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A imagem escandida pela Análise Arqueológica do Discurso

Esquema 4 Esquema referente ao discurso epistemológico

2.3 A imagem escandida pela Análise Arqueológica do Discurso

O homem não cessa de aproximar a imagem das possibilidades de abordagem e, sob diversas condições, as organizam com vistas a entendê-las, partindo da sua configuração estética, plasmada em algum lugar, passível de ser vista, decomposta de seu forro plástico e, até mesmo, analisada. Através das aproximações com vistas a análises, uma vez efetuadas, os lugares que se abrem deixam entrever, que, de parte em parte, ao se penetrar no chamado terreno analítico, a compreensão que se almeja vai se revestindo das incompletudes que envolvem para além do campo de estudo da configuração estética da imagem. Para tanto, o acesso às noções, conceitos e metodologias oferecem um arcabouço de condições que, de certa forma, trazem clareza ao processo analítico, mesmo em se tratando daqueles objetos cujo conhecimento conta com teorias que se encontram em contínuo processo de aperfeiçoamento.

Desde a segunda metade do século XX aos dias atuais, no contexto dos estudos de distintas ciências, convive-se com expressões como ler imagens, cujo étimo remete mais diretamente o analista a conceber um leitor situado a partir do campo da percepção humana, capacitado ao recebimento e à geração de novas informações, proporcionadas pelo processo de interação com a imagem. Por seu turno, a expressão alfabetização para se referir à leitura de imagens, igualmente, tem sido objeto de discussão e, do ponto de vista semântico, tal expressão pode remeter ao processo do ensino-aprendizagem. Verifica-se que, por meio do domínio e apropriação de alguns conceitos, principalmente aqueles organizados sobre a base constitutiva da imagem e orientados por procedimentos metodológicos, que a alfabetização e leitura de imagens emergem como práticas concebidas como competências a serem desenvolvidas, sobretudo, no contexto escolar.

Com o intuito de adquirir tal competência, de entender e utilizar os elementos constitutivos da linguagem visual, o homem tem se mobilizado em torno dos meios analíticos e, buscado historicamente dominar o conhecimento sobre a imagem a partir do encontro consigo mesmo. Como um jogo de valores, onde não raramente, as abordagens solicitadas situam-se nos estudos das linguagens, de modo geral, a imagem articula-se aos campos da arte, da comunicação, da antropologia, da psicologia, da história, da publicidade, da linguística, da educação e de outros, como um artefato cultural, construído para interagir e se comunicar dizendo sobre as coisas das quais são signos e possibilitando a produção de conhecimentos.

Nesse sentido, Foucault (2000) refere-se aos signos, quanto à possibilidade de serem os elementos de uma imagem. Tal formulação abre condições para se pensar a imagem escandida pela “[...] análise arqueológica [...]” e concebê-la como um enunciado, que pode ser mapeado e descrito, e assim, empreender uma análise buscando “[...] orientá-la no sentido da episteme [...]” como as encontradas nas formulações verbais. Sobre este ponto, algumas considerações acerca da possibilidade de uma análise arqueológica, instaurada com vistas a outros objetos, demandam a questão: “A orientação voltada para a episteme é a única que pode abrir-se à arqueologia?” E para iniciar esta discussão, o próprio autor responde esta questão ao propor um percurso analítico para além da exclusividade epistêmica, e acrescenta: “Tal arqueologia, se fosse bem sucedida em sua tarefa, mostraria como as proibições, as exclusões, os limites, as valorizações [...]”, em seu conjunto, são “[...] as suas manifestações, verbais ou não, estão ligadas a uma prática discursiva determinada”. E traz indícios para análise da trama discursiva, na qual se encontram os enunciados visuais como uma prática que assegura o entendimento da imagem, desde que concebida em suas possibilidades de “[...] condutas [...]” e de “[...] representações, toda uma prática discursiva [...]” (FOUCAULT, 2000, p. 218-219), encontrando-se inserida na enunciação, fosse percebida e considerada pelo analista. Ao seguir nesta trilha arqueológica, Foucault (2000) diz:

