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A MUDANÇA ESTRUTURAL NAS CONDIÇÕES DE TRABALHO

No documento WALDEMIRA DE LOURDES GRAÇANO (páginas 33-36)

Nas primeiras décadas do século XX, o jornalismo brasileiro, marcado pelo estilo europeu, possuía uma clara tradição literária. Não havia ainda a influência do modelo norte-americano, mais noticioso e seco. A imprensa desempenhava um papel pedagógico de defensora do povo, do progresso e da democracia. A idéia de um jornal feito para gerar lucros encontrava muitos obstáculos, como destaca Gisela Taschner:

“As práticas mercantis não tinham sido totalmente sancionadas do ponto de vista ético, e menos ainda quando referentes à mercantilização do trabalho intelectual.”

(TASCHNER, 1992, p. 37)

A autora observa ainda que o país tinha forte tendência à cópia de modelos. Os jornais da grande imprensa brasileira se espelhavam no The Times, de Londres, ou no Les Temps, de Paris, e La Prensa, de Buenos Aires. A imprensa nacional se aproximava dos produtos da indústria cultural muito antes que o país tivesse infra-estrutura para sua instalação. Havia muitos entraves para a consolidação da imprensa como empresa, como nos mostra Jorge Cláudio Ribeiro:

O desenvolvimento da imprensa esbarrava ainda no restrito mercado interno (marcado pela estrutura escravista) e no pequeno público leitor: em 1890, o analfabetismo afetava 84% da população brasileira; em 1920 esse índice recuou ligeiramente para 75%. De pouco adiantava importar maquinário moderno, pois sua capacidade de impressão fatalmente permaneceria ociosa. (...) os avanços técnicos trazidos do exterior nas duas primeiras décadas desde século não foram acompanhados de novos procedimentos administrativos, profissionais e éticos na imprensa brasileira. (RIBEIRO, 2001, p. 32)

Havia um baixo nível de profissionalização, tanto de empregados quanto de empresários. O exercício do jornalismo não era exatamente uma profissão, mas um trabalho informal, cujo prestígio compensava o baixo salário. Na década de 30 o sistema de comunicações começou a crescer através do rádio, graças, principalmente à Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, e à Rádio Record em São Paulo. Restavam ainda contradições, como lembra Ribeiro: “a cultura marcada pelo oportunismo e pela dependência em relação ao Estado; a fragilidade das instituições políticas e culturais; o mercado econômico restrito e desigual; o analfabetismo que, no final da década, atingia 57% da população” (RIBEIRO, 2001, p. 36). Apesar dos primeiros passos de modernização, o jornalismo continuava a ser encarado pelos empresários como um balcão de venda de informação e de opinião. Para os jornalistas, servia como escada de acesso à política ou à carreira literária.

Em 1937, o Estado Novo regulamentou a profissão de jornalista, através do Decreto-Lei número 910, com o objetivo de ampliar o controle sobre a imprensa. Ao longo dos anos, esse controle se converteu num círculo pernicioso de favores entre governos e empresas de comunicação. Durante décadas a imprensa brasileira prestou favores ao Estado utilizando como moeda de troca seu peso junto à opinião pública.11

Ainda, segundo Ribeiro, é possível notar que, durante a década de 80, o Brasil consolidou um sistema de comunicação, com produção e circulação de mercadorias culturais que procuraram seguir a lógica capitalista. “O trabalho passou a ser medido pelo princípio do desempenho, que deixou cada vez menos espaço para a ação individual do jornalista, expropriado em seu poder pela crescente iniciativa da empresa de notícias – esta sim, o grande sujeito da notícia”. Citando Paulo Francis, Ribeiro

11 Para uma apreciação completa dos aspectos históricos da comunicação no Brasil, consultar RIBEIRO, in Sempre Alerta: condições e contradições do trabalho jornalístico.3a.ed. São Paulo:ed. Olho D’Água,2001

lembra que “o jornalismo da década de 50 tinha algo que me parece em extinção:

personalidades fortes, opinionadas, uma tradição humanista e generalista que hoje desapareceu”. (RIBEIRO, 2001, pp. 53 e 54)

Os jornalistas tiveram muita dificuldade para compreender esse novo momento da profissão, quando não havia mais elo de proximidade, e as tradições paternalistas foram drasticamente reduzidas. Ainda na década de 80, os funcionários eram tratados como integrantes de uma família. Na Rede Paranaense de Televisão, por exemplo, os funcionários recebiam anualmente um prêmio correspondente à metade do salário na data em que se comemorava o aniversário da emissora. Como afirma RIBEIRO (2001, p. 54), com o novo sistema de trabalho, “em toda a atividade jornalística foi corroído o velho espírito de missão. Dentro dos jornais ocorreu um desencantamento do mundo, devido à eliminação dos elementos políticos e românticos, incompatíveis com uma produção industrializada”.

Devido à racionalidade industrial, as empresas de comunicação passaram a ser regidas por critérios de desempenho, produtividade e rentabilidade, critérios esses que, nem sempre, são vividos de maneira pacífica caso se leve em consideração as novas exigências que se apresentam aos veículos de comunicação a partir de uma atuação mais direta do público, como ocorre atualmente. Seja como for, o objetivo comercial do jornalismo é cada vez mais forte; ele é perseguido pela venda de exemplares dos veículos impressos, venda de espaço para propagandas e, principalmente, pela venda da imagem e credibilidade do próprio veículo como instituição e como empresa.

Todas as etapas de produção passaram a obedecer à lógica comercial, seguindo uma padronização que interfere na definição de temas, na captação das informações, na edição das notícias. Até mesmo o texto jornalístico passou por radical transformação, adotando um formato instrumental, mais identificado com as necessidades do mercado: um jornalismo que se pretende didático e de serviço. É o que avalia Márcia Glogowski, em depoimento a Jorge Cláudio Ribeiro, quando ocupava o cargo de subeditora do jornal O Estado de São Paulo: “você se habitua a escrever dentro daquele padrão; nesse sentido a profissão empobrece – você percebe que vai se travando”. Nesse sentido, Ribeiro complementa, afirmando que essa

dinâmica resulta numa “automatização mental, que tende a se transferir ao leitor, o qual passa a consumir uma linguagem previsível, empobrecida”. (RIBEIRO, 2001, p.

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No documento WALDEMIRA DE LOURDES GRAÇANO (páginas 33-36)