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CAPÍTULO 1 A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL: SITUANDO AS

1.3 A liderança dos Estados Unidos na condução da política neoliberal

A liderança dos Estados Unidos se institucionalizou após a segunda guerra mundial, pela “doutrina Monroe”19, quando saiu fortalecido pela ampliação da produção industrial, novas tecnologias e domínio de armamento bélico nuclear. Seu objetivo é afirmar a supremacia do “imperialismo coletivo” expandindo a hegemonia do capital e da política neoliberal em âmbito planetário (AMIN, 2004). “Este é o projeto que a classe dirigente dos Estados Unidos concebe depois de 1945 e do qual nunca se apartou, apesar de, com toda evidência, sua realização ter conhecido algumas vicissitude” (AMIN, 2004, p. 76).

Os Estados Unidos buscam sua afirmação, também, por meio da difusão ideológica, quando se posicionam como a “inteligência do mundo”. Um exemplo marcante dessa postura foi o seu protagonismo na criação dos organismos internacionais20, aos quais foi atribuída a função de “[...] comandar, hierarquizar o poder e redefinir as forças políticas e econômicas condutoras dos projetos de desenvolvimento para os países capitalistas periféricos” (SILVA, 2002, p.10).

De acordo com Silva (2002), podemos inferir que os organismos internacionais são criados para exercer a mediação entre os interesses dos países imperialistas em relação à expansão do neoliberalismo, nos países em desenvolvimento, como o Brasil. A esses organismos foram atribuídos poderes para atuar como sujeitos articuladores nas redefinições dos Estados, sob condicionalidades dos países hegemônicos.

Dentre os organismos internacionais, destaca-se o Banco Mundial que desde sua criação na Conferência de Bretton Woods (EUA), em 1944, vem exercendo mediações nas políticas, em nível mundial, tecendo recomendações aos países em desenvolvimento e tendo como principal objetivo as mudanças nas condições de concorrência de mercado financeiro mundial, outorgando o neoliberalismo enquanto política de Estado.

19

A “doutrina Monroe” outorgava aos EUA o “direito” exclusivo sobre o Novo Mundo de acordo com o que eles definiam como seus “interesses nacionais. (AMIN, 2004).

20 Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e Fundo Monetário Internacional (FMI)

(1945); Organização das Nações Unidas (ONU) (1945); Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) (1947); Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) (1948); Organização Européia de Cooperação Econômica (OECE) (1948), posteriormente, Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE); Organização dos Estados Americanos (OEA) (1948); a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) (1948); e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) (1948). (SILVA, 2002, p. 10).

Nesse processo de reestruturação econômica, o mundo, paulatinamente, é marcado por uma série de reformas nos Estados, em diversos países, cujo setor social é encaminhado para a lógica de mercado, onde se destaca a educação superior que adentra o processo mercadológico pela via da privatização, da expansão e da diversificação das instituições. Dentre os países onde a privatização já se expandiu, tornando-se uma realidade, no setor educacional, destacamos o Canadá.

A partir dos estudos de Sguissardi (2003), podemos inferir que aquele país vem privatizando a educação superior, pois o financiamento público é cada vez mais reduzido para o seu desenvolvimento. Portanto, segundo o autor, cobra pelos serviços educacionais prestados à sociedade, cujo valor do custo varia por províncias e por cursos.

As motivações para a privatização advêm de um conjunto de aspectos: crescimento da demanda, agenda de mudanças orientadas pelos organismos internacionais, pela burocracia do governo e pelo setor empresarial. Nisso, podemos perceber a expansão da dominação mercadológica defendida pelo imperialismo norte-americano.

De acordo com Sguissardi (2003, p. 205) as privatizações das universidades públicas canadenses “[...] estaria seguindo caminho similar ao percorrido na educação superior de países como os Estados Unidos, Austrália, Inglaterra e muitos outros.” Pois, os estudantes são considerados os consumidores, as instituições como provedoras de serviços de acordo com o interesse da demanda e o conhecimento é reduzido a um instrumento para elevar a produtividade exigida pelo mercado.

