II. O Código Penal de 1982 e a eliminação da imputabilidade diminuída –
6. A não censurabilidade
Exige-se, por fim, que todos os anteriores elementos sejam tais que não
impliquem a sua censura. Esta condição convoca algumas questões: (1) Como se
concilia a ausência de domínio sobre os efeitos da anomalia psíquica grave e não
acidental com a uma possível censurabilidade? (2) O que se deverá entender por
censurabilidade? (3) Como se relaciona este juízo de censurabilidade com as
normas referentes à determinação da pena?
Não cabe, no âmbito desta dissertação, o aprofundamento do estudo das
diferentes concepções de culpa que têm confrontado a doutrina penal ao longo de
séculos
536. Assim sendo, daremos apenas conta das mais recentes divergências e
respectivas consequências na matéria aqui analisada.
533 Expressamente: «La llamada imputabilidad disminuida del § 51, párr. 2 no excluye la
culpabilidad y el castigo del autor. Trátase, en tal caso, solamente de una causa legal especial de
graduación judicial de la pena» (Mezger, E., 1958, p. 223).
534 Em casos únicos de insensibilidade à pena: «la pequeña sensibilidad a la pena sólo puede
justificar, en todo caso, que la pena resulte más severa que en casos comparables cometidos por otros autores, pero no que se pueda aplicar una pena tan grave como la que habría correspondido si el mismo autor hubiera obrado en la comisión del mismo hecho con total capacidad de culpabilidad. Por otra parte, » (Stratenwerth, G., 1982, p. 174).
535 Assim: «los diferentes grados de la capacidad de culpabilidad son esencialmente de
naturaleza normativa; son diferencias en mayor o menor gravedad. De todos modos la ley, al exigir una considerable disminución de la capacidad de comprender o de inhibición, procura reducir el ámbito dentro del cual se reconoce la disminución de la capacidad de culpabilidad.» (Stratenwerth, G.,
1982, p. 174).
536 Não analisaremos, aqui, a questão da concepção psicológica da culpa preconizada pela
Escola Positivista, de acordo com a qual – sendo o delinquente «anormalidade da natureza humana» cuja prática do crime corresponderia a um fenómeno natural e necessário, com causas físicas, antropológicas e sociais que o determinavam – a culpa seria apenas mais um dos elementos
137
Eberhard Schmidt socorre-se, para analisar a violação do dever de respeito
da norma de conduta, do critério do homem médio, verificando, através das regras
da experiência, a eventualidade de ocorrência de «um desenrolar normal do
processo de motivação», isto é, a «possibilidade, pelo menos, de se representar
uma ligação psicológica susceptível de legitimar a imputação ao agente a título de dolo ou de negligência: «a culpa era considerada como a ligação subjectiva do agente com o resultado. O dolo e a negligência eram considerados “formas de culpa”, enquanto a imputabilidade se caracterizava como “pressuposto da culpa” ou “pressuposto da pena”. Foram defensores famosos de um tal conceito psicológico – com numerosas divergências entre si – v. Buri, v. Liszt, Löffler, Kohlrausch, nas publicações mais antigas, e Radbruch.» (Roxin, Claus, 1991, “Culpa e Responsabilidade”, in:
Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 1, n.º 4, p. 507). Diz von Liszt: «el concepto de culpabilidad en sentido estricto, comprensivo, tan sólo, de la relación subjetiva entre el acto y el
autor. (…) La relación subjetiva entre el hecho y el autor sólo puede ser psicológica; pero, si existe,
determina la ordenación jurídica en consideración valorativa (normativa). Según ella, el acto culpable es la acción dolosa o culposa del individuo imputable. De la significación sintomática del acto culpable, respecto de la naturaleza peculiar del autor, se deduce el contenido material del
concepto de culpabilidad; éste radica en el carácter asocial del autor, cognoscible por el acto cometido (conducta antisocial); es decir, en la imperfección del sentimiento del deber social necesario
para la vida común en el Estado, y en la motivación antisocial, provocada por esa causa (en proponerse un fin contrario a los fines de la comunidad)» (Liszt, Franz von, 1930, Tratado de Derecho Penal, Tomo 2, 3.ª ed., traduzida da 20.ª edição alemã por Luis Jimenez de Asua, Madrid: Instituto
Editorial Reus, p. 388).
