• Nenhum resultado encontrado

A integração do ser-sujeito-criança e a vocação ontológica

3 “BALÉ DOS CONCEITOS” NA FORMAÇÃO DO SER-SUJEITO-CRIANÇA: APORTES TEÓRICOS PARA UMA CONSTRUÇÃO HISTÓRICA E CONCEITUAL

4 A FORMAÇÃO DO SER-SUJEITO-CRIANÇA NA EDUCAÇÃO DE PAULO FREIRE

4.3. A integração do ser-sujeito-criança e a vocação ontológica

Sobre esta situação relacionada à educação e conscientização na sociedade brasileira, Freire enunciou as seguintes palavras:

Estávamos, assim, tentando uma educação que nos parecia a de que precisávamos. Identificada com as condições de nossa realidade. Realmente instrumental, porque integrada ao nosso tempo e ao nosso espaço e levando o homem a refletir sobre sua ontológica vocação de ser sujeito. (FREIRE, 2016, p. 140).

Estas palavras de Freire nos levam a pensar em duas questões: a integração do sujeito e a sua vocação ontológica. Nas palavras de Freire (2016) “o homem integrado é o homem

Sujeito”.(p. 58). E sendo verdadeiramente integrado, “respeitando-se o homem como pessoa,

por isso, como sujeito” (Freire, 2016, p. 78) se respeita a “a vocação natural da pessoa — a de ser sujeito e não objeto”. (idem, p. 78). Este conceito de vocação ontológica é marca fundamental que permeia o pensamento educacional, político, filosófico, antropológico e pedagógico de Paulo Freire.

É compreendendo a vocação ontológica, que o humano se compreende humano, que entende seu poder de ser mais, que se percebe sujeito de sua história, que pensa a educação, a cultura e a sociedade na qual está inserido. Uma educação que o ajude a se construir enquanto ser humano, através das dimensões da inconclusão, apontando a sua constante evolução; através da incompletude, enfatizando a necessidade de existir com os outros, e não existir só, e através da dimensão do inacabamento, importando aqui pensar o ser humano como ser imperfeito, errante. É “a defesa e a prática de uma educação assim, que respeitasse no homem a sua ontológica vocação de ser sujeito” que Freire (2016, p. 52-53) se propôs e desejou. Para, além disto, o educador exclama:

Homens e mulheres, ao longo da história, vimo-nos tornando animais deveras especiais: inventamos a possibilidade de nos libertar na medida em que nos tornamos capazes de nos perceber como seres inconclusos, limitados, condicionados, históricos. Percebendo, sobretudo, também, que a pura percepção da inconclusão, da limitação, da possibilidade, não basta. É preciso juntar a ela a luta política pela transformação do mundo. A libertação dos indivíduos só ganha profunda significação quando se alcança a transformação da sociedade. (FREIRE, 1992, p. 100).

Essa consciência de se entender como inacabado, incompleto e inconcluso não é fácil de ser percebida, e ainda é mais difícil direcionar os focos para o acabamento, a conclusão e a plenitude humana. Contudo, dentro desta perspectiva, a educação, entendida como uma relação entre humanos, por possuir caráter dialógico e ao mesmo tempo dialético, pode contribuir para que este sujeito dê um sentido diferenciado para sua existência.

Ao ter a possibilidade de realizar esta leitura consciente do mundo, do qual faz parte, e das relações que o cerca, Freire (2016) afirma:

E de que, nestas relações com a realidade e na realidade, trava o homem uma relação específica — de sujeito para objeto — de que resulta o conhecimento, que expressa pela linguagem. Esta relação, como já ficou claro, é feita pelo homem, independentemente de se é ou não alfabetizado. Basta ser homem para realizá-la. Basta ser homem para ser capaz de captar os dados da realidade. Para ser capaz de saber, ainda que seja este saber meramente opinativo. Daí que não haja ignorância absoluta, nem sabedoria Absoluta”. (p. 137).

