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ARQUITETURA E URBANISMO

A ESCOLA DE ANHAIA MELLO (1948-1952)

A doação da Vila Penteado à Universidade de São Paulo foi aprovada pelo Conselho Universitário, em 24 de outubro de 1946.31 Os proponentes, Silvio e Armando Álvares

Penteado, exigiram que a doação fosse condicionada à permanência da FAU no edifício, sendo, caso contrário, revertida aos herdeiros dos doadores. No mesmo dia o processo transitou na Congregação da Escola Politécnica, que aprovou o fechamento do curso de Engenheiro Arquiteto, pois era vedado o funcionamento simultâneo de dois cursos equivalentes na universidade.32 Essa ágil articulação deve ser creditada à Anhaia Mello,

bem como ao presidente da Congregação e diretor da Poli, Paulo de Menezes Mendes da Rocha. A ata da Congregação registrou a transformação do Curso de Engenheiros Arquitetos da Escola Politécnica na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,

“criada nos moldes do padrão federal, representada pela Faculdade Nacional de Arquitetura do Rio de Janeiro (1945): instalação do 1º ano do curso, em 1947, devendo funcionar, a partir de então, todas as cadeiras especializadas do curso de engenheiro arquitetos na Vila Penteado; criação do curso de Urbanismo a partir do 2º Semestre de 1947 ou 1948”.33

A doação foi efetivada dias depois com a outorga da escritura pública em 31 de outubro de 1946.34 Contudo, a doação exigia a formalização da FAU no prazo de dois anos e, para isso,

era necessária uma lei que criasse a nova faculdade.35 Por motivos desconhecidos, o

governador Macedo Soares não fez tramitar o Projeto de Lei, que só foi apresentado após a eleição do governador Adhemar de Barros em 1947. Em 15 de março de 1948 o novo governador enviou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei n. 60, de sua autoria, que dispunha sobre a criação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade de São Paulo.

31 Processo n. 9.163/46, da Reitoria da Universidade. Ver: BIRKHOLZ; Lauro B.; RONCA, José Luiz C. Op. Cit., p. 88.

32 O fechamento de um curso não era novidade na Escola Politécnica, que já havia extinto os cursos de engenheiro agrícola e

industrial.

33 Ata da reunião no livro de atas n. 14 da Congregação da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo p. 60-61 apud

BIRKHOLZ; Lauro B.; RONCA, José Luiz C. Op. Cit., p. 89.

34 O documento foi lavrado na residência de Armando Álvares Penteado, na Rua Ceará n. 2, com a presença dos outorgantes

doadores, do então reitor da USP, Antônio de Almeida Prado, tendo como testemunhas o diretor da Escola Politécnica, Paulo de Menezes Mendes da Rocha, o professor Luiz Inácio Romeiro de Anhaia Mello, Domício Pacheco e Silva e Ulisses Soares Caiuby.

Porém, as vésperas de se encerrar o prazo para efetivação da doação da Vila Penteado, o Projeto de Lei ainda não havia sido votado pela Assembleia Legislativa e estava longe de ser prioritário para os deputados.36 Mais uma vez a astúcia de Anhaia Mello foi decisiva.

Mesmo sem a criação legal da FAU, foi obtida autorização para que a universidade abrisse vagas para seu processo seletivo de 1948, sendo que os candidatos poderiam optar pelo curso de arquitetura da Politécnica, caso a Faculdade não fosse criada. A criação da FAU passou então a contar com a capacidade de mobilização de seus candidatos a estudantes, estimulados a pressionar os deputados pela criação da FAU:

“[...] Nós nos inscrevemos para fazer faculdade de arquitetura condicionalmente, porque a Reitoria não tinha como assegurar que ela fosse fundada naquele ano. E se ela não fosse fundada naquele ano, perderia o direito ao prédio doado pelos irmãos Penteado na rua Maranhão. Então, quero dizer, quando chegou a época do exame de habilitação, fomos comunicados de que a faculdade podia não ser fundada naquele ano e quem quisesse poderia optar por fazer engenharia. Vários colegas que optaram pela arquitetura foram para a engenharia, mas um grupinho permaneceu firme. E um grupo menor, uma meia dúzia de pessoas, do qual eu participava, passou a frequentar a Assembleia Legislativa, pressionando os deputados para aprovarem a lei de criação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo”.37

Sendo a primeira unidade da Universidade de São Paulo aberta às artes, a FAU encontrava candidatos com um perfil diferenciado, conciliando a intensa atividade editorial, política e cultural dos estudantes da Politécnica. Entre esses futuros alunos estavam, além de Hélio Pasta, José Egreja, Antônio Castro Alves de Carvalho, Marcílio Martins, Plínio Venanzi e Thereza Katinsky.