A imputabilidade seria, a esta luz, mero pressuposto da culpa: «Dentro de este concepto no
tendrían lugar otros requisitos: dado que la capacidad de culpabilidad no pertenece al reflejo subjetivo del hecho no puede ser etiquetada como componente de la culpabilidad, sino sólo como “presupuesto” de la misma» (Stratenwerth, G., 1982, p. 163). Sobre este ponto, vejam-se as palabras
de von Liszt: «La imputación contenida en el juicio de culpabilidad supone, por tanto, dos elementos:
a) La imputabilidad (Zurechnungfähigkeit) (culpabilidad) del autor. – Esta se da con aquel estado psíquico del autor que le garantiza la posibilidad de conducirse socialmente; es decir, con la facultad que tiene el agente de determinarse, de un modo general, por las normas de la conducta social, ya pertenezcan éstas a los dominios de la religión, de la moral, de la inteligencia, etc., o a los dominios del derecho. b) La imputación (Zurechenbarkeit) del acto. – Esta se da cuando el autor conocía la significación antisocial de su conducta, o cuando hubiese podido y debido conocerla; es decir, cuando el agente, en el caso concreto, no ha sido determinado por las normas de la conducta social. De este modo quedan fijados los fundamentos de las dos especies de culpabilidad, el dolo y la culpa» (Liszt, F.
v., 1930, p. 389).
Esta ideia é actualmente discutível: «Discute-se, entre os partidários da teoria normativa da culpa, se a imputabilidade é um pressuposto ou um elemento da culpa. Para a teoria psicológica da culpa tratava-se evidentemente de um pressuposto da culpa. Em rigor, a imputabilidade, enquanto capacidade de culpa, é um pressuposto da mesma» (Cerezo Mir, José, 2002, Curso de Derecho Penal
Español: Parte General: III – Teoría jurídica del delito, vol. 2, Madrid, Editorial Tecnos, p. 50, nota 1,
tradução livre).
Também o conceito de culpa concebido pela Escola Neoclássica, que passa a integrar, além da dimensão psicológica, uma dimensão normativa de censurabilidade do agente, não será aqui desenvolvido, cabendo apenas a referência à introdução expressa da imputabilidade (capacidade do agente de avaliar a ilicitude do facto e de se determinar por essa avaliação) como elemento constitutivo da culpa, ao lado do dolo/negligência (formas ou graus de culpa) e da exigibilidade – num conjunto de juízos marcados pela indistinção entre objecto da valoração e valoração, característica do pensamento neoclássico. Assim, reconhece-se «que a culpa depende da normalidade das circunstâncias concomitantes ao facto, circunstâncias estas que definem um quadro de “motivação normal”. (…) Se a culpa é censurabilidade ou reprovação, vale por dizer, se ela não mais se esgota na relação psíquica entre facto e agente, resta excluída a possibilidade lógico- conceitual de continuar a dizer que o dolo e a negligência são formas de culpa: na verdade, ambas as categorias são – ao lado da imputabilidade e da exigibilidade – elementos da culpa» (Costa, J. F., 2017, p. 386).
138
mentalmente o resultado típico provocado pela sua acção e, simultaneamente,
conhecer o não-dever-ser daquela acção na vida social».
Entre os Autores que conceberam conceitos normativos de culpa, mencionem-
se, sem pretensões de exaustividade, os exemplos de Frank
537, Goldschmidt
538e,
retomando a concepção deste último autor da culpa como complexo de elementos
psíquicos e elementos normativos
539, Edmund Mezger, que parte de um conceito
social de culpa – isto é, da ideia de que o agente deve ser censurado por não ter
«satisfeito o padrão do comportamento a esperar e exigir de um homem de
carácter», as exigências da ordem jurídica
540– e analisa a personalidade do agente
– observando «o tipo de relação desvaliosa entre o agente e o seu facto que é
necessária para que este possa ser punido»
541– para aferir se o agente tem, ou não
(caso em que será inimputável), condições para cumprir as «exigências colocadas a
qualquer um em vida social»
542. O agente será imputável (terá capacidade de
culpa)
543, se estiver verificado o critério da dupla adequação, ou seja, se o facto for
«adequado à personalidade do agente, isto é, ser uma expressão daquela
personalidade» e se esta for «adequada às exigências sociais dirigidas a qualquer
indivíduo»
544. Para responder a este segundo ponto será, ainda, decisiva a
ponderação dos fins das penas
545e análise da capacidade de motivação do agente
de acordo com um «ponto de vista sociológico»
546.
