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A modalidade pentecostal dos guerreiros de oração

APÊNDICE I O crucifixo que jorrou sangue

CAPÍTULO 3 – AS VIGÍLIAS DE ORAÇÃO NOS MONTES DOS GUERREIROS DE

3.3 A modalidade pentecostal dos guerreiros de oração

crescimento espiritual, além de orar muito e jejuar, estava a ler muitos livros e a ouvir pregações de pastores pentecostais que o fazia se sentir cada vez mais revestido do Espírito Santo. Tiago também aponta que era quase inevitável não entrar em contato com as coisas evangélicas naquela época lembrando-se que existia em Sapucaia mais de cinco rádios comunitárias deles e apenas uma católica.

As músicas de cunho protestante influenciavam e até eram cantadas nos grupos de oração católico. Quem num passava em uma livraria evangélica pra comprar uma camiseta de Jesus? Quem não assistia um programa ou outro que passava na televisão? Por isso, o material evangélico tava com certeza no meio carismático católico. O problema era fingir que essas coisa num acontecia. Eu não me importava com isso, mas num negava de onde tinha vindo, da Igreja Católica. Só achava anticristão e uma hipocrisia ficar falando mal dos evangélico sendo que nós mesmo, carismático, tinha nascido deles. Os evangélico, os pentecostais tão muitos ano na frente dos carismático quanto ao conhecimento da obra de Deus81.

Quando perguntado sobre os autores que havia lido, Tiago mencionara entre outros Josué Irion, Carlos Anaconda e Peter Wagner, objetos de estudos do Núcleo de Estudos em Religião (NER) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul na linha de pesquisa A Transcontinentalização da Fé. Esses nomes são tidos como referência em temas pentecostais como Batalha Espiritual. Trata-se ao mesmo tempo de um tema e de uma corrente pentecostal que se espalhou pelos anos 90 através dos meios de comunicação (programas de Rádio e TV) e materiais áudio-visuais e impressos (Fitas Cassetes e VHS e livros) de vários outros pastores como: Valnice Milhomens, do antigo Ministério Palavra da Fé, do casal Estevan e Sonia Hernandes da Igreja Renascer em Cristo e do Padre carismático Alberto Gambarini, de Campinas. Todos esses nomes foram muito familiares na vida dos jovens senhores durante a década de 90.

No mesmo período em que Daniel fora para São Paulo, Tiago começara a vivenciar as ditas experiências carismáticas mais fortes que tivera inicialmente em sua Experiência de Oração.

3.3 A modalidade pentecostal dos guerreiros de oração

Ao se encontrarem na casa de um parente de Daniel, no bairro da Lapa, após longa conversa, alegaram ter chegado à conclusão que a RCC de Sapucaia estaria caindo numa espécie de esfriamento espiritual e que o mesmo já estaria visível nos grupos de oração. Relembraram que durante o ano de suas transformações a RCC ainda estava avivada, com os grupos cheios e a presença do Espírito Santo, mas que com o passar dos anos e principalmente por conta do Doc. 53 da CNBB e da postura de vários coordenadores a Renovação estaria caindo em um esfriamento sem precedentes. As considerações feitas pelos dois jovens naquela época fizeram-nos pensar sobremaneira em seus “pais na fé82” José Augusto, Pedro Rafael e Bob, no sentido deles estarem ou não conscientes da realidade espiritual decadente de Sapucaia.

Durante aquele período do ano de 94 tanto um quanto o outro relataram que, em suas orações de intercessão em favor da cidade de Sapucaia, passaram a sentir situações estranhas. Segundo eles, uma espécie de peso, de fardo ou bloqueio espiritual, se fazia sentir na “atmosfera83” impedindo que eles sentissem a presença do Espírito Santo e de suas bênçãos. Consequentemente, por conta disso, diziam sentir um grande esfriamento.

Foi aí que juntos, resolveram orar e pedir a Deus que viesse lhes falar. Contam que abrindo a Bíblia na sorte, veio-lhes o livro bíblico de Daniel, no capítulo 10, que, segundo eles, relata o episódio de uma grande guerra nos ares entre anjos do bem e anjos do mal, dentre os quais o Arcanjo Miguel, despertado pelas orações do profeta Daniel, vencera e expulsara anjos da maldade. Não certos de que tivesse sido realmente uma palavra dada pelos céus, continuaram a orar e pediram a Deus que lhes “confirmassem” (termo usado por eles) aquela palavra dada, dando-lhes na sorte uma outra semelhante. O resultado, segundo o relato dos senhores, foi que ao abrir novamente a Bíblia, o livro a aparecer foi da Carta de São Paulo aos Efésios, no capítulo 6, versículo 10 a 12. A passagem mencionava a eles que estava a ocorrer uma guerra espiritual nos ares, conforme o que segue:

Finalmente, fortalecei-vos no Senhor e na força de seu poder. Revesti- vos da armadura de Deus, para poderdes resistir às insídias do diabo.

