagnóstico.

A anamnese é um tipo de entrevista realizada para investigar a história do examinando, ou seja, os aspectos de sua vida considerados relevantes para o entendimento da queixa. Etimologicamente, a palavra vem do grego anamnesis, composta por “aná”, que se refere à ​lembrança, ao ato de trazer à mente, juntamente com a raiz “mnesis”, que significa recordar, fazer lembrar (Soares et al., 2014). Assim, anamnese significa trazer à consciência os fatos relacionados à queixa e à história do avaliando. Um de seus principais objetivos é a busca de uma possível conexão entre os aspectos da vida do avaliando e o problema apresentado (Cunha, 2000). Para esse tipo de coleta de dados, pressupõe-se que o informante detenha um conhecimento sobre a própria vida ou sobre a vida de quem está sendo avaliado, sendo necessário que ele recupere da memória os eventos significativos questionados pelo psicólogo. Na prática, quando se avaliam crianças, a anamnese é feita com os pais ou responsáveis. No caso de adolescentes, ela pode ser realizada com o próprio jovem, com os pais, ou com ambos, em momentos diferentes. Quando feita com os pais, a anamnese de adolescentes pode ser complementada e discutida com o jovem. Quando se trata de uma avaliação com adultos ou idosos, o processo geralmente é feito com o próprio paciente (exceto

em casos em que há um quadro psicopatológico que compromete a qualidade das informações, como, por exemplo, em casos de depressão profunda ou de problemas de memória).

A anamnese é um tipo de entrevista clínica direcionada a investigar fatos e, por isso, o psicólogo tem uma posição mais ativa nos questionamentos. Durante o processo, deve-se dosar o uso de interpretações ou mesmo de apontamentos, pois é um momento de coleta de informações. Deve-se evitar posicionamentos a respeito do avaliando, que poderão ser oportunamente retomados na devolução dos resultados.

A entrevista de anamnese tem caráter in​​ves​tigativo, priorizando o levantamento de in​​for​mações cronologicamente organizadas e que guiam a tomada de decisão sobre como prosseguir com a avaliação (Cunha, 2000). Por exemplo, no caso de um adolescente encaminhado ao psicodiagnóstico por queixa de dificuldades de aprendizagem, informações sobre como foi a vida escolar na infância são essenciais. Ao se detectar que as dificuldades já estavam presentes nos primeiros anos de escolarização, as hipóteses iniciais do psicólogo podem se direcionar a uma potencial deficiência intelectual, reforçando-se a maior necessidade de uma avaliação cognitiva. Quando as dificuldades não estavam presentes na infância e não há indícios de prejuízos na funcionalidade (i. e., capacidade de se comunicar adequadamente, autonomia para tarefas da vida diária e para o autocuidado, entre outras), a identificação dos possíveis acontecimentos que antecederam a dificuldade atual e do momento em que os problemas começaram a ocorrer podem sugerir a prioridade de outro tipo de investigação, como, por exemplo, a emocional ou comportamental.

Contudo, muitas vezes a cronologia da história de vida do avaliando não é clara. Os informantes podem expor suas ideias e ​pensamentos de forma pouco organizada. É nosso papel, então, tentar organizar essas informações em uma ordem cronológica, ajudando o informante por meio de pontos de controle da história. Por exemplo, se o informante não sabe identificar quando de fato começaram a aparecer os primeiros sintomas (idade da criança), podemos perguntar: “Isso foi antes ou depois de ela começar a caminhar?”, “Antes ou depois de ela entrar para a escola?”.

A anamnese geralmente é feita em ​forma de entrevista semiestruturada, ou seja, há um roteiro prévio contendo aspectos ​essenciais a serem abordados para orientar algumas pergun​tas, e esse roteiro vai sofrendo adaptações durante a entrevista. O psicólogo tem flexibilidade para adequar as questões ao background so​cioeducacional do informante, bem como pa​ra adicionar perguntas que considere relevantes. Pode-se também fazer adaptações no roteiro, de modo a deixar de questionar aspectos percebidos como não passíveis de ​resposta ou questões que já foram respondidas em um momento anterior. Por exemplo, frequentemen​te recebemos pacientes que utilizam os pri​meiros minutos da entrevista como forma de descarga emocional de seu ​-

sofrimento. Nesses minutos, já abordam vários aspectos que deveriam ser investigados por meio de um roteiro de anamnese. A sugestão, então, é que o ​psicólogo verifique se o que foi dito está claro para ele ou se é preciso investigar melhor alguns ​aspectos. O psicólogo também pode focar a atenção em questões que se revelarem mais informativas, de acordo com a queixa relatada. Em um caso de uma criança com enurese noturna, por ​exemplo, é muito importante investigar de forma mais detalhada como ocorreu o treino para controle dos esfincteres, tanto pelos pais como por ​pessoas que acompanham a criança.

Antes de iniciar a anamnese, é necessário estabelecer um rapport adequado com o informante, explicando os objetivos gerais da entrevista, bem como sua duração e seu papel no processo de psicodiagnóstico. Em geral, iniciamos essa etapa perguntando sobre o motivo da busca da avaliação. Dedicamos algum tempo para reforçar a participação do informante como algo essencial para o bom andamento do processo de avaliação e para responder às suas possíveis dúvidas. O psicólogo deve demonstrar interesse pelo que a pessoa relata e escutar com atenção os conteúdos das narrativas que ela traz espontaneamente. Deve-se deixá-la confortável e garantir que a “conversa” flua naturalmente. Nesse momento, o psicólogo não deve dar feed​backs sobre possíveis resultados da avaliação e deve ter cuidado com o uso de expressões e en​tonações que possam exprimir cobrança ou jul​gamento.

