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3 Embasamento teórico

3.2 A Fonologia Lexical

O objetivo da fonologia lexical é estudar a relação entre o sistema sonoro e o sistema lexical das línguas por meio da observação da atuação das regras fonológicas, estudando as relações entre a estrutura morfológica de uma palavra e as regras fonológicas que a ela se aplicam.

Esse modelo teórico foi desenvolvido por Kiparsky (1982, 1985) e Mohanan (1982, 1985). Esses estudiosos postulam que o léxico de uma língua está organizado em uma série de níveis ou estratos, os quais são domínios para regras morfológicas e fonológicas. Isso implica que em cada estrato se aplicam tanto regras de formação de palavras (regras morfológicas) quanto regras fonológicas.

Em um mesmo estrato ou nível podemos aplicar regras morfológicas e fonológicas. As regras fonológicas são aplicadas depois de cada operação morfológica, ou seja, a saída de

cada regra morfológica é submetida, em seu extrato, a regras fonológicas (MATZENAUER, 2005).

A estrutura do léxico proposta pela Fonologia Lexical pode ser representada pelo esquema a seguir, proposto por Kiparsky (1982, p. 133):

Figura 8. Estrutura do léxico proposto pela Fonologia Lexical (KIPARSKY, 1982, p. 133).

Analisando a figura acima, verificamos que as setas que ligam o nível fonológico ao nível morfológico são reversíveis. Isto mostra que a fonologia lexical trabalha com a hipótese de que há uma interação e uma influência entre esses dois componentes da gramática (Fonologia e Morfologia) no momento de formação das palavras. Kiparsky (1982, p.131) também afirma que “the basic insight of level-ordered morphology is that the derivational

and inflectional processes of a language can be organized in a series of levels. Each level is associated with a set of phonological rules for which it defines the domain of application”.

De acordo com Halle e Mohanan (1983), em Segmental phonology of modern English, o número de estratos pode ser diferente de uma língua para outra; o que pode ser afirmado com toda certeza é que todas as línguas apresentam no mínimo dois grandes componentes: o lexical e o pós-lexical. A existência de dois domínios de aplicação das regras (léxico e pós- léxico) possibilita a intersecção da fonologia tanto com o léxico quanto com a sintaxe, como podemos verificar na figura 9.

Figura 9. Intersecção fonologia com léxico e sintaxe de Pulleyblank (1986, p.8).

No componente lexical, as regras se aplicam somente a palavras e no componente pós-lexical se aplicam tanto a palavras, como a seqüências maiores, por frases ou enunciados entendidos (Matzenauer, 2005, p.68).

Por propor a existência de dois grandes componentes – lexical e pós-lexical, a fonologia lexical apresenta uma série de princípios para auxiliar a determinação de como e onde se aplicar cada uma das regras. Os que merecem destaque são os seguintes:

a) Convenção de apagamento de colchetes (BRACKET ERASURE CONVENTION): Colchetes que marcam a estrutura morfológica são apagados ao final de

cada estrato. Assim sendo em uma palavra como centralizar, tal princípio se aplicaria da seguinte forma:

(39) nível 1: [[[centr]al]izar]

nível pós- lexical: [centralizar]37

b) Elsewhere Condition: Princípio que resolve o conflito entre duas regras

disjuntivas, ou seja, regras que não se ligam uma a outra, em determinado ponto da derivação. Quando uma delas é aplicada, a outra fica excluída.

c) Princípio de Preservação da Estrutura: Estabelece restrições às derivações,

determinando que delas (as derivações) não podem resultar estruturas não pertencentes ao sistema em questão. Proíbe a aplicação de uma regra se ela vier a produzir formas inexistentes no sistema subjacente da língua.

37

d) Condição do Ciclo Estrito (Strict Cycle Condition): Estabelece uma restrição à

ciclicidade, porque limita a aplicação de regras cíclicas a estruturas derivadas. Estrutura derivada é a que resulta da aplicação de uma regra morfológica ou fonológica.