82 Expressão comumente utilizada entre os carismáticos de Sapucaia. Foi um termo percebido em Sapucaia, referindo-se às pessoas que são os primeiros responsáveis pela conversão de alguém. 83 Segundo a crença deles, a atmosfera refere-se aos ares que são espaços habitados por anjos e/ou demônios.

Pois o nosso combate não é contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam as regiões celestiais (BÍBLIA, 1985).

Após a confirmação, os jovens continuaram relatando que a palavra dada serviu como que uma luz a iluminar ou a desvelar as trevas que estavam cobrindo aquela situação ou atmosfera espiritual no bairro da Lapa. Tanto é verdade, disseram eles, que logo em seguida, quando foram agradecer a Deus pela confirmação da palavra dada, lhes desceu tamanha sensação de força do Espírito Santo como nunca tinham sentido. Nomearam essa força de “unção do guerreiro”. Assim Tiago discorre: Não foi como o batismo no Espírito Santo que eu senti na primeira vez quando fiz a Experiência de Oração. Foi muito mais forte. Foi algo incrível. Tremendo. Era um Batismo dobrado. Sei lá. Parecia que eu tava sendo injetado com muita força, com unção, com muito poder. Dava a impressão que a gente tava grande e forte. Nossa oração imediatamente ficou diferente. Nosso jeito de orar em línguas ficou diferente. Ficamo cheio de autoridade e poder.

Essa seria a experiência que em pouco tempo tomaria conta de grande parte dos adeptos da RCC em Sapucaia promovendo um forte ardor carismático, que segundo José Augusto, seria um segundo e maior “avivamento” depois dos inícios de 1988, com novas práticas religiosas como as vigílias de oração nos montes, que perduram até os dias de hoje.

Daniel e Tiago relataram ainda: “nossas espiritualidades mudaram”, aludindo à modalidade de ser carismático. Daquele dia em diante sentiram em si mesmos uma mudança em suas cosmovisões que os conduziram a uma maior intensificação principalmente com relação às suas experiências religiosas de oração.

Contam que a partir desse episódio passaram a entender que todo o esforço relacionado à vivência cristã era condicionado a uma situação que estava ocorrendo nos ares. Ou seja, que de acordo com o que entenderam das passagens bíblicas, acreditavam que havia seres malignos que influenciavam os humanos, a terra, as cidades, os governos, os países e também a igreja. Por isso, surgira a necessidade de uma guerra espiritual, em que os “servos de Deus” ou os “guerreiros de oração” seriam chamados para resistir a essas forças em favor da implantação do Reino de Deus. Em outras palavras, que, por meio da guerra espiritual, toda a sorte de bênçãos

divinas seriam derramadas, porque o exército maligno estaria sendo vencido pela oração dos guerreiros de oração.

Surgira, segundo eles, um chamado de Deus para que se levantasse um exército divino na cidade de Sapucaia. A fundamentação para tal seria de que em uma de suas orações, Tiago, reunido com as pessoas da comunidade carismática de aliança que participava, teria recebido um comando de Deus através de um livro bíblico para anunciar o novo tempo de guerra espiritual.

Os dois jovens senhores continuaram relatando que permaneceram firmados nessa intenção, quando marcaram uma reunião com dois dos maiores líderes pregadores da RCC de Sapucaia, José Augusto e Pedro, seus pais na fé, com o intuito de lhes dizer que a RCC não estava conseguindo atingir êxito em seus trabalhos e que a mesma apresentava resultados insatisfatórios porque estava agindo de maneira equivocada. Daniel e Thiago relembram o episódio dizendo que efetuar uma reunião com líderes da RCC afirmando que os mesmos estariam errados era algo descabido. Entretanto, a convicção deles era grande o suficiente para acreditarem que era Deus a conduzi-los.

Após terem dito tudo o que ocorrera naqueles últimos dias em São Paulo aos dois líderes e lhes explicado sobre a guerra espiritual, foi marcado um retiro. Em conversa informal com José Augusto e Pedro, as histórias não apenas foram confirmadas como também estes relataram que os jovens os convenceram porque aparentavam estarem cheios do Espírito Santo e com muita versatilidade no trato com os textos bíblicos. Ademais, disseram que também confirmavam que naquele período estavam sentindo na cidade de Sapucaia uma espécie de frieza e bloqueio espiritual nos ares e que a RCC já estava a se esfriar. Disseram ainda que o estado dos grupos que eram da modalidade da RCC oficial estava lastimável. Se o grupo da paróquia Cristo Redentor sentia um esfriamento, muito pior era a situação dos outros grupos. José e Pedro ficaram tão convencidos das palavras dos jovens que abriram espaço para que os mesmos lhes falassem em público durante um retiro que iriam preparar. Como esperado, o retiro ocorrera e a partir dali iniciara-se uma nova corrente espiritual. Aos que aderiram à corrente, passaram a ser chamados de Guerreiros de Oração.