O autor cita, como um dos exemplos do que vem ocorrendo no Canadá, que segue os modelos já implantados em outros países, a criação do “Corporate Higher Education Found”

(sic) cuja inspiração foi o fundo inaugurado nos Estados Unidos, Business Higher Education

Forum, que vinculou a pesquisa aplicada às demandas industriais, além do que, agilizou o ajustamento e a transferência dos conhecimentos produzidos nas instituições para as empresas.

Além do Canadá, em outros países em desenvolvimento, como nos latino- americanos, a exemplo do Brasil, a privatização expandiu-se e apresenta várias feições, como enfatiza Chaves (2005), por determinações das políticas do Estado. Estas restringem os recursos públicos para esse nível de ensino, que passa a ser concebido, pelos neoliberais, como um

bem privado ou mercadoria de interesse individual e não como possibilidade de contribuição para o crescimento social.

No caso da educação superior brasileira, a autora afirma que o setor privado vem se expandido, juntamente com o processo de “privatização do público”, pois a reforma adentrou as universidades públicas federais e provocou mudanças na sua estrutura organizacional, alterando as relações acadêmicas para que se tornem compatíveis com os interesses capitalistas.

São reflexos das reformulações que minimalizam o Estado, no sentido de intervenção das regras de mercado de modo a alargar o espaço para a livre concorrência, na área educacional. Isso se manifesta na grande propagação de cursos, em instituições privadas, que promovem o atendimento ao mundo produtivo nos moldes da eficiência e da produtividade21, aportes de sustentação da educação de qualidade total.

A “qualidade total” na educação, é traduzida nas proposições técnicas da gerência empresarial, que tem um complicador quando se faz referência a essa definição para a escola pública, porque nesta não se aplica a qualidade política que poderia suscitar habilidades da competência do indivíduo (LIMA, 2000, p. 242).

Como enfatiza Lima (2000), a teoria da “qualidade total” segue o fio condutor do gerencialismo, que ultrapassa a fronteira das empresas e adentra os espaços de formação humana, para moldá-los de acordo com o perfil de educação racionalista pautada por aspectos técnicos, distanciados da possibilidade de uma formação, também, política.

Concomitantemente à expansão do privado e da “privatização do público”, são implementadas as políticas avaliativas, como a do Exame Nacional de Cursos, conhecido como “Provão”, que surge como política impositiva com intenções de desarticular o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras – PAIUB. Atualmente, está em desenvolvimento o Sistema de Avaliação da Educação Superior – SINAES, que enfatiza uma avaliação fragmentada, no âmbito da instituição, do curso e do desempenho discente, conforme será aprofundado nos capítulos posteriores.

21

“A “eficiência” de um processo educacional refere-se ao grau de desperdício de recursos (ou sua ausência) dentro de uma dada técnica. A “produtividade” refere-se ao nível observado de insumo por unidade de produto ou à possibilidade de melhorar as relações insumo-produto por meio de novos métodos e equipamentos ou por novas técnicas” (SHEEHAN, 1975 apud LIMA, 2000, p. 244).

As privatizações do serviço público inibem a existência da autonomia das instituições. Embora a autonomia esteja relacionada à construção coletiva de uma universidade democrática, percebemos que os próprios marcos regulatórios da educação superior, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/1996), traçam seus limites, pois está submetida à supervisão do Estado, principalmente, no controle da qualidade, por meio da avaliação.

Por outro lado, entende-se a autonomia como garantia do uso racional de recursos a serem captados e aplicados, inclusive, por meio das fundações de apoio. Assim, esse entendimento de autonomia reforça a mercadorização da educação superior, uma vez que a universidade pública é induzida a superar suas crises financeiras gerando receitas, por meio de parcerias também com empresas privadas.

Essa política concebe as Universidades públicas como empresas econômicas, de acordo com Sguissardi (2005), fator este que induz as instituições a abandonarem a luta pela autonomia, nos âmbitos da gestão, avaliação, formação, e inserir-se no ranking competitivo da universidade mundial e heterônoma, uma vez que possibilita ao Estado e ao mercado interferir em seus direcionamentos e deturpar o entendimento de autonomia, pois

A autonomia é, neste caso, entendida como distanciamentos dos controles do poder público e como capacidade/exigência de busca de recursos das mais distintas fontes: anuidades escolares, contribuição de ex-alunos (impostos sobre diplomas?), vendas de serviços de assessoria, desenvolvimento de processos e produtos que interessem diretamente ao mercado, etc. (SGUISSARDI, 2005, p. 10).

