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3 AS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE

4.2 A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA ACERCA DAS ÁREAS DE

Antes da edição do Novo Código Florestal, a jurisprudência dos Tribunais Estaduais dominante entendia que quando se tratava de uma área de preservação permanente existente em área urbana, deveria haver a aplicação da Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano federal, ou, ainda, caso fosse mais protecionista, deveria ser aplicada a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano municipal ou o disposto no Plano Diretor.

Este entendimento era embasado no disposto no parágrafo único do artigo 2° do Código Florestal revogado, o qual elencava que nas áreas urbanas observar-se-ia o disposto nos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites trazidos pela alínea “a” do artigo.

O citado parágrafo único, como já relatado anteriormente, foi integralmente suprimido no Novo Código Florestal, havendo, então, a determinação legal de que o disposto no Código Florestal no que ser refere às áreas de preservação permanente seria aplicado igualmente às áreas urbanas e rurais.

Isso acabou por gerar a necessidade de construção de um novo entendimento jurisprudencial, já que o parágrafo que embasava a maioria dos julgados não mais existia.

Até o ano de 2012, nas poucas vezes em que foi instado a se manifestar sobre a matéria – já que a maioria dos julgados estaduais aplicava o Plano Diretor ou a Lei de Uso e Parcelamento do solo municipal como fundamento decisório -, o Superior Tribunal de Justiça possuía entendimento diverso dos Tribunais Estaduais, aduzindo de que “A legislação federal de proteção do meio ambiente e da flora, independentemente de referência legal expressa, aplica-se à área urbana dos Municípios” (BRASIL, 2012).

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em decisões proferidas já sob a égide do Novo Código Florestal, contrariando o entendimento exarado pela Corte Superior, manteve o seu antigo juízo de valor, dispondo que “Em se tratando de área

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urbana, a distância para construções das margens de rios, córregos e canais deve ser aquela estabelecida pela Lei Federal 6.766/79, qual seja, 15 metros, salvo limite maior imposto por lei municipal (Des. Newton Janke)” (SANTA CATARINA, 2014a).

É importante indicar que, no que se refere ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, todos os julgados contendo as palavras chaves “área de preservação permanente” e “parcelamento do solo”, excluídos aqueles que não se referiam à APPs ao longo dos cursos d’água, proferidos entre os anos de 2012 e 2018 foram decididos no mesmo sentido.

Analisando um caso envolvendo a concessão de uma licença para construção a 22 metros de um corpo hídrico localizado na área central do município de Blumenau/SC, a Corte Estadual ponderou que, muito embora à primeira vista, considerando toda a determinação legislativa protetiva às APPs, entenda-se que construção deve respeitar os limites do Código Florestal, é necessário sopesar as particularidades do contexto urbano em que esta APP está inserida, bem como a intensidade da intervenção almejada (SANTA CATARINA, 2017).

Na decisão, o ilustre desembargador Carlos Adilson da Silva elencou que a utilização da Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano somente se sobressai à aplicação da legislação ambiental em circunstâncias especiais, exigindo a conjunção dos seguintes pressupostos fáticos:

- ocupação urbana consolidada à margem de curso d'água sem a observância do afastamento legal;

- consequente perda das funções ecológicas inerentes às faixas marginais de curso d'água;

- irreversibilidade da situação, por se mostrar inviável, na prática, a recuperação da faixa marginal;

- irrelevância, nesse contexto, dos efeitos positivos que poderiam ser gerados com a observância do recuo em relação às novas obras;

- ausência de alternativa técnica ou locacional para a execução da obra (via de regra, em virtude da extensão reduzida dos lotes);

- por fim, a prevalência do exercício isonômico do direito de propriedade sobre a proteção da inteira extensão da faixa marginal do curso d'água.

Nesse viés, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina consolida que qualquer imóvel localizado em Área de Preservação Permanente deve ter seu uso restringido, visando preservar de forma absoluta o meio ambiente, mas se

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determinado imóvel não está abrangido nas definições de APPs, é possível o estudo e verificação de sua exploração pelo proprietário, nos limites das leis federais e locais (SANTA CATARINA, 2014b).