537 «Frank retirou da sua análise a consequência de que a culpa não consiste apenas na
ligação psíquica do agente com o resultado, mas sim em três elementos” de igual importância: 1) a constituição psíquica normal do agente; 2) uma ligação psíquica concreta do agente com o facto ou a possibilidade de uma tal ligação (dolo ou negligência); 3) a configuração normal das circunstâncias em que o agente actua.» (Roxin, C., 1991, pp. 508-509).
538 «Segundo Goldschmidt, ao lado da “norma de direito”, que exige um comportamento»
(Roxin, C., 1991, p. 509).
539 A culpa é simultaneamente o facto – o «conjunto de circunstâncias que vão ser tomadas
no seu conjunto para serem objecto de um juízo de valor» – e o juízo de valor que incide sobre aquele facto (Neves, J. C., 2006, p. 337).
540 Cf. Neves, J. C., 2006, p. 340. 541 Cf. Neves, J. C., 2006, pp. 338-339.
542 Assim: «Lo único que puede permitirnos deducir a la responsabilidad del individuo es que la
personalidad llegue a participar de los valores suprapersonales, deduciéndose la posibilidad potencial de que estos valores se conviertan en motivos eficientes de la conducta. La responsabilidad se deduce no del plano psicológico, sino del plano jurídico. A esta vivencia valorativa, en este caso comunitaria, se puede anudar una consideración normativa» (Navarrete Urieta, J. M., 1959, p. 44).
543 Navarreta Urieta traça a evolução do pensamento de Edmund Mezger nesta matéria,
confirmando o seu entendimento da imputabilidade como capacidade de culpa ao longo da sua obra (Navarrete Urieta, J. M., 1959, pp. 41 e ss).
544 Cf. Neves, J. C., 2006, p. 342.
545 Neste sentido: «Se trata de aclarar los puntos de vista juridídicamente esenciales que son
determinantes a los fines de la apreciacón de los estados mencionados en el § 51, párr. 1, ya descriptos en detalle. Al existir ellos ¿cuándo no existe la responsabilidad jurídico-penal de la persona afectada?
139
Por outro lado, os defensores de uma culpa da vontade concebem-na com
base numa ideia de liberdade (livre-arbítrio) para agir lícita ou ilicitamente,
traduzida, as mais das vezes – embora esta orientação doutrinária integre um
grupo heterogéneo de concepções
547– no critério do poder agir de outra maneira.
Figueiredo Dias – Autor profundamente crítico desta concepção de culpa
548–
defende a sua incompatibilidade com o regime consagrado no art. 20.º, n.º 2, do CP,
uma vez que, de acordo com uma culpa da vontade, a imputabilidade diminuída
corresponderia a uma diminuição daquela liberdade, a qual teria, forçosamente,
como consequência a diminuição da pena (por diminuição da capacidade de culpa).
Diz o Autor que uma solução de acordo com o poder agir de outra maneira
«aplicaria uma pena atenuada referida à culpa do facto, mas acompanhada de uma
La correcta contestación a esta pregunta puede ser encontrada, al fin y al cabo, solamente en la esencia de la pena y en las finalidades fundamentales del derecho penal en vigor» (Mezger, E., 1958, p.
218).
546 Cf. Neves, J. C., 2006, p. 344.
547 A concepção de culpa da vontade assenta na ideia de que «só aquilo contra o que o homem
pode, do ponto de vista da vontade, alguma coisa, lhe pode ser censurado como culpa» e divise-se em duas orientações (Dias, J. F., 1995, p. 58): a daqueles, como Arthur Kaufmann, que «valoram o querer como tal, referindo o valor moral da acção, o mérito ou a censura, ao querer efectivo do indivíduo e ao seu conteúdo», vendo na culpa «o substrato real da decisão da vontade contra o dever»; e a dos que se abstraem daquele conteúdo e «tomam como critério do valor ético só a medida e o grau em que o querer se afasta da determinação pelo dever-ser, dentro do âmbito de possibilidades que lhe era dado», entendendo a culpa como o «juízo de censura de que se torna passível uma manifestação de vontade, na medida em que o autor desta poderia ter agido de maneira diversa».
Esta última orientação coloca, nas palavras de Figueiredo Dias «em segunda linha (fazendo-o ressaltar por forma indirecta ou consequencial) o carácter culposo da vontade, para se referir primariamente ao mau uso do livre-arbítrio ou da liberdade de eleição, à vontade potencial», confluindo o «poder agir de outra maneira», juridicamente, na «capacidade de se deixar motivar pela norma», aproximando-se e participando do «denominador comum da concepção actualmente dominante da culpa jurídico-penal», isto é, da ideia da capacidade de motivação pela norma (Dias, J. F., 1995, p. 65).