Entretanto, a autonomia universitária deve ser compreendida pelo direito e pelo poder da instituição de definir e implementar suas normas de formação, docência e pesquisa. Nesse sentido, Chauí aborda a autonomia sob três perspectivas:

a) como autonomia institucional ou de políticas acadêmicas (autonomia em relação aos governos); b) como autonomia intelectual (autonomia em relação a credos religiosos, partidos políticos, ideologia estatal, imposições empresariais e financeiras); c) como autonomia da gestão financeira que lhe permita destinar os recursos segundo as necessidades regionais e locais da docência e da pesquisa (CHAUÍ, 2007, p. 8. Grifos nossos).

Pelo mencionado, a autora possibilita o entendimento de autonomia relacionada à autodeterminação das políticas acadêmicas, dos projetos e metas das instituições e da

autônoma condução administrativa, financeira e patrimonial. No aspecto do financiamento, as universidades são autônomas para aplicar os recursos que deveriam ser públicos.

Portanto, a concepção de autonomia, que possibilita à universidade crescer dentro de suas proposições e interesses, está ameaçada. Um dos traços que refletem essa ameaça está relacionado à autonomia de gestão financeira, pois o Estado neoliberal entende que as instituições não só devem gerir os recursos como também deve gerá-los, por meio de receitas próprias, e, desse modo, conduzir a universidade para a lógica de bem privado.

Nessa perspectiva, a universidade abandona a concepção de autonomia e adentra o modelo de heteronomia, que, segundo Sguissardi (2003), possibilita ao Estado e à iniciativa privada exercer poderes na condução das políticas universitárias, interferindo na definição da sua missão, finalidades, processos.

Ampliam-se os espaços para que o mercado e o Estado imponham e enfatizem os seus interesses mercadológicos, também, que enveredem pela competição universal, uma vez que “No Estado neoliberal e na globalização, porém, a educação superior (a universidade) passa a ser vista como parte do problema econômico de cada país, entendido este como falta de competitividade internacional” (SGUISSARDI, 2003, p. 203).

A partir dessa premissa, percebemos que a educação superior é vista como um bem privado e não público e que, ao seguir a teoria do capital humano, efetiva-se a universidade como um suporte para o mundo empresarial, para superar os distanciamentos com o mundo do trabalho.

Situação esta que contribui para que diminua cada vez mais a distinção entre a universidade pública e a universidade privada, desqualificando o seu papel social, pois essa instituição é entendida como uma empresa mercantil, como enfatiza Santos.

[...] uma entidade que não produz apenas para o mercado, mas que se produz a si mesma como mercado, como mercado de gestão universitária, de planos de estudo, de certificação, de formação de docentes, de avaliação de docentes e estudantes [...] (SANTOS, 2005, p. 18).

No processo de ajustamento da educação superior aos moldes empresariais, evidencia- se que a universidade pública sofre o processo de mercadorização, em nível nacional e transnacional, que, no final da década de 1990, “ [...] é transformada em solução global dos

problemas da educação por parte do Banco Mundial e Organização Mundial do Comércio. Ou seja, está em curso a globalização neoliberal da universidade” (SANTOS 2005, p. 17).

Os direcionamentos da educação superior, na perspectiva da privatização, incluem mercado e quase-mercado educacional, onde a avaliação da educação superior é uma das políticas de suporte para o planejamento financeiro, e são legitimados, oficialmente, no Brasil, com a reforma do Estado “[...] que vai exigir, de forma imperiosa, a disciplina fiscal, a privatização e a liberalização comercia” (BEHRING, 2003, p. 172).

Sobre a reforma do Estado brasileiro, aprofundaremos nossa análise, a seguir, com a intenção de compreendermos esses direcionamentos das políticas públicas para a educação superior, em específico quanto à avaliação institucional.

1.4 A reforma do Estado brasileiro, nos anos de 1990, e a dimensão