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CAPÍTULO I A INDISCIPLINA

2- A escola e a socialização dos alunos

3.4. Regras, desvios e sanções

3.4.3. A função do castigo

O castigo é uma medida utilizada pelos professores com alguma frequência. As sanções encontram-se previstas na lei, quer sejam leis emanadas do Ministério da Educação, quer sejam regulamentos das instituições de ensino como é o caso do Regulamento Interno. Revestem formas variadas que podem ir da realização de tarefas extra-aula, proibição de participação em determinados eventos como visitas de estudo, proibição de utilizar determinados equipamentos, como computadores e determinados espaços, como a sala de convívio, expulsão da aula até à pena de suspensão (de um a dez dias). Muitas vezes o castigo é exigido pelos próprios alunos, em nome da ordem e do respeito na aula.

Ferre, citado por Silva (1994: 68), diz que

“a educação é um aprendizado social; ora toda a vida social implica regras a respeitar, e desde que, não se cumpram, sofrem-se as consequências repressivas da acção social. De resto, é preciso que as crianças aprendam, por experiência, que os seus actos comportam prolongamentos que afectam os próprios, que adquiram o sentido da responsabilidade, que não é mais do que a propriedade que um acto tem de recair

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sobre quem o pratica: não há melhor meio para isso que fazê-lo recair, sendo repreensível, sob a forma de punição”.

Silva (1994: 79), baseando-se na obra de Voeltzel, refere que os motivos que levam os professores a castigar os alunos são:

“- De ordem pessoal: o sistema disciplinar, facilitando a acção do mestre, diminui a fadiga, a tensão nervosa, contribui para a manutenção do estado de saúde. Concebido por cada um, responde às exigências do carácter, contribui para a autoridade, para o prestígio do educador.

- De ordem pedagógica: os professores não concebem o trabalho sem a calma, sem a ordem indispensável, sem a existência duma atmosfera propícia à actividade do grupo; o sistema disciplinar deve permitir as condições mais favoráveis para solicitar, manter e reforçar o poder de atenção dos alunos, atenção tão fugidia, tão difícil de obter nos meios urbanos, e sem a qual a criança não pode participar na sua própria educação.

- De ordem moral: o emprego das sanções contribui para a aquisição de hábitos, factores de educação moral: «o receio do polícia é o começo da prudência», afirmam alguns professores. Incita, também, o aluno a constranger-se, a resistir aos seus caprichos, progressivamente, à autonomia moral.

- De ordem social: a vida em grupo habitua a criança a não incomodar os outros, condu-la a uma limitação dos seus actos, faz-lhe compreender a necessidade dos constrangimentos; é preciso que faça a experiência do necessário e do impossível, da sua impotência para bastar-se a si própria, principalmente para manter a sua moralidade. Os sucessivos chamamentos que as sanções constituem amparam-na na aprendizagem da futura vida social em que se integrará.”

Ainda Voeltzel, citado pela mesma autora (1994: 79), diz

“No entanto há professores, em número ínfimo, na realidade, que consideram o sistema disciplinar como uma tábua de salvação, sem a qual não poderiam satisfazer a sua tarefa; não dispensam a necessidade duma vida escolar, estritamente regulamentada, com uma aplicação regular, contínua, rígida até, dum sistema de sanções; evidentemente que demonstram falta de confiança suficiente neles próprios”.

Que efeitos produzirá o castigo sobre os alunos? Serão os castigos eficazes para dissuadir os comportamentos de indisciplina?

O uso da punição como controlo do comportamento tem sido um tema controverso entre os teóricos da aprendizagem e os educadores. Sprinthall (1997: 260) diz que

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“ O controlo através de meios aversivos poderá provocar um contra-ataque; sonhar acordado; desistir da escola, cometer actos de vandalismo e recusar aprender tarefas constituem indicações comuns de tentativas de evitar o controlo aversivo”

O mesmo autor (1997: 262), referindo-se especificamente à sala de aula, refere que

“ A punição na sala de aula surge geralmente sob a forma de reprovação do que o aluno fez ou de retirada do reforço positivo. Uma reprovação severa por parte do professor poderá constituir uma forma eficaz de controlar comportamento, mas não promove amor à aprendizagem.”

Curwin, citado por Amado (2001: 175-176), pronunciando-se sobre o castigo, diz que o mesmo

"produz o efeito de travar a indisciplina por um tempo curto, mas não produz uma mudança de comportamento duradoura. Só detém temporariamente a acção que se castiga".

E, acrescentamos nós, este efeito só acontecerá se a acção ocorrer no período imediato após a ocorrência do comportamento desviante, como defendem as teorias behavioristas.

Amado (2001) refere que, contrariamente ao que se possa pensar, os procedimentos disciplinares punitivos não caíram em desuso nem foram relegados para o “museu da Pedagogia”, continuam a ser utilizados, embora de forma diferente do passado, e muitas vezes os próprios alunos consideram a “punição como justa e necessária”.

O mesmo autor (2001: 177); continuando a sua exposição sobre o assunto, refere que

“o principal requisito dos procedimentos disciplinares punitivos é o da sua razoabilidade; isto é, torna-se necessário que o aluno perceba que a exigência que é feita e o castigo que se impõe têm uma razão de ser, e que não está diante de uma simples exibição de poder e arbitrariedade.”

