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CAPÍTULO I A INDISCIPLINA

2- A escola e a socialização dos alunos

3.4. Regras, desvios e sanções

3.4.1 A escola e as regras organizacionais

Neste ponto, abordaremos a importância das regras na escola e a sua relação com a disciplina/indisciplina. Para Sara Delamont (1987: 52),

“todas as escolas possuem um conjunto de regras respeitantes ao comportamento dos alunos - é a esfera da disciplina, ou domínio institucional. No entanto, a extensão e a natureza do sistema de domínio institucional variam de escola para escola, do mesmo modo que o regime geral da escola penetra na sala de aula”.

Ivo Domingues (1995: 15), seguindo o pensamento de Licínio Lima, diz-nos

“Distinguimos na escola a existência de três tipos de categorias normativas: as regras formais, as regras não formais e as regras informais. As regras formais têm origem no nível estratégico do sistema (Ministério da Educação), são estruturadas, são de conhecimento obrigatório, circulam em

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suportes oficiais (decretos, leis, portarias, despachos e ofícios) e definem o organigrama. Porque visam a uniformização do sistema através de uma racionalidade formal-legal, são regras sempre em vigor e devem ser do conhecimento público”.

O mesmo autor (1995: 15-16) continua fazendo a distinção entre as regras não formais e as regras informais. Relativamente às regras não formais refere que

“ são elaboradas no nível intermédio do sistema (a escola), são estruturadas ou semiestruturadas, têm uma divulgação restrita e circulam tanto em suportes escritos como orais. Podem ser regras interpretativas das regras formais ou regras alternativas que procuram regular áreas de actuação não inteiramente cobertas por aquelas”.

As regras informais

“são regras que têm origem no nível operativo (na situação social), são não estruturadas, têm uma divulgação desconhecida. São comunicadas verbalmente ou têm uma existência implícita, dificilmente vislumbrável nos documentos escritos, sendo só perceptíveis nos comportamentos administrativos e sociais”.

Baseando-nos em Domingues (1995: 16), diremos que as regras informais, que frequentemente se confundem com as regras sociais, são as mais utilizadas pelos professores na escola e na sala de aula, são definidas pelos professores e alunos, servindo para regular as relações que entre eles se estabelecem. Os professores e os alunos negoceiam permanentemente, visando criar e recriar regras sociais para manter uma frágil ordem social na sala de aula. Na escola produzem-se, assim, regras não formais e informais que, muitas vezes, servem para omitir e substituir as regras formais.

Licínio Lima (1998, p. 64) apresenta alguns exemplos destas regras muito utilizadas pelos educadores de infância e pelos professores do 1º ciclo e “negociadas” com os alunos no início do ano:

“(…) deve-se trabalhar em silêncio, para falar, deve-se levantar o dedo; fala um de cada vez; deve-se ficar sentado no seu lugar, no fim do dia de aulas, deve-se deixar a sala arrumada, etc. - , as regras de distribuição de tarefas na sala de aula – apagar o quadro, distribuir os materiais escolares, distribuir o leite, etc.”.

Refere ainda, que ao longo do ano lectivo, o professor recorre a este tipo de regras para “sancionar” os comportamentos que infringem essas normas.

85 Descendo ao nível micro da sala de aula, para que as actividades escolares possam funcionar é necessário estabelecer regras que regulem os comportamentos, em geral, e a forma como os alunos devem desempenhar as tarefas que têm de cumprir. Regras claramente definidas facilitam o processo de ensino-aprendizagem.

Amado (2001: 99), referindo-se especificamente às regras na sala de aula e baseando-se em autores como Boostrom, Jackon, Boostrom e Hansen, diz-nos que elas têm dois grandes objectivos:

“ (…) por um lado, como instrumentos de socialização, visam criar "estruturas de pensamento" que permitam dar sentido às relações sociais. Por outro lado, elas surgem como recursos práticos da "gestão da aula" de modo a que, através delas, se possam regular as interacções e se consigam alcançar os objectivos de ensino-aprendizagem que é pressuposto presidirem às actividades.”

Maria Teresa Estrela (1995: 65), pronunciando-se sobre a importância das regras na sala de aula, afirma que

“(…) as regras em vigor na sala de aula, se estão ao serviço de um processo de socialização de ordem geral, servem especificamente um processo pedagógico de carácter singular, contextualmente localizado no seu aqui e agora e influenciado pelas dinâmicas relacionais que se geram entre os seus protagonistas.”

Amado (2001: 99), baseando-se no pensamento da autora anteriormente referenciada e referindo-se ao contexto particular das normas na sala de aula, refere que elas,

“(…) servem cinco funções principais: organizativas (estabelecem as condições da actividade),

reorganizativas (reformulam a situação criada em função de uma regra anterior), preventivas (regras

enunciadas prevendo e prevenindo situações indesejáveis), reforçadoras (uma espécie de slogans repetidos) e correctivas (visam pôr fim a um comportamento desviante) ”.