Além disso, “deve prevalecer, nessa extensão, a razoabilidade e a proporcionalidade, de modo a garantir ao administrado o seu direito de propriedade, no intento de fazer cumprir sua função social” (SANTA CATARINA, 2014c).

Importante indicar que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina referendava o pacífico entendimento do Tribunal Catarinense, inclusive tendo emitido no ano de 2014 “Enunciados de Delimitação de APPs em Áreas Urbanas Consolidadas”, onde restou estabelecido a seguinte determinação:

Enunciado 03: Da delimitação das áreas urbanas consolidadas, de interesse ecológico e de risco e a possibilidade de flexibilização do art. 4º da Lei n.12.651/2012.

Na hipótese de áreas urbanas consolidadas, e não sendo o caso de áreas de interesse ecológico relevante e situação de risco, será admitida a flexibilização das disposições constantes no art. 4º da Lei n.12.651/2012, desde que observado o limite mínimo previsto no disposto no inc. III do art. 4º da Lei n.6.766/79 (quinze metros) para as edificações futuras; e o limite previsto no art. 65, §2º, da Lei n.12.651/2012 (quinze metros) para a regularização de edificações já existentes.

O Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2017a e 2017b) foi recentemente instado a se manifestar sobre duas decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, tendo decido em decisões monocráticas proferidas pela Ministra Regina Helena Costa, que o Código Florestal é aplicado tanto às áreas urbanas, quantos as áreas rurais. Para a ilustre Ministra Relatora:

No caso, verifico que o acórdão recorrido está em confronto com orientação desta Corte, segundo a qual a proteção ao meio ambiente não difere entre área urbana ou rural, porquanto ambos merecem a atenção em favor da garantia da qualidade de vida proporcionada pelo texto constitucional, pelo Código Florestal e pelas demais normas legais sobre o tema.

Mesmo havendo decisão do Superior Tribunal de Justiça revendo o posicionamento adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, a Corte Estadual ainda profere decisões contrárias, mantendo seu entendimento de que o Código Florestal não é aplicável às áreas urbanas. Cumpre transcrever

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ementa de recente acórdão proferido pela Corte Catarinense (SANTA CATARINA, 2018):

AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSULTA DE VIABILIDADE DE

CONSTRUÇÃO DE SEGUNDO PAVIMENTO EM IMÓVEL SITUADO ÀS MARGENS DE RIO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. INDEFERIMENTO PELO ENTE MUNICIPAL, AO ARGUMENTO DE QUE O CÓDIGO FLORESTAL DEVE PREVALECER SOB A LEI DE PARCELAMENTO DO SOLO URBANO. IMPOSSIBILIDADE. IMÓVEL

LOCALIZADO EM ÁREA URBANA CONSOLIDADA. REGIÃO

TOTALMENTE POVOADA. AUSENTES ESTUDOS DO ENTE PÚBLICO

QUE COMPROVEM CONDIÇÃO DIVERSA, APESAR DE EXPRESSA RECOMENDAÇÃO MINISTERIAL. NEGLIGÊNCIA QUE NÃO PODE PREJUDICAR O MUNÍCIPE. JURISPRUDÊNCIA UNÍSSONA NO SENTIDO DE ADOTAR O CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Citada decisão, datada de maio de 2018, como pode ser observado, manteve o entendimento de que as áreas de preservação permanente ao longo dos cursos d’água devem ser regidas pela Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano, e não pelo Código Florestal.

Paulo de Bessa Antunes (2015, p. 100), ao analisar as áreas de preservação permanente frente ao Novo Código Florestal e o Judiciário, concluiu que, para os Tribunais Pátrios, se a APP não possuir valor ambiental, o município poderá dar destinação ao uso do solo, nestes termos:

De acordo com o que foi acima exposto, consideram-se áreas de preservação permanente aquelas que apresentam dois requisitos fundamentais, (i) a função ambiental e (ii) as definições geográficas contempladas no Novo Código Florestal. Não há que se confundir a mera localização geográfica com o conceito legal de área de preservação permanente. Por um lado, há uma continuidade na tradição jurídica brasileira especificamente ligada ao tema. Por outro lado, como foi amplamente demonstrado, o Poder Judiciário brasileiro tem reconhecido aos Municípios a possibilidade legal, na verdade o poder-dever, de dispor sobre o solo urbano, definindo as áreas protegidas. Assim, caso fique constatada a inexistência de valor ambiental (rectius: função ambiental), o município poderá dar destinação ao uso do solo, com vistas a cumprir a função social das cidades.