Continua, dizendo que

“Entre outros requisitos, contam-se, ainda, o da adequação, que torna estes procedimentos proporcionais à gravidade do problema, e o da consistência, exigindo a sua aplicação a todos e em circunstâncias semelhantes”.

Se os requisitos apontados não forem cumpridos, o aluno mergulhará em sentimentos de incerteza e confusão o que poderá levar a maiores conflitos de poder entre

92 alunos e professores, pois os primeiros podem ver a acção dos segundos como “injusta”, “arbitrária” e “prepotente”.

Concluímos este aspecto, citando Amado (2001: 177-178). Para este autor,

“relacionada com a problemática da indisciplina, a "necessidade" da punição fundamenta-se, supostamente, na ideia de que esse tipo de comportamentos tem como factores fundamentais a má vontade, o desinteresse e a "má educação" do aluno. É certo que, em Educação, "punir" tem como objectivo fundamental induzir a "mudança de comportamento" (…) mas não há dúvida de que, na realidade, se mantêm ainda as facetas tradicionais de expiação, de dissuasão e de exemplaridade, mais difíceis de justificar enquanto processos educativos.”

A eficácia dos castigos é muito relativa. Amado, numa entrevista dada em 26 de Maio de 2006 ao jornal a página, confrontado com a questão: Expulsar um aluno que dá

problemas da sala de aula ou suspendê-lo durante alguns dias é uma das formas possíveis de resolver a questão? (da indisciplina). A resposta dada pelo investigador foi que

“Estas medidas, só em casos muito excepcionais, dão um resultado positivo e persistente. Na maioria dos casos têm um efeito pontual, circunstancial; geralmente agravam mais os problemas do que os resolvem. Certos alunos vêem a sujeição a essas medidas como motivo de orgulho e de satisfação.”

Perante esta resposta, conclui-se, pois, que algumas medidas punitivas não apresentam os resultados esperados por quem as aplica. Esses resultados são transitórios e muitas vezes contrários ao objectivo inicial. Os alunos prevaricadores são vistos pelos seus pares como “heróis” e quando tal acontece a tendência é para a repetição dos comportamentos indisciplinados.

Alguns autores apontam o surgimento de perturbações emocionais a longo prazo, resultantes da aplicação de punições. Sprinthall (1997: 263) diz-nos, no entanto, que ainda não existe uma resposta conclusiva sobre este assunto. Segundo ele,

“A visão tradicional, quase lendária, é que a punição está muito envolvida na origem das perturbações comportamentais. Um teórico18 sugeriu uma longa lista de problemas provocados pela punição, que incluía a rigidez, desvio social, ajustamento pobre e regressão. No entanto, outros

18 Trata-se de Maurer, A. (1974)

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psicólogos não têm tanta certeza. Um especialista19 no campo da punição argumenta que muitos dos procedimentos da punição não produzem consequências emocionais a longo prazo.”

Continua a expor as suas ideias, referindo que,

“ Muitos dos especialistas20 em modificação do comportamento inclinam-se para a possibilidade de

diminuição ou minimização dos alegados efeitos secundários da punição, se esta for administrada correctamente e se os comportamentos alternativos estiverem disponíveis e forem encorajados”

Conclui este assunto, chamando a atenção para o cuidado que se deve ter na aplicação de estímulos aversivos na sala de aula. Diz a esse respeito:

“O uso de estímulos aversivos na sala de aula, quer sob a forma de reforço negativo, quer sob a forma de punição deverá ser visto com uma precaução extrema. Embora seja certamente um meio eficaz de controlar o comportamento, raramente dá ao aluno uma atitude positiva face à aprendizagem. (…) Punir um aluno por um determinado comportamento não significa necessariamente que o aluno pare de apresentar esse comportamento. (…) Se se utilizar a punição, esta deverá ser feita com moderação e juntamente com o reforço positivo da resposta alternativa. Isto é, enquanto a punição suprimirá o comportamento indesejável, o reforço positivo deverá ser utilizado para fortalecer um comportamento socialmente aceite.”

Com base no sábio ditado popular de que “não se caçam moscas com vinagre!” concluiremos facilmente, que não é também com repreensões, expulsões ou outras medidas punitivas, que se combatem problemas de comportamento, embora alguns se possam minimizar. Uma das formas mais relevantes de o fazer é, sem dúvida, a adopção de outro tipo de atitudes e de pedagogias mais activas, com base em estratégias atraentes, que acabarão por motivar e ocupar mais os alunos e apostando definitivamente na prevenção do fenómeno da indisciplina na sala de aula e na escola. Como diz Daniel Sampaio (1996: 14),

“ Para que a indisciplina não brote quase por geração espontânea, é útil que o professor tenha bem presente a importância dos aspectos relacionais com os seus alunos. Se o professor continuar a valorizar apenas a sua função de instrução (transmitir conhecimentos), é mais provável que os conflitos disciplinares apareçam. Para evitar tal situação, a tónica da acção da escola deverá centrar- se na prevenção da indisciplina e não na forma de a controlar”

19 Trata-se de Walters, G. e Grusec, J. (1977)

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