Massini-Cagliari (1999, p.73-74) também postula que existem regras que podem ter aplicação em ambos os níveis (lexical e pós-lexical), como já afirmara Mohanan (1986, p.7):

“there also exists a class of rules which apply in both the lexical and the postlexical domain”.

De acordo com a autora:

as regras fonológicas [...] podem ter uma aplicação lexical e/ou pós-lexical e essas regras são tanto do tipo descrito pelo modelo prosódico, como as descritas pelos modelos auto-segmental e métrico. [...] O domínio de sua aplicação é que varia: as regras descritas pelos modelos métrico e auto- segmental podem se aplicar tanto lexical como pós-lexicalmente; as descritas pelo modelo prosódico, entretanto, só pós-lexicalmente. (MASSINI- CAGLIARI, 1999, p.73-74)

Uma das mais importantes diferenciações entre regras lexicais e pós-lexicais diz respeito à questão da ciclicidade. As regras lexicais podem ser cíclicas, enquanto que as pós- lexicais, não. Sobre esse assunto, Massini-Cagliari (1999, p.96) afirma que:

A escolha quanto à ciclicidade ou não de uma regra tem a ver com a própria organização do léxico em estratos. Reside justamente nessa organização estratificada a maior inovação proposta pelo modelo fonológico lexical. Nesse sentido, são os estratos - e não as regras - que são ou não cíclicos.

Kiparsky (1982, p.132), ainda sobre a ciclicidade, diz que “the rules of lexical

phonology are intrinsically cyclic because they reapply after each step of word-formation at their morphological level. […] the rules of postlexical phonology, are intrinsically noncyclic”.

Podemos definir as regras lexicais cíclicas como sendo aquelas que interagem com as regras morfológicas de forma direta e que se reaplicam após a cada processo de formação de palavras. Por sua vez, as regras lexicais pós-cíclicas são as que não interagem com a morfologia. E, por fim, as regras pós-lexicais se aplicam após a derivação das sentenças pelo componente sintático. Vejamos abaixo um quadro com as características das regras lexicais e das regras pós-lexicais:

Figura 10. Regras Lexicais e Pós-lexicais de Pulleyblank (1986, p.7)

Lee (1992, p.9) primeiramente postula que há quatro níveis no léxico do Português Brasileiro (PB):

(40)

Posteriormente, Lee (1995), em sua tese de doutorado, afirma que a Fonologia do PB apresenta dois grandes níveis – o nível lexical (1,2) e o nível pós-lexical (3). O nível lexical possui dois estratos: α (1), em que são definidas as formas básicas dos morfemas e no qual ocorrem os fenômenos de derivação; (2), em que ocorrem todas as formas produtivas e flexões regulares da língua (destaque especial para a flexão verbal, objeto de estudo desta dissertação).

Em relação ao nível pós-lexical, que representa a saída do léxico e sua entrada na sintaxe, Lee (1995) considera que deste nível em diante as regras não podem ser mais cíclicas e também não afetam as operações morfológicas. É neste estágio que acontece a composição do tipo especial, que trata de palavras do tipo homem-rã, garota propaganda, etc. Esses itens lexicais são compostos por palavras independentes.

Figura 11. Modelo da FL do PB (LEE, 1995, p.11).

Observando a figura acima notamos que em um mesmo estrato (α ou ) são permitidas várias afixações e a aplicação de diversas regras fonológicas, por exemplo, no nível α, em que ocorrem processos de derivação, composição e flexão irregular.

Portanto, a apresentação do modelo da Fonologia Lexical mostrou que tal teoria postula que as regras fonológicas operam em conjunto com as morfológicas no léxico de uma língua. Como a proposta desta dissertação é estudar os processos morfofonológicos, a fonologia lexical pode fornecer subsídios importantes para a representação e a análise dos dados.