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3 AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM E ESCRITA

3.4 A escrita: discussões preliminares

3.4.1 A escrita em uma concepção reflexiva

Dificilmente, um professor de língua materna não reclama da ineficácia da produção escrita de seus alunos. Dizem que eles não sabem escrever; que o vocabulário é “pobre”; que os textos ficam cada vez mais curtos. Tal situação denota a sensação de improdutividade diante da tarefa de ensinar a escrever. Certamente, diante de uma atividade de produção textual escrita é possível o professor identificar quais alunos não apenas não têm o que dizer quanto os que, além disso, não sabem como dizer. De um modo geral, os alunos não têm dificuldades em se expressar através da fala coloquial, mas diante de uma situação discursiva que exija a expressão formal, principalmente se escrita.

Moita Lopes e Rojo (2004), ao se referirem sobre o perfil do aluno do ensino médio como preveem as DCNEM (1998), dizem que o aluno

já deverá, é claro, ter apropriado-se, pelo menos parcialmente, de práticas letradas de uso da linguagem mais complexas e menos cotidianas, em leitura e compreensão de textos orais e escritos, assim como em sua produção de textos, devido, entre outros fatores, a sua escolaridade no Ensino Fundamental. Estas práticas mais complexas apresentam padrões linguísticos e textuais que, por sua vez, exigem já um certo conhecimento e uma certa prática de reflexão sobre o funcionamento da linguagem em uso e sobre suas propriedades (2004, p. 18).

Aprender a escrever, portanto, não pode ser visto apenas como habilidade motora. Higounet (2003), por exemplo, diz que a escrita não é apenas um procedimento destinado a fixar a palavra, transcrever a fala, um meio de expressão permanente. Para ele, a escrita é o que “dá acesso direto ao mundo das ideias, reproduz bem a linguagem articulada, permite ainda apreender o pensamento e fazê-lo atravessar o espaço e o tempo” (2003, p. 10). Ong (1998, p. 99) também diz que “um registro escrito, no sentido de uma escrita genuína, (...) não consiste em meros desenhos, em representações de coisas, é a representação de uma elocução, de palavras que alguém diz ou se imagina dizer”.

Convergente a essas ideias, Ribeiro (2012, p. 67) entende “a escrita não como um dom, que é dado de presente a algumas pessoas, mas como trabalho; como uma execução que não chega pronta, mas depende de dedicação, esforço e conhecimento”. Para ela, a edição de um texto, ou seja, as operações que fazemos para chegar a uma versão satisfatória, é parte fundamental do processo de produção.

Garcia (2003) fala da associação existente entre a escrita e o pensamento, haja vista que “as palavras são o revestimento das ideias e que, sem elas, é praticamente impossível pensar” (2003, p. 173). Para Garcia (2003), aprender a criar e organizar logicamente as ideias que se deseja apresentar em um texto faz parte da aprendizagem da escrita. Aprender a escrever, portanto, é aprender a pensar/refletir de modo a transpor por meio da escrita o que se pensou.

Olson (1995, p. 281) define o pensamento como “a atividade pela qual se faz de qualquer objeto um objeto de reflexão”. Uma escrita não quer dizer nova maneira de pensar, mas a concretização do pensamento conciliado à reflexão. Com isso, a escrita desenvolve a capacidade de reavaliar, estudar, reinterpretar e assim por diante o que se pensa, afetando positivamente a consciência e a cognição ao apresentar um modelo para o discurso, uma teoria para refletir sobre o que é dito (OLSON, 1995). Quem escreve, então, tem a possibilidade de refletir sobre o mundo representado e sobre a língua usada para representá-lo.

Os efeitos da escrita sobre as mudanças intelectuais e sociais não são de fácil compreensão [...]. O que realmente importa é aquilo que as pessoas fazem com ela, e não o que ela faz com as pessoas. A escrita não produz uma nova maneira de pensar, mas a posse de um registro escrito pode permitir que se faça algo antes impossível: reavaliar, estudar, reinterpretar e assim por diante. De maneira similar, a escrita não provoca mudança social, modernização ou industrialização. Mas ser capaz de ler e escrever pode ser crucial para o desempenho de certos papéis na sociedade industrial, também podendo ser completamente irrelevante para o desempenho de outros papéis em uma sociedade tradicional. A escrita é importante em termos de realização do que possibilita às pessoas: o alcance daquilo que objetivam ou a produção de novos objetivos (OLSON, HILDYARD e TORRANCE, 1985, p. 14, apud OLSON e TORRANCE, 1995, p. 7).

Sob essa visão apresentada por Olson, Hildyard e Torrance (1985), citados por Olson e Torrance (1995), entende-se que o que se faz com a escrita é o que demonstra se houve ganho ou não de autonomia, ou seja, não é o que a escrita faz com a pessoa, mas o que a pessoa é capaz de fazer ao praticar a escrita. É nesse ponto que se pode observar o uso das estratégias de aprendizagem.

Quem escreve pode revisar a sua representação, refletindo e optando pela escolha do substantivo, do verbo, do tempo, da melhor maneira de expor as ideias etc. É um processo de verificação em que o insight do discurso elaborado é essencialmente metalinguístico (OLSON, 1995). “A escrita estimula as pessoas a terem consciência do texto como objeto, bem como do conteúdo do texto. Presumivelmente, é isso que torna

a revisão de textos possível a quem tem maiores habilidades para escrever” (OLSON, 1995, p. 282).