“[...] fomos procurar o Anhaia, porque ele era a pessoa que estava apontada pelo governador a comandar esse esquema [...]. Nós fomos procura-lo, uns 4 ou 5, entre eles o Marcílio [Martins], o [Antônio Carlos Alves de] Carvalho e eu, e ele nos expôs o plano e nos alertou justamente para isso: que o tempo era curto, porque havia uma doação da família do Conde Penteado daquela casa da

coisa afim e que o prazo estava se esgotando, porque a doação implicava na constituição das bases da faculdade. Ele então nos incentivou, e a coisa envolvia um pouco de política porque a aprovação dependia de verbas para a reforma e adaptação. E também porque a arquitetura era um negócio que não animava muito a liderança da Assembleia Legislativa do Estado. O pai do [José] Egreja era deputado da UDN e também nos ajudou por diversas razões, mas quem deu realmente um impulso para nós foi um deputado de Santos, de uma família tradicional, e também o Blota Junior que era um diretor da Rádio Record, conhecia o Artigas, e acabou fazendo uns editoriais na Rádio. Tivemos o apoio do jornal A Gazeta, que também publicou artigos nesse sentido”.38

A estratégia foi bem sucedida e em 21 de junho de 1948 foi aprovada a Lei n. 104, que em dezenove artigos criava a FAU e definia sua finalidade; seus dois cursos (graduação em Arquitetura e Pós Graduação em Urbanismo); suas trinta cátedras; a sequência das disciplinas dos dois cursos; que seu regimento provisório seria baseado no Regulamento da Poli e no Regimento da Faculdade Nacional de Arquitetura, devendo ser apresentado em um ano Anteprojeto de Regulamento próprio; o início do curso com a primeira turma em 1948; o encerramento das matrículas no curso da Escola Politécnica (que teve alunos formados até 1954); a regência preferencial das cátedras por professores de cátedras iguais ou afins da USP; a contratação de servidores não docentes; a quantidade livre de Auxiliares de Ensino; o aproveitamento de instalações e pessoal de cursos afins da USP; e crédito inicial de Cr$ 2 milhões para a organização da escola.

Criada a FAU, Anhaia Mello foi nomeado seu primeiro diretor. Os exames de ingresso ocorreram em agosto e as aulas foram iniciadas ainda no segundo semestre daquele ano, no antigo prédio da Escola Politécnica, no bairro da Luz, aonde permaneceu até a conclusão da reforma de adequação da Vila Penteado.39 Em novembro de 1949 a FAU se mudou para

o novo endereço, incorporando-se ao vibrante polo universitário da Vila Buarque, onde se encontravam o Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a Faculdade de Economia, ambos da USP; a Escola de Sociologia e Política; além da Universidade Presbiteriana Mackenzie.40 A proximidade com o centro da cidade,

onde se localizavam a maioria dos escritórios de arquitetura, o MASP, o MAM, o IAB e

38 Depoimento de Plínio Venanzi a João Sodré em 10/06/2008 apud SODRÉ, João. Op. Cit., p. 185.

39 A hipótese mais provável é que o anexo onde funcionou o ateliê tenha sido projetado por Ernest Mange. Contudo não

conseguimos resgatar a referência do texto de Geraldo Ferraz, onde encontramos essa informação. Outra possibilidade é que tenha sido projetado por Artigas (cf. Depoimento de Ariosto Mila a Sylvia Ficher [1985] apud FICHER, Sylvia. Op. Cit. p. 207).

escritórios das revistas especializadas, garantia vitalidade à vida estudantil e sintonia com o debate profissional e com a agenda cultural moderna.