Conclui-se, então, que as regras na sala de aula são essenciais e desempenham funções fundamentais quer no plano social, quer no plano pedagógico. Elas regulam o “jogo interactivo” entre a “concórdia” e a “discórdia” (entre a “disciplina” e a “indisciplina”), exercendo uma função de “controlo social” (Amado, 2001: 100).

Geralmente, cabe ao professor produzir e definir as normas que lhe permitam exercer a sua actividade pedagógica na sala de aula, ao mesmo tempo que transmite normas sociais de carácter geral.

86 Para Marcel Postic (1990: 147), o docente

“no primeiro dia em que contacta com o grupo de alunos, estabelece de uma forma explícita as regras de ordem, de trabalho, determinando a actuação que todo o aluno deve ter em tal situação, ou então de uma forma implícita ao longo da vida escolar, mostrando, pelo seu comportamento, o que é permitido ou tolerado em tal circunstância. As normas elaboram-se também pelo processo de interacção porque os hábitos impõem-se, e o sistema de normas introduzido pelo docente é susceptível de ser posto em questão pela dinâmica do grupo dos alunos”.

No entanto, o professor pode pedir a colaboração dos alunos na definição dessas regras, o que será desejável, pois assim os estudantes não vêem as regras na sala de aula como impostas e injustas e aceitam-nas melhor. Silva (1994: 72), seguindo o pensamento de Jessup e Kiley, refere que

“os estudantes gostam de conhecer as regras e os regulamentos e é injusto esperar que eles as conheçam sem se ter falado nelas. O professor pode estabelecê-las sozinho ou podem ser os estudantes a estabelecê-las. Estas regras que os estudantes estabelecem, eles mesmos, são mais fáceis de forçar do que as que são impostas pelo professor e que os estudantes sentem como opressoras ou injustas. (…) se os professores tomarem o tempo para explicar aos alunos porque é que as coisas devem ser feitas de determinada maneira, as regras podem aparecer mais razoáveis aos olhos dos alunos. Dizem ainda que os professores são diferentes uns dos outros e o que é certo para um pode não ser para outro”.

A mesma autora (1994: 73), baseando-se em Furlong, diz que

“o professor tem mais poder no processo da negociação das regras, mas que os alunos devem participar e conformar-se. Refere ainda que se torna interessante quando os alunos, individualmente ou em grupo, definem a situação de um modo diferente dos professores, quando, por alguma razão, interpretam a aula aborrecida ou irrelevante ou como fonte de riso. Nestas ocasiões, os alunos estabelecem uma diferente definição da situação e a ordem é transgredida.”

Maria Teresa Estrela (1992: 52) partilha a mesma opinião acerca da participação dos alunos na definição das regras. Para esta investigadora,

“(…) da compreensão da legitimidade da regra decorre a probabilidade de ela ser aceite e respeitada. Se a regra não é considerada como legítima, ela surge aos olhos do aluno como uma arbitrariedade do professor que só será respeitada coercivamente. E o professor não se pode esquecer que a legitimidade das regras se liga à avaliação que os alunos fazem do exercício da autoridade do professor”.

87 Graça Fernandes, numa entrevista dada ao jornal Página da Educação, em Abril de 2001, pronunciando-se sobre este assunto,

“ O respeito não se demonstra com palavras e declarações de princípio, mas através de actos e atitudes. (…) Um exemplo: a construção das regras que deverão reger o trabalho e o convívio na sala de aula. A estipulação de regras no início do ano lectivo, dizem todos os autores, é indispensável ao normal funcionamento da classe. Decerto, mas não devem resultar de uma imposição unilateral. O seu efeito será tanto melhor quanto mais aprofundada for a participação dos alunos no seu estabelecimento, individualmente, e em assembleia de turma, juntamente com o professor e após o debate dos problemas. Se, para cada regra que consideraram importante, estabeleceram as consequências do seu incumprimento, se as regras se aplicarem ao professor do mesmo modo que aos alunos, haverá um funcionamento democrático da turma, em que cada um pode expressar livremente a sua opinião e a decisão colectiva será por todos respeitada.”

Porém, esta situação nem sempre se verifica. Há muitos professores que não explicitam convenientemente as regras e não pedem a colaboração dos alunos na sua definição, o que leva muitas vezes a situações de desentendimento que facilitam a irrupção de comportamentos inadequados na sala de aula. Rutherford, citado por Silva (1994: 68), confirma esta situação:

“Na verdade, muitas das regras da sala de aula não são nunca comunicadas aos alunos, embora se espere que eles sejam capazes de as cumprir. Se é verdade que a maior parte deles até é capaz de o fazer graças ao precioso auxílio do grupo de pares (os colegas), o qual se revela num poderoso instrumento de socialização e aprendizagem, outros há, porém, que vivem em permanente situação de conflito com o professor, com os colegas, com a escola e até mesmo consigo próprios”.

Amado (2001: 97), baseando-se em Vasquez & Martinez, parece compartilhar este ponto de vista uma vez que para ele “no processo de escolarização (…) as regras vão sendo interiorizadas por inculcação e por imitação, sem que a criança dê por isso, adquirindo um carácter de "óbvias" e de indiscutivelmente necessárias aos olhos da instituição, dos professores e dos próprios alunos”.

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