Durante a entrevista de anamnese, vamos construindo imagens e percepções sobre o avaliando, estando ele presente ou não. Alguns as​pectos relevantes podem ser observados quando o avaliando não está presente, como a visão do informante sobre ele e a forma como são apresentadas suas características e dificuldades. Pode ser que, ao final da entrevista, a imagem e as percepções que construímos inicialmente se modifiquem de forma substancial ou se mantenham constantes durante as sessões de avaliação. A partir do momento que ​entramos em contato com o próprio paciente, passamos a ter uma imagem de como ele de fato é, e a observar como se comunica e aparenta se sentir em relação à queixa. A comparação da nossa percepção advinda dos relatos da anamnese com aquela observada no contato direto com o paciente ao longo dos atendimentos pode ser uma rica fonte de informação.

Apesar de a entrevista de anamnese ter um papel fundamental no psicodiagnóstico, é importante considerá-la um recurso limitado. No encontro inicial com o avaliando ou com quem explicita a queixa, psicólogo e ​informante sofrem influências recíprocas de experiências prévias e de expectativas sobre o processo psicodiagnóstico. Um dos principais desafios é estabelecer uma comunicação que permita a evolução comum do entendimento das queixas atuais do paciente e de sua evolução no tempo. É quase impossível coletar todos os dados relevantes da vida do avaliando em uma entrevista. As informações são filtradas pela percepção de quem é entrevistado e, por vezes,

sujeitas a falhas em virtude de resistência, esquecimentos, distorções, omissões ou manipulações intencionais. Além disso, nem sempre o psicólogo está ciente de todas as questões importantes a serem tratadas na entrevista de anamnese, sendo necessário retomá-las em sessões posteriores do processo de psicodiagnóstico. Contudo, considera-se esse tipo de entrevista como um ponto de partida essencial.

O registro da entrevista de anamnese é um aspecto muito importante a ser considerado. O psicólogo precisa ter habilidades para perguntar, escutar, prestar atenção no informante e anotar o que ele diz. As respostas do entrevistado devem ser anotadas com exatidão e, preferencialmente, nas palavras dele, a fim de se evitar interferências da interpretação do psicólogo no registro. Anotar ao mesmo tempo em que se escuta pode ser desafiador, podendo-se perder informações da observação e causar certo distanciamento do informante. Confiar na memória e anotar tudo após a sessão pode ser arriscado, pois as informações serão filtradas pela escuta do psicólogo, perdendo-se partes importantes da fala do informante (Benjamin, 2011). Uma alternativa pouco utilizada é a gravação em áudio da entrevista de anamnese. As principais vantagens dessa forma de registro são a fidedignidade dos dados coletados, podendo-se rever a gravação e confirmar todos os detalhes quando se tem dúvidas. Além disso, o psicólogo pode dedicar-se mais à escuta e à observação durante a sessão. As desvantagens podem ocorrer quando, mesmo concordando com a gravação, o entrevistado se sentir desconfortável e omitir detalhes importantes por causa do registro em áudio. Em alguns casos, se o psicólogo tiver optado pela gravação e perceber, durante a entrevista, que a pessoa está se sentindo desconfortável, pode interrompê-la e justificar o fato ao informante. É importante enfatizar que qualquer registro em áudio ou vídeo tem implicações éticas. Deve-se sempre informar e pedir a autorização do avaliando ou do informante para todas as formas de registro. Recomendamos que o consentimento para o registro digital de informações seja feito por escrito e arquivado junto com os documentos produzidos na avaliação.

Em relação à duração, não há uma regra sobre quantas sessões devem ser destinadas à entrevista de anamnese. Em nossa prática de psicodiagnóstico, costumamos destinar o tempo de uma sessão e, posteriormente, se houver necessidade de checar informações adicionais, solicitamos ao avaliando ou ao seu responsável que respondam às dúvidas que tenham surgido. Geralmente utilizamos uma parte final de uma das sessões de avaliação para isso. Essas dúvidas podem emergir ao se escrever a história clínica ou no decorrer das demais sessões, com a observação ou o surgimento de novas informações do mesmo ou de outro informante. Pelo fato de o psicodiagnóstico ser um processo de duração limitada, é preciso usar o tempo disponível da forma mais eficiente possível. Em casos em que a história clínica tem riqueza de detalhes relevantes, como muitos acontecimentos na família e na vida do

avaliando, uma segunda sessão pode ser necessária.

Dependendo da área em que o psicólogo trabalhe, alguns aspectos da anamnese são mais importantes que outros. Cabe ao profissional selecionar as questões relevantes de acordo com os objetivos da entrevista, de modo a distinguir o que é fundamental daquilo que pode ser omitido na investigação. Existem modelos de anamnese preestabelecidos para ajudar o profissional com algumas perguntas importantes. Por exemplo, os serviços de saúde às vezes têm um roteiro de anamnese padrão para facilitar a coleta de informações por profissionais que não têm muita experiência. Na prática clínica, o psicólogo deve ter um roteiro básico, mas sua experiência e seu conhecimento do desenvolvimento esperado para cada fase da vida é que nortearão a entrevista.

A anamnese não é uma técnica exclusiva do psicólogo. Na área da saúde, ela é amplamente utilizada para o entendimento dos fatores envolvidos no processo saúde- doença. Nas diferentes áreas, tem em comum o objetivo de buscar informações da história da pessoa que orientem a elaboração de hipóteses, a busca do diagnóstico e a avaliação prognóstica.

ESPECIFICIDADES DA ENTREVISTA DE ANAMNESE COM

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