O curso de arquitetura da Poli estava organizado pelo 9º regimento da escola, de 1943. Das cerca de dezenove Cadeiras que os alunos da Escola Politécnica deviam cursar para receber o título de engenheiro-arquiteto, apenas quatro eram específicas ou continham disciplinas específicas do curso. Eram elas:

‘Noções de Arquitetura e Construções Civis. Higiene das Habitações e História da arquitetura I e II’.41 Ramos de Azevedo foi seu primeiro catedrático, quando o nome

da cadeira era ainda Arquitetura Civil. Ao se afastar em 1928, assumiu Alexandre Albuquerque até seu pedido de exoneração em 1938. Bruno Simões Magro assumiu a cátedra em 1942, tendo como assistentes Ernesto Sampaio de Freitas, até 1945 (interino de 1940 a 1941), Zenon Lotufo, de 1944 a 1945, e Ariosto Mila, de 1946 em diante.42

‘Desenho Arquitetônico’. Foi regida primeiramente por Victor Dubugras até sua aposentadoria, em 1927, quando Prestes Maia, contratado como interino desde 1924, foi efetivado. Devido a proibição de acúmulo de cargos públicos, Prestes Maia optou por seu cargo na Secretaria de Viação e Obras Públicas em 1938, quando se tornou interventor do município de São Paulo. José Maria de Silva Neves defendeu sua tese em 1943 e assumiu a Cátedra no ano seguinte. Affonso Iervolino foi o interino nesse meio tempo.

‘Composição Decorativa. Modelagem’. Substituindo Domiziano Rossi em 1921, Felisberto Ranzini se efetivou professor da cadeira em 1931, tendo como assistente Caetano Fraccaroli a partir de 1944. Ranzini, no entanto, nunca teve o título de catedrático.

‘Estética. Composição Geral e Urbanismo I e II’. Esta cadeira foi criada em 1926, quando Anhaia Mello, fundador da Escola Politécnica em 1893 e catedrático de ‘Mecânica racional’, se tornou novamente catedrático. “De 1934 a 1937, seu assistente foi Silva Neves; em 1938, Zenon Lotufo; em 1939, Affonso Iervolino; em 1940, Lotufo e João Batista Vilanova Artigas; de 1941 a 1942, Artigas e Ariosto Mila.

Com a viagem de Artigas, Lotufo foi assistente em 1947 e Artigas reassumiu o posto entre 1948 e 1952.

Os oito professores ligados a essas quatro cadeiras44 formaram o corpo docente inicial da

FAU: os catedráticos Bruno Simões Magro (1882-1956), Luís Inácio de Anhaia Mello (1891- 1974) e José Maria da Silva Neves (1896-1978), o professor Felisberto Ranzini (1881-1976) e os assistentes Zenon Lotufo (1911-1985), João B. Vilanova Artigas (1915-1985), Ariosto Mila (1912-1987) e Caetano Fraccaroli (1911-1987).

O curso da FAU começou com uma turma de 26 alunos de primeiro ano em 1948 e, a cada ano, novos contratos de docência eram feitos à medida que novas disciplinas surgiam na grade, até completar o quadro docente dos cinco anos do curso. Apesar de ter suas próprias cadeiras definidas por lei, a FAU não tinha professores catedráticos, pois a abertura de concursos dependia da FAU ter seu regulamento aprovado em nova lei e de autorização do Conselho Universitário, que por sua vez era composta pelos professores catedráticos da Universidade. Desse modo, todos os professores da FAU entravam na categoria “Professor Contratado”, um cargo interino para professores de outras unidades da USP e precário para profissionais externos. A Lei 104 não apenas permitia que professores da Escola Politécnica acumulassem seus cargos com contratos na FAU, mas dava preferência para que suas cadeiras fossem regidas por professores de cátedras equivalentes da universidade. Na ausência de catedráticos concursados, havia um concurso de títulos dos candidatos ao contrato provisório para regência, avaliado pela Comissão de Ensino e Regimentos do Conselho Universitário. As cadeiras técnicas foram naturalmente ocupadas pelos professores de lá. Para as demais foram contratados novos professores, por meio de concurso de títulos. Daí que a maior renovação se deu nas cadeiras de Composição, Plástica e História, acompanhada de menor experiência docente e titulação. Afinal, seguindo o padrão federal, as cadeiras de composição passaram de três para sete e as de teoria e história, que não existiam, passaram a ser quatro. As de ciências diminuíram de nove para seis e as de construção aumentaram de sete para nove.

