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2.2. Currículo tradicional

2.3.1. Os currículos críticos de Educação Física

2.3.1.1. A identidade docente, segundo os currículos críticos de Educação Física

Embora as duas propostas curriculares críticas da Educação Física apresentem diferenças significativas no referencial em que estão apoiadas, na sua visão de mundo e, por consequência, na proposição de um caminho a ser percorrido durante a vida escolar do educando, elas convergem para uma mesma direção se pensarmos no processo histórico da constituição da identidade docente em Educação Física.

Tanto a proposta do Currículo superador quanto a do Currículo Crítico-emancipatório da Educação Física objetivam que o docente assuma o seu papel como professor e não mais como outro profissional ligado ao vasto campo de atuação da Educação Física fora do ambiente escolar.

Este deve ser um sujeito político, social e cultural e, portanto, os conteúdos não podem ser ensinados de forma a reproduzir aquilo que já está dado na sociedade. É necessário ao docente, nas duas propostas:

[...] procedimentos didático-pedagógicos que possibilitem, ao se tematizarem as formas culturais do movimentar-se humano (os temas da cultura corporal ou de movimento), propiciar um esclarecimento crítico a seu respeito, desvelando suas vinculações com os elementos da ordem vigente, desenvolvendo, concomitantemente, as competências para tal: a lógica dialética para a crítico-superadora, e o agir comunicativo para a crítico-emancipatória. Assim, conscientes ou dotados de consciência crítica, os sujeitos poderão agir autônoma e criticamente na esfera da cultura corporal ou de movimento e também agir de forma transformadora como cidadãos políticos (BRACHT, 1999, p. 81).

Podemos então considerar que a identidade docente em Educação Física para o Currículo Crítico-superador e Currículo Crítico-emancipatório está centrada na intersecção entre a cultura do educando, sua leitura da sociedade e o saber científico específico da área a ser ensinado como conteúdo escolar.

Para o Currículo Crítico-superador:

Todo educador deve ter definido o seu projeto político-pedagógico. Essa definição orienta a sua prática no nível de sala de aula: a relação que estabelece com os seus alunos, o conteúdo que seleciona para ensinar e como o trata científica e metodologicamente, bem como os valores e a lógica que desenvolve nos alunos. É preciso que cada educador tenha bem claro: qual o projeto de sociedade e de homem que persegue? Quais os interesses de classe que defende? Quais os valores, a

ética e a moral que elege para consolidar através de sua prática? Como articula suas aulas com este projeto maior de homem e de sociedade? (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 26, grifo nosso).

Para o Currículo Crítico-emancipatório:

Para uma instituição repressiva como o esporte, a libertação de uma coerção auto-imposta implica, para uma pedagogia crítico-emancipatória, uma nova forma de coerção, desta vez imposta pelos próprios professores. Para que os alunos possam se libertar desse “comodismo da menoridade voluntária”, o professor deverá exigir que

os alunos lutem contra "a falsa consciência e as ilusões objetivas” do esporte. Isso,

pelo menos no início, se apresenta como uma exigência muito severa [...] O ensino deve fomentar, para tanto, a capacitação dos alunos para um agir solidário, nos princípios da codeterminação e autodeterminação. Essas interações de alunos-alunos, alunos professor e professor-alunos não podem acontecer sem a participação da linguagem. Linguagem esta “mediação simbólica” referida por Habermas (1981) nas “ações comunicativas” de pelo menos dois agentes em busca de entendimentos racionais (KUNZ, 2004, p. 36-37, grifo nosso).

A identidade então constituída pelas propostas curriculares críticas da Educação Física, conferem ao docente o papel de professor (não de militar, agente de saúde, personal training, treinador, preparador físico ou recreador), o qual busca em suas aulas, em alguma medida, conduzir os alunos à reflexão sobre a realidade social por meio das manifestações corporais.

Quadro 7 - A identidade docente constituída pelos currículos críticos de Educação Física

Principais características dadas pelo currículo

Identidade docente (ou profissional) constituída Currículo Crítico-superador Transmissão dos conhecimentos científicos relacionados à cultura corporal visando à superação do senso comum.

Professor

Currículo Crítico-emancipatório

Ensino dos esportes tradicionais (considerando também sua prática popular)

como manifestação do “Se-movimentar” visando à emancipação em relação à

opressão do esporte.

Professor

Mais uma vez, consideramos relevante sintetizar todas as informações oriundas das propostas curriculares críticas da Educação Física em um único quadro, conforme exposto no Quadro 8:

Quadro 8 - Síntese das propostas curriculares críticas da Educação Física MOMENTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA CURRÍCULO TEORIA CURRICULAR TENDÊNCIA PEDAGÓGICA PRINCIPAIS REFERÊNCIAS BASE FILOSÓFICA/ EPISTEMOLÓGICA PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS IDENTIDADE DOCENTE CONSTITUÍDA Segundo momento: A Educação Física em busca da autocrítica Crítico-superador Crítica Progressista (Histórico-Crítica) Coletivo de Autores (1992) Filosofia, Sociologia (à luz do Marxismo) Transmissão dos conhecimentos científicos relacionados à cultura corporal visando à superação

do senso comum. Professor Crítico-emancipatório Crítica Progressista (Libertadora) Elenor Kunz (1991; 1994) Filosofia, Sociologia (à luz da Fenomenologia)

Ensino dos esportes tradicionais (considerando também sua prática popular)

como manifestação do “Se-movimentar” visando à

emancipação em relação à opressão do esporte.

Professor

Fonte: Organizado pelo pesquisador.

Porém, vale destacar que essa identidade docente manifestada na figura do professor nessas duas propostas curriculares críticas da Educação Física (superadora e Crítico-emancipatória) se aproxima daquela denunciada por Freire dentro do contexto de uma “educação bancária”, onde o docente é responsável por estabelecer e transmitir os conhecimentos sistematizados universais, considerados relevantes ao processo educativo.

Os trechos que destacamos nos excertos acima, tanto na citação do Coletivo de Autores (1992), quanto na citação de Elenor Kunz (2004) apresentam um modelo de docência centrado no professor como protagonista do processo educativo, ao contrário da ideia de docência na pedagogia freireana, onde “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p. 44)

Neste contexto, é possível considerarmos que ainda há lacunas para a constituição de uma identidade docente em Educação Física que seja legitimamente crítica, se pensarmos a partir da pedagogia freireana, a qual nos aprofundaremos ao final deste capítulo. Assim, a crise de identidade da Educação Física se prolonga e, por isso, não demorou para que surgissem críticas às teorias curriculares críticas, trazendo à tona uma nova proposta: as teorias curriculares pós-críticas.