II. A evolução do Sector da Saúde
2.2.6. A era da revolução científica
O Renascimento terminou em meados do Século XVII, dando lugar à designada era da revolução científica16, durante a qual os cientistas se passaram a preocupar mais com a forma como as coisas ocorrem e não porque é que ocorrem.
Do ponto de vista da Saúde, foi o período no qual se verificaram avanços significativos em diversas áreas, entre as quais no estudo da Embriologia e da Circulação Sanguínea. Inventou-se o termómetro, se bem que já existissem formas antigas e mais rudimentares de medir a temperatura, e aperfeiçoou-se o microscópio, que também já existia há alguns anos, mas que a partir deste período passou a permitir a observação de material biológico.
As condições sanitárias da população estavam muito longe do que se poderia considerar como aceitável e a Saúde Pública, tomando por base estudos e relatos sobre a comunidade londrina, era muito descurada. As principais vítimas seriam as crianças, frequentemente deixadas ao abandono, internadas em asilos ou embarcadas para a América. Neste contexto, as crianças pobres não recebiam qualquer tipo de cuidados médicos. As doenças infecciosas atingiam, muitas vezes, uma elevada percentagem da população.
Em 1661, John Graunt, já mencionado no ponto precedente, publicou um importante livro com a análise das taxas de mortalidade durante um período de 60 anos, que teve um forte impacto sobre a classe médica. Na elaboração da obra teve a colaboração de Sir William Petty. Este político acreditava que os hospitais poderiam servir, simultaneamente, para o tratamento de doentes, a formação dos médicos e a investigação.
O contributo de Sir William Petty estendeu-se também à organização do sistema de saúde, por muito incipiente que ele na altura fosse. As suas ideias incluíam a separação de hospitais destinados às vítimas da peste, a criação de instituições especializadas na maternidade e de organismos públicos dedicados à saúde de determinados grupos profissionais, bem como a nomeação de um Conselho Geral responsável pela planificação da Saúde Pública (Lyons e Petrucelli, s.d.). Muitas destas ideias eram demasiado avançadas para o seu tempo e não foram aplicadas.
Contudo, os trabalhos estatísticos de Graunt tiveram consequências notáveis, passando a ser utilizados por muitos investigadores. Data da segunda metade do Século XVII a criação do conceito de esperança média de vida.
Este período assistiu também a uma maior preocupação do Estado com a saúde dos seus cidadãos, em particular nos principados germânicos. Um pouco por toda a Europa, os municípios continuaram a ser os grandes responsáveis pelas questões de Saúde, tendo- se verificado alguns melhoramentos no que respeita à higiene (recolha de lixos, limpeza de esgotos, abastecimento de água e respectiva fiscalização) e à construção de hospitais para tratamento de doenças agudas, já no Século XVIII.
Em 1754, em França, um édito sujeita a fundação de hospitais a prévia autorização régia. E, um pouco mais tarde, na década de 80, promulga-se um conjunto de leis que impõe a esses mesmos estabelecimentos um maior controlo por parte do Estado, inclusive no que respeita à sua contabilidade. A administração hospitalar continuava a ser ocupada pelos notáveis (clero e nobreza), embora já se começasse a fazer sentir a presença de uma nova classe em ascensão: a burguesia. O pessoal administrativo era constituído pelo tesoureiro, pelo ecónomo e pelo secretário. Estavam também previstos mecanismos de escrituração, controlo e autorização de despesas, bem como de sanções por incumprimento do disposto na legislação. Nos maiores hospitais, alguns cargos tinham ajudantes (Graça, 2000c).
Ainda segundo Graça (2000c), em Inglaterra vinha já sendo adoptado um modelo organizacional semelhante, que apontava, contudo, para dois níveis de pessoal: os
governors (pessoal dirigente) os officers (funcionários). Também em Portugal, no
Hospital Real de Todos os Santos, se fazia distinção entre “oficiais maiores” e “oficiais pequenos”. Os governors incluíam: o presidente, o tesoureiro, os vedores, os scruteners (responsáveis pelas ofertas e legados) e os fiscais. Os officers eram: a matron
(hospitaleira), os enfermeiros, o steward (ecónomo), o escrivão, o cozinheiro, o despenseiro, o porteiro, o cirurgião e o barbeiro.
A organização hospitalar deste período não parece preocupar-se muito com os cuidados médicos, dando mais atenção às questões do financiamento e dos serviços gerais, que alguns designam por hoteleiros. Os médicos continuam a não perder muito tempo nos hospitais, que estão entregues, essencialmente, aos enfermeiros. As enfermarias continuam a ser, em boa parte, um local de estadia ou abrigo dos seus utentes.
Foi neste último século que os cirurgiões franceses e ingleses conseguiram eliminar os últimos vestígios de supremacia dos médicos, colocando a sua classe em igualdade com a destes. Os barbeiros, salvo procedimentos menores, foram proibidos de praticar cirurgia.
Uma consulta por um médico qualificado era, contudo, muito cara, estando acima das possibilidades da maior parte das pessoas. Por isso, em pleno Século XVIII o recurso aos charlatães era ainda frequente. Por outro lado, os dispensários eram escassos e os hospitais não tinham ainda organização suficiente para dar uma resposta cabal à procura. Este vazio possibilitou o desenvolvimento dos boticários, que foram, gradualmente, substituindo os médicos na fatia de mercado que estes não ocupavam. Este século assistiu ainda à criação da primeira vacina contra a varíola (1796), cujo autor foi Edward Jenner (Sakellarides, 2006).
Este período caracterizou-se, portanto, pelo aparecimento, em Inglaterra, do primeiro estudo epidemiológico utilizando estatísticas sobre taxas de mortalidade e pelo aprofundamento da organização e gestão hospitalares. As questões relacionadas com o financiamento passaram a ocupar lugar de destaque.