Desse modo podemos compreender a afirmação de Artigas:

“[A FAU] organizou-se adaptando-se ao currículo padrão que era o da Escola Nacional de Belas Artes, com suas disciplinas de Plástica, Modelagem, Arquitetura de Interiores, Grandes e Pequenas Composições, etc., mas também conservou o programa de ensino

técnico que caracterizava o curso de Arquitetura da Escola Politécnica”.45

A situação da nova FAU estava longe do ideal de independência almejado pelos arquitetos, mas representava um grande avanço em relação à Politécnica. Acreditava-se que o aprimoramento de um modelo de ensino mais independente se daria quando a faculdade tivesse seu regulamento próprio, o que possibilitaria os concursos para provimento das cátedras e, consequentemente, a formação da Congregação da FAU, que deixaria de se submeter ao Conselho Universitário. Para isso, em maio de 1949, Anhaia Mello nomeou uma comissão para elaborar o anteprojeto desse regulamento, composta por Bruno Simões Magro, José Maria da Silva Neves e por Vilanova Artigas.46 Este, porém, só foi enviado à

Assembleia Legislativa em 1954 e o número de catedráticos necessários para a formação da Congregação só foi obtido em 1968, um ano antes da Reforma Universitária acabar com o sistema de cátedras.

Apesar das limitações, enquanto diretor da FAU, Anhaia Mello teve grande liberdade para formar o quadro docente, convidando arquitetos e artistas para lecionar as disciplinas que mais tarde viriam a formar os Departamentos de Projeto e de História.

O Grêmio dos alunos da FAU, fundado em 5 de novembro de 1948, também pode ter influenciado na constituição de novos quadros para a escola. Desde o início os alunos foram ativos na definição de todos os rumos da escola, inclusive auxiliando o ensino com a montagem dos materiais didáticos por meio da pequena editora montada pelo Grêmio e mais tarde participando dos seminários de ensino e das reformas curriculares.47

Quando a primeira turma de arquitetos da FAU se formou, em 1952, a escola contava com 59 professores, sendo 25 engenheiros, 22 arquitetos e 12 professores com outras formações (matemáticos, sociólogos e principalmente artistas).

Entre os professores contratados48 durante as gestões de Anhaia Mello, entre 1948 e 1951,

e Bruno Magro, entre 1951 e 1952, os arquitetos podem ser agrupados entre os formados na ENBA do Rio de Janeiro: Abelardo Riedy de Souza (1908-1981/48-78), Hélio de Queiroz Duarte (1906-1944/49-76), Eduardo Corona (1921-2001/49-91), Alcides da Rocha Miranda (1909-2001/50-55) e Elisiário da Cunha Bahiana (1891-1980/51-53); e na Politécnica de São

Paulo: Ícaro de Castro Mello (1913-1986/50-55), Ernest Robert de Carvalho Mange49 (1922-

2005/50-68), Carlos Alberto Gomes Cardim Filho (1899-1990/51-55) e Miguel Badra Júnior (1919/52-54). Completavam o quadro Joaquim Bezerra da Silva (?-?/50-76), José Vicente Vicari (1909-1989/51-53), formado em Roma; Plinio Croce (1921-1984/52-66) e Milton Carlos Ghiraldini (1924-1976/52-76), formados no Mackenzie, e o arquiteto-paisagista Roberto Coelho Cardoso (1923/52-72), formado na Universidade da Califórnia. Observa-se, portanto, um número muito maior de arquitetos, e de formações distintas, do que no curso da Poli, sendo marcante a presença dos cariocas.