A análise arqueológica teria outro fim: pesquisaria se o espaço, a distância, a profundidade, a cor, a luz, as proporções, os volumes, os contornos, não foram, na época considerada, nomeados, enunciados, conceitualizados em uma prática; e se o saber resultante dessa prática discursiva não foi, talvez, inserido em teorias e especulações, em técnicas, em formas de ensino e em receita, mas também em processos, em técnicas e quase no próprio gesto do pintor. Não se trataria de mostrar que a pintura é uma certa maneira de significar ou de „dizer‟, que teria a particularidade de dispensar palavras. Seria preciso mostrar que, em pelo menos uma de suas dimensões, ela é discursiva que toma corpo em técnicas e efeitos. Assim descrita, a pintura não é uma simples visão que se deveria, em seguida, transcrever na

materialidade do espaço. Não é mais um gesto nu cujas significações mudas e indefinidamente vazias deveriam ser liberadas por interpretações ulteriores. É inteiramente atravessada – independentemente dos conhecimentos científicos e dos temas filosóficos – pela positividade de um saber (FOUCAULT, 2000, p. 220, grifos do autor).

Diante do exposto, pode-se falar em análise arqueológica de uma pintura, de uma imagem icônica como as encontradas em livros didáticos, por exemplo, mas, buscando entendê-las com base não a partir do que essa pintura ou imagem pode trazer para a discussão analítica, por meio dos seus elementos significantes, exclusivamente, dispensando o uso das palavras. Não se trata disto, porque a análise arqueológica não se situa somente no solo figurativo, linguístico, composicional ou comunicativo. As interrogações efetuadas apontam, inclusive, para uma descrição situada no campo do saber que se expressa através dos seus processos e atravessamentos, mesmo quando recorre a outros campos do conhecimento. Ao analista, cabe entrever o que neste artefato, em sua época, foi uma “[...] prática discursiva [...]” e assim, pelo status conferido aos enunciados postos, saber as condições de produção deste “[...] saber [...]”, aquilo que foi incorporado ao arcabouço das coisas postas. Incorporações estas, que, ao aparecerem “[...] em comportamentos e estratégias, que dão lugar a uma teoria da sociedade [...]” podem aparecer, também, na expressão plástica, na “[...] técnica ou em efeito [...]” como, por exemplo, as encontradas numa imagem atual, bem como, as coisas, sobre as quais, outras coisas foram ditas e escritas sob diversas formas. Ainda, tratando-se de uma “[...] prática discursiva [...]”, Foucault (2000, p. 221) assevera que este saber pode até mesmo revestir e orientar as condições de produção e as maneiras do pintor ou do produtor da imagem.

Nessa perspectiva, a análise arqueológica não se trata de interpretações de sentido nem tampouco de conhecimento sobre a representação que pode envolver a imagem, busca-se entender os discursos que a atravessa e constitui esta imagem, aquilo que a faz aparecer situada em sua época, por meio dos saberes e engendrada por regularidades, heterogeneidades e dispersões enunciativas.

Estando em função enunciativa, a imagem poderia ser pensada em relação ao sujeito, aquele que a produziu, mas o produtor da imagem não é relevante à análise, inicialmente,

porque é a imagem o objeto de estudo, não o seu pintor ou produtor. Em segundo lugar, porque o lugar do sujeito nesta análise é um lugar a ser ocupado e, portanto, não deve ser levado em conta “[...] o discurso latente do pintor; [...]” nem tampouco “[...] o murmúrio de suas intenções [...]” (FOUCAULT, 2000, p. 219), ou mesmo qualquer indício que desvele a sua imaginação ou o que ele quis dizer ao produzir a imagem em questão.

É preciso, para conceber uma análise arqueológica da imagem, pensar em seu campo enunciativo, a partir da premissa, que não há enunciado livre e, como já dito, para ser um enunciado, este deve encontrar-se imerso desde a sua raiz na trama discursiva. Para o discurso visual, isto também é uma regra. Assim sendo, pode-se dizer que: “Não há enunciado que não suponha outros; não há nenhum que não tenha, em torno de si, um campo de coexistências, efeitos de série e de sucessão, uma distribuição de funções e papéis” (FOUCAULT, 2000, p. 114).

Ainda, ao tomar a imagem como um enunciado, é preciso considerar caminhos, como “[...] (o do acontecimento, o da estrutura e o da tensão entre descrição e interpretação no interior da análise do discurso), retocando cada um deles pela efetivação parcial dos outros dois”. Destarte, o enunciado não deixaria de encontrar-se materializado e transpassado “[...] em seu contexto de atualidade e no espaço de memória que ele convoca [...]” (PÊCHEUX, 2008, p. 18-19). Certamente, é por meio de diferentes discursos e de acordo com a sua existência, que o enunciado possui constituição heterogênea e encontra-se inserido em lugares e tempos distintos.

