A LEI FEDERAL N.º 13.718/18 E A INSERÇÃO DO ARTIGO 218-C NO CÓDIGO

Como visto, anteriormente, o enquadramento do revenge porn dependia da forma que o delito foi cometido, levando em conta suas peculiaridades. Dessa maneira, havia inúmeras possibilidades de tipificar a conduta pela falta de legislação específica.

Levando em conta essa situação, vários parlamentares já haviam se mobilizado em torno da pornografia de vingança e, assim, antes da Lei Federal n.º 13.718/18, houve uma série de projetos de lei sobre o tema, a exemplo do PL n.º 6.630/13, buscando a criminalização do

revenge porn e, consequentemente, uma sanção mais efetiva para essa prática83.

O deputado federal Romário, que propôs o referido projeto de lei, questionava a ausência de sanções rigorosas e mais apropriadas à gravidade de delitos como o revanche

81DOMINGUES, Diego Sígoli. Revenge porn e a tutela constitucional da privacidade à luz do Marco Civil

da Internet. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=16696>. Acesso em 22 jun. 2019.

82Op. Cit. BUZZI, Vitória. 2015.

83BRASIL. Projeto de Lei n.º 6.630/13. Acrescenta artigo ao Código Penal, tipificando a conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da vítima e dá outras providências, Brasília, DF,

3 p., 23 out. 2013. Disponível em:

<https://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=3A89616D6FB00C4C44D8A9FC 7245BF4A.proposicoesWebExterno1?codteor=1166720&filename=PL+6630/2013>. Aceso em 20 jun. 2019.

pornográfico. Em uma entrevista concedida à revista Marie Claire, Romário afirmou a questão de gênero atrelada ao fenômeno da pornografia de vingança, pois os casos costumam ter repercussão negativa para as mulheres, visto que “é como se o sexo denegrisse a honra delas” 84.

Nesse sentido, vale destacar:

Conforme o presidente da Comissão de Tecnologia da Informação da Ordem dos Advogados (OAB) Nacional, Alexandre Rodrigues Atheniense, os crimes de internet estão aumentando porque os autores acreditam que suas ações ficarão impunes. “O desconhecimento da existência de leis e métodos que podem efetivamente punir os infratores também é fator predominante”, analisou, acrescentando que as mulheres são as maiores vítimas de crimes virtuais contra a honra85.

Posto isso, a fim de sanar a lacuna judiciária em torno desse tipo de crime, surgiu a Lei Federal n.º 13.718/18, introduzindo diversas modificações na seara dos crimes contra a dignidade sexual. O dispositivo em questão, publicado no dia 25 de setembro de 2018, trouxe o art. 218-C e a causa de aumento de pena do § 1º, que trata sobre a pornografia de vingança, criando um novo tipo penal nos crimes contra a dignidade sexual86.

Assim, estabelece o texto legal:

Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018).

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) 87.

O novo tipo penal em questão é classificado como um crime de ação múltipla, pois, como se vê acima, traz uma série de núcleos, ou seja, vários verbos que correspondem às formas

84SALOMÃO, Graziela. Pornografia de revanche: “Nossa sociedade julga as mulheres como se o sexo

denegrisse a honra”, diz Romário. Marie Claire, 19 nov. 2013. Disponível em: http://revistamarieclaire.globo.com/Mulheres-do-Mundo/noticia/2013/11/pornografia-de-revanche-nossa-sociedade-julga-mulheres-como-se-o-sexo-denegrisse-honra-diz-romario.html>. Acesso em 21 jun. 2019. 85Op. Cit. BRASIL. Projeto de Lei n.º 6.630/13.

86Lei 13.718/18: Introduz modificações nos crimes contra a dignidade sexual. 2018. Disponível em: <http://s3.meusitejuridico.com.br/2018/09/79ff5774-crimes-sexuais-lei-13718-18.pdf>. Acesso em 21 jun. 2019. 87BRASIL. Lei n.º 13.718/18. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2018/lei-13718-24-setembro-2018-787192-publicacaooriginal-156472-pl.html>. Acesso em 22 jun. 2019.

que o crime pode vir a ser praticado. Além disso, é um crime de tipo penal misto alternativo porque a prática de qualquer um dos verbos já tipifica a conduta, porém, a prática de mais de um, no mesmo contexto fático e contra a mesma vítima, não configura pluralidade de delitos, mas sim crime único88.

Em relação ao tipo subjetivo do crime, é o dolo, não se exigindo elemento subjetivo especial como, por exemplo, a obtenção de lucro por meio da divulgação do conteúdo íntimo não consentido.

Segundo Bruno Gilaberte:

Caso a imagem contenha duas ou mais pessoas filmadas ou retratadas, todas em cena de sexo, nudez ou pornográfica, teremos concurso formal de crimes. O número de crimes será equivalente ao número de pessoas que foram expostas de forma não autorizada89.

A pena cominada denota mediana potencialidade ofensiva e admite a suspensão condicional do processo. Em relação aos sujeitos do crime, o crime é comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa. Da mesma forma, não exige qualidade especial por parte do sujeito passivo, porém, a pena é aumentada caso o agente mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima, como será visto a seguir90.

O dispositivo, portanto, traz uma causa de aumento de pena, que deixa mais clara a questão da pornografia de vingança:

Aumento de pena

§1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação91.

88ARAUJO, Renan. Lei 13.718/18 – Alterações nos crimes contra a dignidade sexual – Importunação sexual,

vingança pornográfica e mais! Disponível em:

<https://www.estrategiaconcursos.com.br/blog/lei-13-718-18-alteracoes-nos-crimes-contra-a-dignidade-sexual-importunacao-sexual-vinganca-pornografica-e-mais/>. Acesso em 14 jun. 2019.

89FREITAS, Bruno Gilaberte. Lei nº 13.718/2018: importunação sexual e pornografia de vingança. Canal de

ciências criminais, [S.L.], set. 2018. Disponível em:

<https://canalcienciascriminais.com.br/importunacao-sexual-vinganca/>. Acesso em 24 jun. 2019.

90Op. Cit. Lei 13.718/18: Introduz modificações nos crimes contra a dignidade sexual. 2018.

O legislador, ao inserir a majorante do § 1º, enfatizou a tipificação do revenge porn, visto que trouxe duas situações comuns em torno dessa conduta:

a) A existência de relação íntima de afeto entre o agente e a vítima, seja no presente ou no

passado;

b) A finalidade, ou seja, o dolo do agente, em cometer a conduta para se vingar ou causar

humilhação.

Vale destacar que não há necessidade que as duas situações estejam cumulativamente presentes, bastando a ocorrência de apenas uma delas92.

Por fim, pode-se falar que o § 2º do artigo 218-C trouxe uma excludente de ilicitude:

§ 2º Não há crime quando o agente pratica as condutas descritas no caput deste artigo em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica com a adoção de recurso que impossibilite a identificação da vítima, ressalvada sua prévia autorização, caso seja maior de 18 (dezoito) anos93.

Nesse caso, vai haver a exclusão da ilicitude, uma das integrantes do chamado conceito analítico de crime, também formado pela tipicidade e pela culpabilidade.