Entre os professores que não eram nem arquitetos nem engenheiros, foram contratados os artistas Vera Helena Rossmann Carvalhaes do Amaral (1916-2008, BA Nápoles/49-62), Zanine Caldas (1919-2001/50-52), Antônio Paim Vieira (1895-1988, Escola Normal SP/51- 53), Alfredo Oliani (1906-1988, ABA SP/51-53), Archimedes Dutra (1908-1983, Escola Normal SP/51-55), Vicente Larocca (1892-1964/52-53), Dante Jorge de Albuquerque (?- ?/52-54) e Bassano Vaccarini (1914-2002, Itália/52-55). Também foram contratados os professores do IME, Nelson da Silveira Leme (?-?/48-70) e Joaquim Dias Tatit (?-?/49-71), e o sociólogo da FFCL, Lourival Gomes Machado (1917-1967/52-53).

Entre os professores engenheiros, estavam os professores catedráticos da Poli, José Octavio Monteiro de Camargo (1901-1963, EP/48-63), João Augusto Breves Filho (1917- 2005/48-69), Henrique Jorge Guedes (1887-1973, EP/49-57)50, Ary Frederico Torres (1900-

1976, EP/49-58)51, Telêmaco Hippolyto Van Langendonck (1909-1994, EP/50-70), Luiz

Cintra do Prado (1904-1984, EP/50-74)52, Carlos Alberto Vanzolini (1903-1953, EP/51-53),

Lysandro Melo Pereira da Silva (1903-1993/51-57) e Pedro Bento José Gravina (1915, Nápoles/51-67). Completavam a lista, Eurico Cerruti (1911-1976/48-70), Guilherme do Amaral Lyra (?-?/48-70), Pedro Moacyr do Amaral Cruz (?-?/48-70), Jorge Leite Guedes (?- ?, EP/49-51), Vicente Chiaverini (1914-2011, EP/49-56), Raymundo José D`Araujo Costa (?- ?/50-52), Odair Grillo (1911-1996/50-54), Augusto Carlos de Vasconcelos (1922, EP/50-57), Luiz de Queiroz Orsini (1922, EP/50-59), Carlos Pereira de Castro (?-?/50-70), Rui Aguiar da Silva Leme (?-?, EP/51-61), Américo Oswaldo Campiglia (1909-2000/51-62), Sergio Fracarolli (?-?/51-62), Fernando José de Oliveira Escorel (1916-1964, EP/51-64), Alberto Hippolyto de M. Van Langendonck (?-?/51-66), Paulo Sampaio Wilken (1910-1995/51-68),

49 Ernest Mange formou-se em engenharia civil, embora tivesse cursado as disciplinas de arquitetura.

50 Henrique Jorge Guedes foi diretor da Politécnica entre 1938 e 1941 e novamente entre 1947 e 1950, portanto durante a

criação da FAU. Também fora Prefeito de São Paulo, sucedendo Anhaia Melo entre 1931 e 1932.

51 Ary Torres foi o criador do Laboratório de Ensaio de Materiais (1926) a partir do antigo Gabinete de Resistência de Materiais,

Leopoldino Wilson Paganelli (?-?/52-54) e Victor Froilano Bachmann de Mello (1926- 2009/52-70). A maioria destes já lecionava no curso de arquitetura da Politécnica.

O contrato padrão dos professores era de dois anos, podendo ser renovados indefinidamente. Enquanto muitos professores externos tiveram passagem curta, os professores interinos (de outras unidades da USP), e entre eles os catedráticos da Poli em especial, eram recontratados quase automaticamente. A vantagem para a FAU em ter catedráticos da Escola Politécnica regendo suas cadeiras, além do lema de Artigas “para a FAU, o melhor”, equivalia a garantir alguma voz no Conselho Universitário, enquanto para esses professores, lecionar na FAU significava não apenas maiores vencimentos pelo acúmulo de cargos, mas uma ampliação de seu poder na Universidade e o controle da FAU, pois apenas os catedráticos podiam assumir sua direção.

Os documentos encontrados permitem supor que, no início, Anhaia Mello, Vilanova Artigas e boa parte dos arquitetos formados na Escola Politécnica não viam problema na presença dos engenheiros; pelo contrário, julgavam que o forte ensino técnico oferecido pelos catedráticos da Poli seria a base da formação do arquiteto. Por outro lado, Anhaia promoveu uma clara renovação no ensino artístico e arquitetônico, sem precisar consultar os engenheiros. Não por acaso a primeira grande crise institucional da FAU, que fez com que o diretor pedisse afastamento de seu cargo, se deu pelo impedimento da contratação do arquiteto Oscar Niemeyer para lecionar na cadeira n. 17 ‘Composição de Arquitetura. Grandes Composições II’, do 5º ano.