Compreender a imagem em nível discursivo é interrogá-la, segundo os enunciados que a constituem como prática, considerando a sua formação discursiva, as suas condições de irrupção, e assim, examinar a sua episteme, consciente que a expressão verbal não substitui nem exclui a sua expressão composicional, plástica, apresentada em nível material, como as encontradas nos livros didáticos. Foucault (2000) fala sobre este assunto:

[...] um enunciado é sempre um acontecimento que nem a língua nem o sentido podem esgotar inteiramente. Trata-se de um acontecimento estranho por certo: inicialmente porque está ligado, de um lado, a um gesto de escrita ou à articulação de uma palavra, mas, por outro lado, abre para si mesmo uma existência remanescente no campo de uma memória, ou na materialidade dos manuscritos, dos livros e de qualquer forma de registro; em seguida, porque é único como todo acontecimento, mas está aberto à repetição, à transformação, à reativação; finalmente, porque está ligado não apenas a situações que provocam, e a conseqüências por ele ocasionadas, mas ao mesmo tempo, e segundo uma modalidade diferente, a enunciados que o precedem e o seguem (FOUCAULT, 2000, p. 32, grifos nossos). Ao analisar uma pintura, mais exatamente o quadro Las Meninas [Les suivantes] Foucault (2012) traz para análise uma descrição minuciosa de todos os elementos que configuram e articulam a construção do quadro do pintor espanhol Diego Velásquez. Porém, antes de iniciar a descrição e análise dessa pintura, em um preâmbulo, o citado autor, em linhas gerais, indica a sua trilha analítica arqueológica e fala sobre os códigos que toda cultura

dispõe para, por meio deles, constituir e conhecer a sua ordem, os saberes e a episteme de cada época. E segue a análise, desvelando através dos elementos constitutivos da pintura, como e de que forma, os enunciados mostram o limiar destes saberes, bem como, as coisas que se encontram ditas e escritas, ou melhor, o acervo discursivo sobre tal objeto.

A pintura Las Meninas trata-se de uma obra situada em uma época por volta de meados do século XVII. Composição que demarca como o real foi pensado e descrito utilizando cada elemento, a noção clássica da representação das coisas. Falando também, por meio de uma memória, Foucault (2012) refere-se a uma prática discursiva, sobre a qual se pode entrever o modo como estão postas as certezas, incertezas e inquietudes que se vislumbram em direção à época seguinte.

A análise dessa prática discursiva permitiu saber sobre as coisas que já estavam presentes deste então no discurso de uma época anterior, igualmente, saber como circula o conjunto de saberes que aparecerão na ordem discursiva posterior, a exemplo da presença do espelho na pintura analisada, também, falar sobre a episteme, configurada em pressupostos recorrentes. Foucault (2012) fala sobre estas descontinuidades.

Porém, esta investigação arqueológica mostrou duas grandes descontinuidades na episteme da cultura ocidental: a que inaugura a idade clássica (por volta da metade do século XVII) e a que no início do século XIX, marca a entrada da nossa modernidade. A ordem sobre a qual se fundamenta nossos pensamentos não tem o mesmo modo de ser que a dos clássicos (FOUCAULT, 2012, p. 13, tradução nossa).25

Possivelmente, como Foucault (2012) fez em sua análise, a imagem sendo enunciativa, abre-se em direção à possibilidade do entendimento e possíveis análises, por meio daquilo que a permeia não em si, exclusivamente, pelas suas propriedades e elementos composicionais empiricamente postas, mas, também, o que, e como a sua “[...] prática discursiva [...]” é pensada, teorizada, está sendo ensinada em distintos lugares, entre estes, também na escola. E, assim, deixa aparecer e ser capturada, através de enunciados, a sua espessura histórica, graças à inserção do “[...] saber da época [...]”, da sua episteme. Saber sobre as práticas discursivas que estão sendo registradas sob as mais distintas formas, cores, relevos, ângulos e guisa, mesmo o gesto declinado do produtor da imagem, resulta, uma análise que pode se constituir em um modo particular de conhecimento deste objeto. É neste sentido, que o citado autor

25 Segundo a obra original em língua francesa intitulada Les mots et les choses: “Or, cette enquête archéologique a montré deux grandes discontinuités dans l`épistémè de la culture occidentale: cette qui inaugure l`âge classique (vers le milieu du XVII siècle) et cette qui, au début du XIXème. siècle marque le seuil de notre modernité. L`ordre sur fond duquel nous pensons n`a pas le même mode d`être que cellui des classiques.”

interroga a análise arqueológica sobre a possibilidade de análise de outros objetos, através de “[...] arqueologias que se desenvolveriam em direções diferentes” (FOUCAULT, 2000, p. 218).