Entretanto, ao aprofundarmos a pesquisa, encontramos diversos julgados recentes que seguem o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça.

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O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar um recurso de apelação no ano de 2016 em que se discutia a possibilidade de intervenção em APP e aplicação da Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano, entendeu que “a aplicação da legislação urbanística não se confunde com, nem afasta, a aplicação da legislação ambiental”, declarando, assim, a aplicabilidade do Código Florestal também às áreas urbanas (SÃO PAULO, 2016).

Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em contrariedade às decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, mas no mesmo seguimento de entendimentos perfilados pelo Superior Tribunal de Justiça, vem proferindo decisões que determinam a aplicação do Código Florestal às APPs urbanas. Neste sentido, colhem-se algumas recentíssimas jurisprudências (MINAS GERAIS, 2018a e 2018b):

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

INTERVENÇÃO INDEVIDA EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO

PERMANENTE. CURSO D'ÁGUA. OBRA ERGUIDA. DEMOLIÇÃO. DANO. NECESSIDADE DE RECOMPOSIÇÃO. PRAZOS PARA CUMPRIMENTO

DAS OBRIGAÇÕES. RAZOABILIDADE.

- Nos moldes do art. 3º, inciso II, da Lei nº 12.651/12, Área de Preservação Permanente (APP) é a "área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas".

- O art. 4º, inciso I, alínea "a", do Código Florestal, encerra que se considera Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, as faixas marginais de qualquer curso d'água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de 30 (trinta) metros, para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura.

- Constatada a intervenção indevida em Área de Preservação Permanente e em virtude da impossibilidade de regularização da situação, impõe-se o desfazimento das construções erguidas no local, bem como a recomposição do dano ambiental.

- Os prazos concedidos para o cumprimento das obrigações determinadas judicialmente se afiguram razoáveis, especialmente porque passarão a fluir a partir do trânsito em julgado da decisão.

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONSTRUÇÃO EM FAIXA PROIBIDA - APP - LAGO ARTIFICIAL - HIDROELÉTRICA DE MIRANDA - ÁREA DE EXPANÇÃO URBANA - IRRELEVÂNCIA - APLICAÇÃO DO CÓDIGO FLORESTAL - DEMOLIÇÃO

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NECESSÁRIA. A faixa de preservação permanente do lago artificial da hidroelétrica de Miranda, seja na legislação anterior, como na atual, não admite modificação por legislação supletiva dos demais entes da federação, mesmo que atualmente se submeta à legislação local e à política de preservação por empreendimento, cuja exigência seria de área non edificandi de 100 metros da cota de segurança, exigindo-se, em todo caso, a licença ambiental como condição de regularidade da implantação de obras de arte na propriedade. Daí porque a construção no entorno do reservatório do lago artificial da hidroelétrica de Miranda, que tenha sido realizada fora dos contornos legais, importa no dever de demolição e de recuperação da área de preservação permanente e no reconhecimento da responsabilidade ambiental objetiva, mormente se nem mesmo as condições de prévio licenciamento ambiental e atendimento da política estabelecida pela legislação local foi produzida pelo proprietário. No reexame necessário, reformar a sentença, prejudicado o recurso voluntário.

O Tribunal Regional da 4ª Federal, quando instado a se manifestar sobre a matéria, reconheceu que “A legislação federal de proteção do meio ambiente (Código Florestal) aplica-se à área urbana dos Municípios” (PORTO ALEGRE, 2015).

Em recente julgado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo reconheceu a aplicação do Código Florestal às urbanas, entretanto, relativizou sua aplicação porquanto, naquele contexto, seria impossível haver a recuperação da função ecológica primitiva da APP (SÃO PAULO, 2018).

Como pode ser observado, a jurisprudência pátria ainda não possui um consenso formado no que se refere à aplicação ou não do Código Florestal às APPs localizadas em áreas urbanas. O ponto chave da questão seria se estas APPs localizadas em áreas urbanas consolidadas estariam cumprindo a questão ambiental a que estão destinadas, abrindo margem para discussão sobre o tema.

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