548 Considerando o problema da sua fundamentação no livre-arbítrio, o qual carece
(aparentemente de forma definitiva) de fundamentação (como demonstrada pelos estudos de Engish, Bergson a Schneider, nos quais se apoia Figueiredo Dias para concluir que, à questão concreta do poder agir de outra maneira «nenhum homem pode responder», cf. Dias, J. F., 1995, pp. 35-36) – diz o Autor «a afirmação da liberdade do acto humano de vontade, a ser possível, só teria sentido como pura consequência do existir de um ser-livre actuante, que se revelaria como a própria essência do existir do homem e que, assim, deveria pertencer a todas as “suas” acções: às mais reflectidas como às mais impulsivas, às do homem normal como às do louco (…) afirmação [que] (…) nunca poderia servir de critério (como se imporia para que o livre-arbítrio se erigisse em fundamento da culpa e em padrão da sua medida) ao concreto poder do agente de actuar, na situação, por maneira diversa» (Dias, J. F., 1995, p. 34) –, pelo que não poderá fundamentar a culpa jurídico-penal e, por outro lado, a insuportabilidade político-criminal da possibilidade que este tipo de concepção confere no que respeita a agentes particularmente perigosos (Ambos, K., 2010, p. 177).
140
medida de segurança que obviasse à sua especial perigosidade»
549, a qual não está
contemplada no regime legal.
Decisiva para a compreensão do problema da imputabilidade diminuída à luz
do nosso Código Penal é a ideia de culpa pelo carácter
550, defendida, entre nós, por
Eduardo Correia. Através do regime diferenciado por si preconizado permitir-se-á a
realização de um juízo de censura sobre a própria tendência do agente para o
crime, a qual poderá sustentar uma declaração de inimputabilidade; uma redução a
culpa e, consequentemente, uma atenuação da pena
551; ou manifestar uma (mais
gravosa) violação do dever de conformação da personalidade, na medida em que
revela a violação do dever de corrigir essa mesma tendência – «mais censurável
será a sua omissão e maior a sua culpa na preparação da personalidade»
552, isto é,
um maior grau de culpa por o agente «não ter tratado o seu modo de ser de
maneira a modelá-lo de harmonia com o tipo de personalidade que os valores
jurídico-criminais de um certo sistema pressupõem»
553e, por conseguinte, um
aumento da pena.
De acordo com a nossa leitura, o juízo de censura revelará, na matéria
analisada, em duas dimensões: por um lado, no que respeita ao domínio que o
agente terá sobre o sensível enfraquecimento da sua capacidade de avaliar a
ilicitude da sua conduta e/ou para se determinar de acordo com essa avaliação; a
jusante, na afectação do juízo de censura relativo ao facto, na medida em que este é
praticado pelo agente cuja capacidade está diminuída
554. Esta ideia não deixa de
nos causar alguma hesitação, na medida em que a defesa das concepções de culpa
549 Cf. Dias, J. F., 2012, p. 584.
550 Reproduzam-se as palavras de Heinitz (citadas em Monteiro, E., 2012, p. 70): «“o homem
é responsável na vida por aquilo que é, independentemente da maneira por que assim se tornou”».
551 Caso em que, apesar da não declaração de inimputabilidade, o agente verá a sua pena
atenuada (Albuquerque, P. P., 2010, p. 129).
Tal ocorrerá quando a «a perigosidade do delinquente não pode ser imputada à não formação ou preparação da personalidade», pelo que a pena já não será «instrumento idóneo» para fazer face às exigências de prevenção especial (Antunes, M. J., 1993, pp. 33-34).
552 Cf. Correia, E., 1993, p. 358.
553 Conforme explica Maria João Antunes, «assim, nestes casos em que é maior a tendência do
agente para o crime e, portanto, menor a sua culpa referida ao facto, maior é a sua culpa pela não formação da personalidade, porque mais censurável é a omissão do dever de tratar – Du sollst um so
mehr, je weniger Du kannst (Bockelmann) – e, consequentemente, maior é a punição deste
delinquente. Quer isto dizer, que a pena que lhe é aplicada, por comparação com a do delinquente comum, não tem que ser necessariamente atenuada, podendo mesmo ser agravada, com o que são satisfeitas as exigências de prevenção especial, muito embora sem a elas ser feito apelo directo» (Antunes, M. J., 1993, p. 33).