Todavia, ao mover-se em direção à análise arqueológica do discurso visual que se oferece à compreensão nos livros didáticos é preciso seguir perscrutando cada enunciado encontrado, reconhecer seu modo de irrupção, identificando a episteme que o faz existir na escola contemporânea, para, desse modo, examiná-lo e entendê-lo. Este, porém, é o movimento que faz o capítulo seguinte, buscando o entendimento do discurso visual nos livros didáticos da EJA e, para isto, il doit entièrement, interrogar a trama discursiva verbal e não verbal que fala acerca do discurso investigado.

O LIVRO DIDÁTICO: PERSCRUTANDO SEUS

ENUNCIADOS

Imagem 6 – Fábulas: lições para a vida

3 O LIVRO DIDÁTICO: PERSCRUTANDO SEUS ENUNCIADOS

Pois o que pode ser opressivo num ensino não é finalmente o saber ou a cultura que ele veicula, são as formas discursivas através das quais ele é proposto (BARTHES, 2007, p. 41).

Para entender a imagem nas suas formas mais atualizadas, como as encontradas atualmente no meio cultural é natural o analista remontar às escrituras em sítios arqueológicos, lugares aonde as imagens se encontram documentadas e, naqueles, a existência do discurso, materializado em superfícies de inscrições composicionais, precedentes das palavras. Igualmente, para entender a escrita em livros didáticos nos seus mais modernos formatos e suportes atuais, é natural retornar aos seus antigos registros, cuja evolução partiu de inscrições feitas sobre rolos de papiros. Grosso modo, pode-se dizer que ambas, imagens e palavras, correlatas por meio do gesto da leitura, percorrem não raramente conciliadas, desde a sua ancestralidade, os antigos e os novos suportes.

Das paredes das cavernas às telas dos computadores, uma longa história das escrituras em diferentes suportes aconteceu e, não se fizeram assim, tão rapidamente, nem sem longos períodos de transição, até chegarem aos livros contemporâneos. Prova disso é o enorme acervo histórico sobre a existência dos suportes para escrituras, que se atualiza a cada pesquisa, trazendo novas informações sobre o fascinante caminho trilhado até o formato do livro atual.

Sobre o livro, de início, é preciso reconhecer por meio da sua história, um processo lento e complexo, cuja força e importância para a história do homem estão postas desde os mais remotos registros surgidos nas suas primeiras formas e, cuja evolução, de certa forma, alcança a constituição do que se conhece hoje como um livro. Pode-se reconhecer este fato, ao revisar alguns textos e verificar que, sobre os registros em pedras, entre imagens e palavras, recorrendo à contiguidade, inicialmente atribuída à evocação mística, os registros em suportes fazem parte da evolução e da revolução da comunicação humana, a partir da utilização de diversas formas de linguagens. Mobilizando o par registro e suporte, discutindo a relação entre a imagem, a letra e o traçado, ocorrida nas grutas e cavernas, em seu momento de alvorecer, o homem declinou seus gestos a registrar sua história. Se tais acontecimentos distanciavam-se da lógica da representação, numa concepção diferente sobre a imagem aos olhos do homem contemporâneo, o fato é que em tempos remotos, os registros poderiam também inverter à lógica atual e, “[...] quanto mais afastado da representação está o traço,

mais perto se encontra de sua materialidade” (BABO, 1993, p. 94 apud WALTY; FONSECA; CURY, 2006, p. 15). Todavia, se, de fato havia um distanciamento nos traçados entre a realidade natural e a imagem produzida culturalmente, na mais tenra ancestralidade humana, o tempo vai mostrar por meio das próprias imagens atuais, como este longo percurso provocou profundas transformações tanto na imagem, quanto em seus suportes.

A partir da necessidade de perpetuar e legar às novas gerações as suas relações sociais e com a natureza, o percurso empreendido pela humanidade desde as inscrições em grutas, seguidas pela utilização das tábuas de argila, revelam que a inteligência do homem não o deixa parar de buscar o conhecimento sobre ele mesmo e sobre as coisas do mundo que o cerca, o encanta, mas também, historicamente o desafia.