“Eu lembro que por causa do Oscar Niemeyer, nós ficamos seis meses [sic] em greve em 51. Para você ver, o negócio americano, o macarthismo, o que ele gera... A reitoria tinha aprovado o nome dele e sei lá quem buzinou que ele era comunista e voltaram atrás. O nome dele estava aprovado”.53

Se durante o governo Adhemar de Barros, Anhaia Mello atingiu o auge de seu prestígio na universidade, conseguindo criar a FAU, sendo nomeado o primeiro vice-reitor da USP e estando à frente da Comissão do Plano e Execução da Cidade Universitária, a eleição do novo governado, o engenheiro e professor catedrático da Poli, Lucas Nogueira Garcez54,

da época, Garcez estava por trás.55 Para outros, era uma ofensiva de Zeferino Vaz, antiga

desavença de Anhaia Mello.56

A primeira turma de estudantes que havia militado pela criação da FAU perdia, no último ano, e de uma só vez, a possibilidade de ter Niemeyer como professor, bem como a proteção de Anhaia Mello na diretoria da escola. Os estudantes reagiram e entraram em greve reivindicando melhorias mais amplas no ensino da FAU. O presidente do GFAU, Romeu Solferino Neto, sobrinho de Artigas, proferia a posição dos estudantes:

“Nosso movimento é um protesto contra o atraso na indicação de professores, para diversas cadeiras de nossa escola, a demora na aprovação do regulamento da Faculdade, e o julgamento do concurso de títulos para a cadeira Grandes Composições, do 4º ano [sic], que foi vencido pelo arquiteto Oscar Niemeyer, de forma alguma se justifica. Além disso, o Conselho Universitário, anulando o seu próprio voto, não mais o aceitou como professor da Faculdade. [...]. Quanto ao caso do arquiteto Oscar Niemeyer, não se compreende porque o Conselho Universitário recusa os serviços de um profissional de capacidade mundialmente reconhecida. Tal atitude, não pode ser ditada pela melhoria do ensino em São Paulo e pelo progresso da arquitetura brasileira, em cuja defesa os estudantes levantam seu protesto”.57

Os jornais da época acompanharam os quatro meses de greve iniciada em 9 de maio de 1951 e os estudantes recebiam apoio de diretórios acadêmicos e integrantes da classe artística, como Paulo Autran, Tônia Carrero, Hebe Camargo, Carlos Thiré, Osny Silva, entre outros.58 O clima ficou tão acirrado que o Conselho Universitário, finalmente, propôs e

aprovou o fechamento da escola e, no dia 28 de junho, o reitor suspendeu as atividades didáticas e culturas da FAU por tempo indeterminado, “considerando o ambiente de indisciplina reinante no corpo discente”.59

“Era uma forma de repressão, obviamente. [...]. E nós ficamos órfãos de pai e mãe. Então, fecharam a FAU e nós fomos dormir no GFAU

55 “Garcez faz o enterro da cultura paulista”, Hoje. São Paulo, 10 de maio de 1951, s.p. apud SODRÉ, João. Op. Cit., p. 158. No

entanto, isso não impediu que a Comissão para o IV Centenário, constituída pelo governador, contratasse o arquiteto carioca para projetar o conjunto do Ibirapuera.

56 Essa hipótese é levantada por Nestor Goulart Reis Filho em entrevista a João Sodré apud SODRÉ, João. Op. Cit., p. 158. 57 “Em greve os universitários de urbanismo e arquitetura”, Correio Paulistano. São Paulo, 11 de maio de 1951, s.p. Ver

também: “Niemeyer impedido de lecionar na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo”, Jornal de Notícias. São Paulo, 12 de maio de 1951, s.p. apud SODRÉ, João. Op. Cit., p. 160.

58 “Em greve por tempo indeterminado os alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo”, Folha da Manhã. São Paulo, 8 de