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2 A COBRANÇA DO CRÉDITO FISCAL

2.1 Crédito fiscal

2.1.2 A ideia de justiça fiscal

O exercício do poder tributário pelo Estado, historicamente, não tem a simpatia da sociedade. Além de sempre representar um desgaste político, muitas vezes levou a consequências graves como levantes populares, a exemplo da Inconfidência Mineira, e até mesmo a queda de regimes, como aconteceu por ocasião da Revolução Francesa e da Revolução Americana73.

Segundo Casalta Nabais há referências ao exercício desse poder com expressões como ―despotismo mascarado‖ ou ―leviatão fiscal‖. Tudo por conta da crescente carga tributária necessária para sustentar o aumento contínuo das despesas públicas74, sempre ampliado em razão das diversas funções que se foram agregando ao Estado pelos textos constitucionais.

Em comum nos eventos históricos apontados, estava a questão da tributação excessiva e consequente rejeição fiscal. Naquelas ocasiões, a enorme exigência fiscal levou a uma sensação geral de insatisfação na população. O sentimento era de que os limites do Estado Fiscal teriam sido ultrapassados a ponto de instalar-se uma disfarçada apropriação estatal dos bens e recursos dos cidadãos.

Daí, portanto, a necessidade de que a tributação obedeça a critérios próprios de um regime democrático. Ou seja, que haja efetiva participação e concordância do contribuinte na parcela de seu patrimônio que será disponibilizada para o financiamento compartilhado da atividade estatal.

A democracia representativa e o princípio da legalidade tributária que nela se concretiza, embora tenha constituído um avanço no sentido da implementação do lema da

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VIOL, Andréa Lemgruber. A finalidade da tributação e sua difusão na sociedade. In: SEMINÁRIO DE POLÍTICA TRIBUTÁRIA, 2., 2005, Brasília. Anais eletrônicos... Brasília: RFB, 2005. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributarios/eventos/seminarioii/texto02afinalidadedatributacao .pdf>. Acesso em: 17 mar. 2012.

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MARTINS, Marcelo Guerra. Tributação, propriedade e igualdade fiscal sob elementos de Direito e

Economia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 198.

revolução americana ―no taxation without representation‖75, parece já não ser mais suficiente para legitimar a tributação76 se não aglutinar valores como a capacidade contributiva.

Portanto, hoje há outros elementos, também de estatura constitucional, a serem considerados na implementação de uma proposta de ―democracia fiscal‖, ou melhor, na busca de concretizar o ideal de justiça fiscal.

Em qualquer teoria da justiça, o que é plenamente aplicável ao aspecto da fiscalidade, remete, sobretudo, a igualdade, como leciona Amartya Sen: ―cada uma das proeminentes teorias da justiça tende a envolver alguma forma de tratamento das pessoas como iguais, em algum nível fundamental (fundamental para a respectiva teoria)‖77

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Consoante sustenta Luigi Vittorio Berliri, a justiça será sempre um ideal, algo impossível de comprovar cientificamente, um elemento qualitativo que se alcança apenas por aproximação78. Contudo, a doutrina aponta possíveis parâmetros para tributação fiscalmente justa.

Assim é que, reportando-se uma vez mais à lição de Klaus Tipke79, o conceito de justiça fiscal apreende a ideia de que todos os contribuintes devem, por meio da tributação, fornecer os recursos financeiros necessários ao Estado, na medida de sua real capacidade contributiva, agregando com isso, princípios de igualdade, liberdade, legalidade. Trata-se de um preceito orientador não só das leis de incidência tributária, como nas leis de execução e aplicação dos tributos. Remete à observância de valores essenciais à tributação, primordialmente a capacidade contributiva (art. 145, §1º, da CF/88), que pode ser considerado seu núcleo essencial.

Marcelo Guerra Martins, em estudo sobre o tema, aponta para existência de três fundamentos sobre os quais se edifica uma democracia fiscal. As bases de uma tributação democrática estariam fincadas na garantia de liberdade material dos cidadãos, igualdade de sacrifícios perante o fisco e menor inibição possível da atividade econômica legal:

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YAMASHITA, Douglas. Limitações constitucionais ao poder de tributar. In: RODRIGUES DO AMARAL, Antonio Carlos (coord.). Curso de direito tributário. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 57-90.

76 NABAIS, José Casalta. Dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2009, p. 218. 77 SEN, Amartya. A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das letras, 2009, p. 328.

78No original: El hecho es que la ―justicia‖ como la ―beleza‖ y la ―bondad‖, quizá pueden ser objeto, pero nunca resultado de la ―ciencia‖. La justicia es algo que no se ―demuestra‖, sino que se ―siente‖, y es especialmente um

concepto límite, uma tendência, que casi siempre se realiza sólo por aproximación. Es más, incluso allí donde sea posible conseguir la justicia perfecta, nunca son decisivos para demostrar la bondad de los resultados obtenidos los instrumentos y las fórmulas del científico, sino sólo la sensibilidade al contrario de las

―consciencia económico-social‖, la cual, al contrario de las valoraciones científicas, es tan sutil en las

apreciaciones cualitativas como burda en las cuantitativas. BERLIRI, Luigi Vittorio. El impuesto justo. Madri: Instituto de Estudios Fiscales, 1986, p. 58.

79 TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça fiscal e o princípio da capacidade contributiva. São Paulo:

Em resumo, a democracia fiscal, sob o manto aqui sugerido, somente será possível em regimes que garantam a propriedade e a livre-iniciativa, bem como, notadamente por meio de uma tributação perpetrada sob a cláusula da razoabilidade, tendam a promover a igualdade material por intermédio de políticas públicas, cujos custos

sejam financiados primordialmente por exações ―diretas‖, além de inspiradas na

capacidade contributiva do sujeito passivo80 .

No entendimento do autor, estes seriam os elementos indispensáveis e indissociáveis para implantação da justiça fiscal. Regime de tributação semelhante, implicaria numa maior adesão dos contribuintes.

Na verdade, o que se impõe atualmente é um Estado Fiscal garantidor de uma tributação fincada na máxima da solidariedade social que não onere excessivamente a propriedade, esvaziando o princípio da livre iniciativa e interferindo negativamente na atividade econômica. Isso porque, pelo menos em tese, o crescimento econômico contribuiria para que as pessoas obtivessem um incremento patrimonial e de renda que as possibilitasse satisfazer diretamente suas necessidades individuais, diminuindo a dependência de políticas públicas distributivas.

Justiça fiscal remete a ideia de justa tributação, ou seja, aquela pautada na igualdade, de tratamento e de responsabilidades dos contribuintes. Portanto, o compromisso do cidadão com o aporte de recursos financeiros indispensáveis ao Estado, via tributação, deve ser o mais equânime possível. Dessa forma, a atividade tributária terá aptidão para desempenhar o papel de instrumento de coesão e responsabilidade social81.

Segundo Giovanni Gianola, ―o desafio do fim do século, portanto, é fascinante e terrível: ser reconstruída sua nova base; isto para garantir um modelo não apenas de igualdade, mas de verdadeira solidariedade e cooperação‖82

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