554 Como relatávamos acima, há uma afectação da liberdade do agente que afectará o juízo de
141
do carácter frequentemente assenta, precisamente, na sua cocnretização como
culpa pelo carácter manifestada no facto. Ora, nestes casos, há uma quebra desta
conexão entre personalidade e facto que, embora sustentada logicamente pela
argumentação da Autora – na medida em que «mais censurável é a omissão do
dever de tratar» –, parece resultar, inevitavelmente, numa culpa exclusiva pelo
carácter.
Além disso, não se esclarece até que ponto este «dever de tratar» se conforma
com a legitimidade de intervenção do Direito Penal. Até onde se exige que o agente
se trate? Terá de se submeter a um qualquer tratamento? Ou a sua submissão a
determinado tratamento pode não ser censurável? Neste caso, não nos
aproximamos de uma uma certa circularidade?
Por fim, não conduzirá, esta orientação, a uma proximidade ameaçadora da
fronteira – de particular difícil densificação – da antecipação da tutela penal?
Refira-se, a este propósito, a argumentação de Manuel Maia Gonçalves contra
a ideia de culpa na formação da personalidade como base da construção da ideia de
imputabilidade diminuída: o Autor faz corresponder estes casos (unicamente) às
situações em que o agente «nada pode fazer contra a tendência que o arrasta para
o crime» e em que, por conseguinte, «o recurso à culpa na formação da
personalidade seria (…) uma ficção»
555.
Jorge de Figueiredo Dias procura ultrapassar as dificuldades do conceito de
culpa pelo carácter e respectiva tensão com o problema do direito penal do facto,
bem como toda a problemática referente à culpa como «o poder agir de outra
maneira», procurando um elemento ético-pessoal como limite da responsabilidade
jurídico-penal
556sem que tal signifique uma tomada de posição sobre a querela do
livre-arbítrio/determinismo, ou a aceitação de formulações gnoselológicas,
ontológicas ou éticas da vontade – tentativas de «fundar positivamente (“a partir
de cima”) a liberdade da vontade, para tanto projectando a problemática
respectiva num contexto diferente, e em todo o caso mais amplo (…) do que aquele
555 Assim: «Justamente porque nada pode fazer contra a tendência que o arrasta para o
crime, o recurso à culpa na formação da personalidade seria, em tal o caso, ficção. Rejeitando a possibilidade, por exclusão do dualismo, de a tais delinquentes ser aplicada uma pena seguida de medida de segurança, através da via monista duas soluções seriam possíveis: tratamento dos casos de inimputabilidade diminuída previstos mediante a aplicação de penas, necessariamente atenuadas, ou através de medidas de segurança. Foi esta última a solução preferida» (Gonçalves, M. M., 2002, p. 113).
142
(o psicológico-empírico) em que costumava ser encarada» que partem da ideia de
vontade como conceito ético-filosófico
557– como as defendidas por Nicolai
Hartmann
558ou Hans Welzel
559. Para tal, socorre-se das «características do ser
humano como um todo» para fundar a sua ideia de liberdade, evitando o seu
problemático enquadramento no plano «das propriedades da acção»
560e
557 Cf. Dias, J. F., 1995, pp. 37-38.
558 Nicolai Hartmann concebe o seu conceito de liberdade numa perspectiva ética, da «pessoa
moral», como liberdade do dever-ser – das exigências que provêm dos valores e que tendem à realização daqueles – e que está «ontologicamente assegurada, na medida em que a determinação teleológica da vontade por princípios axiológicos não pode ser contrariada nem pelo nexo causal, nem por qualquer outra determinação própria doutro estrato inferior», correspondendo a culpa à «capacidade de actuar segundo o princípio moral (…) e [à] capacidade de se deixar ou não determinar por tais exigências» (Dias, J. F., 1995, pp. 38-41). Ora esta pressuposta «indagação da existência ou inexistência do poder efectivo na pessoa do agente» é processada no estrato da pessoa moral e, por conseguinte, acompanha «toda a pessoa moral e todos os seus actos de vontade e que existe se e enquanto a pessoa “deve”», impedindo, assim, a sua concretização como critério de acções livres e não livres (Dias, J. F., 1995, pp. 42-43).
559 Hans Welzel, impulsionador da Escola Finalista, retira o elemento psicológico da culpa,