Visando traçar sua inserção no mundo visível, o homem recorreu inicialmente ao papiro, feito de vegetal, e sendo um suporte de registro maleável, significou uma enorme transformação cultural. Em seguida, chega ao pergaminho, produzido a partir da pele do carneiro, acontecimento que deu origem aos rolos, também conhecidos como “[...] volumen [...]”. Portanto, é sobre este material, a pele de carneiro, que aparece a “[...] escrita em linha reta e a utilização do verso da folha [...]”, acontecimento que vai possibilitar o aparecimento do “[...] códex [...]”. Na sequência, surge outro tipo de suporte chamado de “[...] livros in-fólio [...]”, o qual entre os ancestrais do livro é o mais próximo do formato que se conhece hoje: “[...] folhas reunidas pelo dorso esquerdo [...]”, recoberto por uma capa, cujo formato, geralmente é retangular ou quadrado. Assim, passando dos rolos de “[...] papiros e pergaminhos [...]” aos avançados “[...] livros in-fólio, [...]”, muda também o gesto de leitura e o comportamento humano, acontecimento que resulta numa nova postura física, bem como, em novas relações intelectuais, as quais vão sendo empreendidas entre a leitura e o leitor, em função do suporte. Chegando ao século XV, com J. Gutemberg e a invenção da tipografia, surge o primeiro livro impresso, chamado “[...] incunábulo palavra que originalmente significa berço, este é o tipo de livro impresso até o ano de 1500” (WALTY; FONSECA; CURY, 2006, p. 16-19). Segundo os citados autores, um exemplo deste tipo de impressão é o famoso Livro de Horas, tratado sagrado, reconhecidamente, uma verdadeira relação harmônica entre a letra e a imagem, caracterizada, sobretudo pelas iluminuras, constituindo, assim, uma referência do livro que tinha tanto o caráter religioso como instrutivo, muito visual, que demandava do leitor uma compreensão sobre adorno, ilustração e composição de imagens, para deste livro, obter conhecimentos.

Na esteira destes acontecimentos, o advento da imprensa foi a maior responsável pela difusão da escrita e da imagem, que, partilhando o mesmo suporte, historicamente operam

suas inscrições por meio do livro, possibilitando alterações profundas na leitura e na compreensão de textos, acontecimento, que, em seu tempo, provocou grandes transformações na organização da vida societária.

O ponto fundamental, aqui, é a forte continuidade entre a arte do texto manuscrito, a caligrafia, e o caractere impresso. As tábuas são gravadas, efetivamente, a partir dos modelos gráficos. No mundo ocidental, em contrapartida, estabeleceu-se uma importante ruptura entre os textos manuscritos e a letra romana que se torna um caractere nos livros impressos (CHARTIER, 1998, p. 10).

Este acontecimento, iniciado pela reprodução do livro, possibilitou a rapidez da sua reprodução, a divulgação e circulação de impressos em geral, bem como, a democratização e o acesso ao conhecimento e a informação entre os povos, acontecimento que alterou, sobretudo, as relações políticas e econômicas vigentes. Chartier (1998) refere-se ao livro, dizendo que, até este momento, o livro era um objeto fora do controle político e religioso, artesanalmente produzido para registrar em geral as histórias das comunidades, de natureza mais cultural e educacional comunitária. A partir do formato impresso, mais expressivamente, este artefato passa a ser visto como um meio de divulgação de ideias e opiniões e, assim, vincula-se fortemente a questões ideológicas. Como desdobramento deste acontecimento, volta-se para o livro, um olhar político e institucional abrangendo desde a sua concepção, produção, recepção e circulação. Desse modo, o livro passa a ser um objeto visado pela inquisição religiosa, passa pela deliberada e severa censura política em diversos países, e chega aos disfarçados mecanismos de controle contemporâneos sobre os seus conteúdos.

Segundo Chartier (1998) o livro, seja qual for o seu gênero, encontra-se nas malhas dos sutis, ou mesmo dos declarados julgamentos e classificações implementadas pelos Estados. Alguns exemplos recentes de interdições históricas deste controle estatal são os livros destruídos pelos nazistas na Alemanha, no contexto da Europa durante a segunda guerra mundial, e no Brasil, em alguns momentos de regime não democrático, como os anos de