Na escrita é possível eliminar incoerências, “escolher palavras com uma seletividade refletida que investe o pensamento e as palavras de novos poderes discriminatórios” (ONG, 1998, p. 121). A escrita torna possível a palavra, ainda que exteriorizada, ser eliminada, apagada, mudada. “As correções tornam-se tremendamente produtivas, pois como poderá o leitor saber se foram feitas?” (ONG, 1998, p. 121).

Respondendo a Ong (1998), se esse trabalho de escrita for feito mediante a utilização de um AVA, onde os textos são expostos, lidos e comentados por outros, refeitos e repostados, é possível tanto ao professor quanto aos colegas de turma perceberem alterações provenientes de correções, já que as postagens ficam registradas. Em um AVA em que a comunicação é predominantemente por escrito e assíncrona, a leitura e releitura do que se escreve antes de sua postagem é uma abstração reflexiva e somente na primeira versão de um texto postado não se pode definir se correções foram feitas.

Sobre o processo de produção textual poder tornar-se transparente mediante o uso de tecnologias digitais, Ribeiro70 (2012, p. 68) pondera ao falar de retextualização, cabível também à refacção e à reescrita71:

A retextualização, processo necessário à produção textual, ganha novos contornos e grande transparência quando executada e acompanhada por meio de ferramentas digitais. A questão que polariza processo e produto deixa de ser mistério, torna-se possível acompanhar o “raciocínio” do escritor. Em vez de receber dezenas de “redações” prontas dos alunos, o professor pode acompanhar o processo de produção textual, quase on-line, se desejar, inclusive dialogando com os aprendizes sobre a edição do texto, melhores alternativas, formulações e escolhas.

Com base em Gonçalves e Bazarim (2009, p. 8), que assim como Marcuschi (2008a), tomaram como base os “trabalhos de Abaurre, Fiad e Mayrink-Sabinson

                                                                                                                         

70 Ribeiro e D’Andréa (2010), em Retextualizar e reescrever, editar e revisar: Reflexões sobre a

produção de textos e as redes de produção editorial, tratam não só da diferença entre retextualização e reescrita, como também esclarecem suas semelhanças e diferenças com os termos revisar e editar enquanto práticas de intervenção textual. Os autores propõem que “toda retextualização é reescrita, mas nem toda reescrita gera uma retextualização” (p. 66), pois enquanto a retextualização muda a modalidade, por exemplo da fala para a escrita, a reescrita pode atuar apenas sobre o mesmo texto, em seu interior, sem alterar a modalidade.

71 Refacção e reescrita, segundo Marcuschi, tratam de “mudanças de um texto no seu interior (uma escrita

para outra, reescrevendo o mesmo texto) sem envolver as variáveis que incidem no caso da retextualização” (2008a, p. 46, grifos meus).

(1997) e Buin (2006)”, entendo a refacção como toda alteração automotivada feita pelo escritor em seu próprio texto, e a reescrita como toda alteração também feita pelo próprio produtor do texto, mas motivada por outros, como professor e colegas.  Já a

retextualização, de acordo com Marcuschi (2008a, p. 46, grifos meus), trata-se de “uma ‘tradução’, de uma modalidade para outra, permanecendo-se, no entanto, na mesma língua”, por exemplo, a passagem da fala para a escrita. Todos são possíveis de acompanhamento em AVA e suas práticas contribuem para ganho de autonomia no domínio da LM. Em termos de edição, por exemplo, elas se tornam perceptíveis em acréscimos, subtrações, substituições etc., além do “planejamento gráfico da página, isto é, a escolha de fontes, corpos de fontes, entrelinhamento, margens, alinhamento” (RIBEIRO, 2012, p. 69).

Os alunos que estudam em AVA podem ser denominados de alunos virtuais que utilizam a escrita para interagir no ambiente e realizar suas atividades. Das sete características de um aluno virtual de sucesso descritas por Palloff e Pratt (2004), com base em uma lista publicada no Illinois On-line Network, duas condizem com a prática de uma escrita mais reflexiva nesses ambientes. Uma afirma que os alunos virtuais são, ou passam a ser, pessoas que pensam criticamente, principalmente se participam de atividades interativas e colaborativas. A outra diz que a capacidade de refletir é fundamental para seu sucesso e primordial para aprendizagem on-line. Os autores afirmam que

[o] fato de apenas pedir aos alunos para responderem às questões de discussão e às mensagens de seus colegas é o suficiente para dar início ao processo de reflexão. Os alunos aprendem que um dos aspectos mais belos da aprendizagem on-line é que eles têm tempo para refletir sobre o material que estudam e sobre as ideias de seus colegas antes de escreverem suas próprias respostas. Estimular os alunos a escrever off-line é algo que ajuda o processo reflexivo (PALLOFF e PRATT, 2004, p. 33).

Ao utilizar um AVA, portanto, o aluno deve ser estimulado a fazer uso de sua capacidade de reflexão, seja sobre os resultados das atividades, seja sobre o processo de aprendizagem ou o conteúdo do curso, seja participando das atividades em si, registrando-a por escrito. Diário, fórum e tarefa são espaços propícios a isso e os resultados podem ser usados para ajudar o próprio aluno e a melhorar o que acontece no curso.