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1.2. A Gramática da Língua Materna

1.2.3. A Expressão de Resultado em Português

Como vimos, tanto o inglês quanto o espanhol utilizam-se de um tempo pretérito, perfectivo, para indicar uma conseqüência presente, um resultado presente de um evento passado: he hecho algunos cursillos, por isso fala bem espanhol e perdeu a chave, em conseqüência não a tem no momento que enuncia a sentença em inglês em questão.

(1.123) Hace varios años que vengo de vacaciones y además he hecho algunos cursillos en Inglaterra.

Faz muito tempo que venho de férias e além disso fiz alguns cursos na Inglaterra.

(1.124) I have lost the key. Eu perdi a chave.

Em português, no entanto, as sentenças (1.117) e (1.118) diluem essa idéia de estado resultativo no presente, de conseqüência presente. A sentença do espanhol é proferida usando o Pretérito Perfecto, porque indica uma conseqüência

presente de um evento passado. Já em português, muito provavelmente, para indicar causa, o falante usaria outra construção, uma vez que o pretérito perfeito simples não é associado à expressão de resultado, o valor semântico de resultado presente de ação passada não aparece nas gramáticas.

Contudo, num estudo mais minucioso do pretérito perfeito simples do português à luz do que enfatiza Ilari (1997:10), “nem sempre é fácil separar os valores autenticamente ‘temporais’ das expressões lingüísticas de seus valores aspectuais e modais”, poderíamos pensar em sentenças como essas no português:

(1.125.) Venha ver o que você fez.

Travaglia (1981:48) argumenta que o português apresenta duas formas de expressar a resultatividade, também chamada de permancividade, o que ele chama de resultatividade 1 e 2. O autor afirma que a resultatividade 1 indica um estado resultante de uma situação dinâmica que se concluiu. O nome permancividade é uma alusão ao fato de permanecer um estado em conseqüência do término de um evento, apontando como uma coisa foi adquirida. Ele dá como exemplos:

(1.126) Tenho a lição estudada33. (significando que estudou a lição no passado e agora ela está estudada).

(1.127) O jantar está preparado. (significando que preparei o jantar e agora ele está pronto)

O autor diferencia a resultatividade 1 da 2, afirmando que na 2 a situação se concluiu com o atingimento de um ponto terminal:

33

(1.128) Os funcionários varreram o salão. (significando que o salão está limpo)

(1.129)Teresa apagou a luz. (significando que agora está escuro)

Podemos observar que nos exemplos (1.122) e (1.123) apontados acima aparece o pretérito perfeito simples indicando um resultado presente. Nos demais exemplos de Travaglia, embora ele utilize as perífrases [Ter + Particípio] e [Estar + Particípio], o autor as parafraseia utilizando o pretérito perfeito simples, indicando que eles têm o mesmo valor semântico.

Castilho (2002:104) aponta que o perfectivo resultativo em português ocorre nas predicações estático-dinâmicas, associando um evento a um estado. Esta ação foi necessariamente tomada no passado e o estado presente é decorrente dessa ação. O autor afirma que as perífrases de particípio habitualmente codificam o resultativo. “Estar” aparece com 59% dos casos, “ter” com 32%, e os demais 9% estão divididos entre “continuar”, “andar” e “ficar”. Ele cita como exemplos:

(1.130) As provas estão corrigidas.

(1.131) A gente tem uma série de dados levantados.

(1.132) Ficou resolvido que não sairíamos de casa.

Castilho acrescenta que [Ter+Particípio] recupera a história do pretérito perfeito composto português, como se pode ver pela concordância do particípio passado, enquanto “ter” continua verbo pleno. Para ele, o traço de concordância é igualmente crucial para a interpretação resultativa em (1.132).

Segundo o autor, [Estar+particípio] também expressa resultatividade, principalmente na língua coloquial, como nos exemplos abaixo:

(1.133) Falou, tá falado.

(1.134) Combinou, tá combinado.

Podemos dizer, então, que o português do Brasil apresenta o pretérito perfeito de resultado, embora prefira indicar resultado através da perífrase [Estar + Particípio], como também aponta Neves (2000:64):

(1.135) O problema dos homens está resolvido.

(1.136) O Supremo falou, está falado.

Ilari (1997:51), a propósito da reiteração, aponta que:

Apesar de uma forte aparência superficial, as sentenças abaixo diferem na interpretação pelo fato de que em 1.137 a firma em questão corre várias vezes o risco de falência, ao passo que em 1.138 o perigo de falência se manifesta uma vez só, como conseqüência de uma escalada e de um efeito de totalização que inexistem em 1.137.

(...)

A oposição entre essas duas interpretações não pode ser explicada pelas características lexicais do verbo ou de qualquer outra expressão, que são exatamente as mesmas: deve resultar do contexto sintático.”

(1.137) Crises sucessivas têm deixado esta firma à beira da falência.

(1.138) Crises sucessivas deixaram esta firma à beira da falência.

O que Ilari chama de “efeito de totalização”, parece-nos assemelhar-se ao estado-resultativo que Michaellis (1998) e Castilho (2002) apontam. A sagaz

comparação do autor serve para nos mostrar como o tempo perfeito e a perífrase [Ter + Particípio] constroem sentenças de sentido parecido, mas não iguais. Como bem observa o autor, a diferença reside na estrutura sintática, mais diretamente no tempo do verbo usado. Enquanto a perífrase marca o aspecto [+durativo] e imperfectivo, o tempo simples marca o perfectivo e resultativo, totalizador, como chama Ilari.

Embora o português claramente tenha outras formas de indicar resultado, não se pode dizer que não existam formas corriqueiras com esse valor resultativo. Peguemos o diálogo abaixo, que usamos quase que diariamente:

(1.139) A: Venha ver o que você fez.

(1.140) B: O que foi que eu fiz?

(1.141) B: Não fui eu quem fez isso.

Podemos observar que os verbos em negrito, embora estejam todos no pretérito perfeito simples, não aludem somente a um evento no passado, e sim realça-se uma conseqüência dela no presente. Uma indicação clara da ênfase no momento da enunciação é o dêitico “isso” e a perífrase “Venha ver” indicando algo que pode ser visto no presente, que ainda existe, que perdura.

O diálogo acima, dado a falantes nativos do espanhol e do inglês para que o traduzissem, produziu as seguintes versões34:

(1.142) ¡Ven a ver lo que has hecho!

(1.143) ¿Qué es lo que he hecho? Yo no he hecho eso.

34

Como mencionamos anteriormente, estamos focando no valor resultativo do Pretérito Perfecto como sendo o mesmo para a Espanha e a América Latina. No entanto, embora existam outros valores regionais, não vamos nos ater nessas diferenças nesse trabalho pelos motivos já expostos.

E

(1.144) Come see what you have done!

(1.145) What have I done? I haven’t done this.

Como se pode observar, o português contemporâneo do Brasil utiliza também o pretérito perfeito simples para veicular o valor de resultado presente de um evento ou estado passado. Contudo, esse valor não é o mais usual e nem parece estar descrito suficientemente nas gramáticas. Como veremos a seguir, o fato de a interlíngua apresentar estruturas da língua materna, nos faz, mesmo estudando línguas estrangeiras, voltar aos valores da L1. Novamente, precisamos de estudos como o de Beline (2005), que esclarecem os valores e os usos correntes do português do Brasil, para dar conta de explicar as construções que vão aparecer na L2.

Capítulo 2

O Experimento