Das palavras de Freire (2016), podemos a princípio nos centrar nos temas que envolvem o conhecimento, a linguagem e a alfabetização. Freire afirmou, na escrita do seu livro, em meados da década de 1960, a existência de mais de 4 milhões de crianças sem escolas e mais de 16 milhões de jovens e adultos analfabetos. E enfatizou que a educação nesta fase, se realizava dentro de uma sociedade não totalmente fechada, mas que ainda crescia para fora, com precárias condições de vida na cidade, uma sociedade que era objeto e não sujeito de si mesma.

Porém, Freire (2016) não queria uma educação imposta, uma educação alienante, mecânica, memorizadora, vinda de cima para baixo, mas, uma que partisse do interior do analfabeto, dos seus anseios, da sua vida, para que assim, pudesse aprender a ler e a escrever, sendo desta forma, sujeito de sua alfabetização. Foi a partir desta maneira de pensar que Freire declarou: “daí, à medida em que um método ativo ajude o homem a se conscientizar em torno de sua problemática, em torno de sua condição de pessoa, por isso de sujeito, se instrumentalizará para as suas opções”. (p. 157).

Com instrumentos, o analfabeto, o alfabetizando e o alfabetizado quem sabe, Declarou Freire (2016, p. 74): “renuncia à velha postura de objeto e vai assumindo a de sujeito. Por isso, a desesperança e o pessimismo anteriores, em torno de seu presente e de seu futuro, como também aquele otimismo ingênuo, se substituem por otimismo crítico. Por esperança, repita-se”. Freire (1992) ainda afirma que não estamos determinados à humanização ou desumanização, nenhuma é dado, sina ou fado.

Ser em permanente procura, curioso, “tomando distância” de si mesmo e da vida que porta; é por estarmos sendo este ser dado à aventura e à “paixão de conhecer”,

para o que se faz indispensável a liberdade que, constituindo-se na luta por ela, só é possível porque, "programados”, não somos, porém, determinados; é por estarmos sendo assim que vimos nos vocacionando para a humanização e que temos, na

desumanização, fato concreto na história, a distorção da vocação. Jamais, porém,

outra vocação humana. Nem uma nem outra, humanização e desumanização, são destino certo, dado, sina ou fado. Por isso mesmo é que uma é vocação e outra, distorção da vocação. (FREIRE, 1992, p. 99).

Nas palavras acima, Freire fala que a humanização promove a vocação ontológica, a desumanização promove a distorção desta vocação e é por conceber a vocação ontológica cercada por diversos fatores históricos e temporais que Freire afirmou:

É importante insistir em que, ao falar do "ser mais” ou da humanização como vocação ontológica do ser humano, não estou caindo em nenhuma posição fundamentalista, de resto, sempre conservadora. Daí que insista também em que esta "vocação", em lugar do ser algo a priori da história é, pelo contrário, algo que se vem constituindo na história. Por outro lado, a briga por ela, os meios de levá-la a cabo, históricos também, além de variar de espaço-tempo a espaço-tempo, demandam, indiscutivelmente, a assunção de uma utopia. A utopia, porém, não seria possível se faltasse a ela o gosto da liberdade, embutido na vocação para a humanização. Se faltasse também a esperança sem a qual não lutamos. (FREIRE, 1992, p. 99).

Além disto, Freire (2016) acentua o seu pensar acerca da educação, para que a razão de ser dos fatos desta “tivesse no homem não esse paciente do processo, cuja virtude única é ter mesmo paciência para suportar o abismo entre sua experiência existencial e o conteúdo que lhe oferecem para sua aprendizagem, mas o seu sujeito”. (p. 136). Questões que envolvem um processo em que urge a necessidade de se ser pensante, crítico e curioso.

4.4. Sujeito pensante, cognoscente, crítico e curioso: desvelando a razão de ser dos

Documentos relacionados