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2 TELENOVELA BRASILEIRA NA REDE GLOBO: DA BUSCA POR

2.3 A OBRA POR SEU ENREDO E ESTRUTURA NARRATIVA

Em termos de estrutura narrativa, o texto ficcional traz especificidades que parecem ser as grandes responsáveis pelo sucesso da telenovela Mulheres Apaixonadas. Primeiramente, o autor constrói a intriga central não por meio da luta por um amor proibido. Como uma variante da estrutura clássica da telenovela, a heroína, Helena (Christiane Torloni), professora de pouco mais de 40 anos, está dividida: não sabe se mantém o casamento de 15 anos – estável, mas que já não lhe desperta paixão – com o músico Téo (Tony Ramos), com quem adota o filho Lucas (Victor Curgula); ou se investe em um novo relacionamento com um antigo namorado, o médico neurocirgião César (José Mayer), cujo reaparecimento causa-lhe dúvidas e desejos (Teledramaturgia, 2011).

A configuração das histórias, em tese, secundárias tem início no entorno da protagonista, sendo centradas na figura das irmãs, da cunhada, da prima, da enteada, da vizinha e de uma suposta rival de Helena. Sua irmã caçula, Heloísa (Giulia Gam) sente um ciúme excessivo do marido, Sérgio (Marcello Antony). O medo de perdê-lo é tamanho a ponto de ela esconder dele que se submeteu a uma cirurgia para não engravidar e, assim, não ter de dividir seu amor com uma terceira pessoa. Cada vez mais desequilibrada e obsessiva, Heloísa chega a ser internada em uma clínica psiquiátrica após ferir o cônjuge com uma faca. Depois, procura ajuda em um grupo de apoio a mulheres que tem comportamento semelhante ao seu.

Já a outra irmã, Hilda (Maria Padilha) vive um casamento feliz com seu atencioso e romântico marido, Leandro (Eduardo Lago), e não enfrenta problemas na criação da filha adolescente, Elisa (Gisele Policarpo). Contudo, a harmonia em que vive essa família é abalada quando ela descobre ser portadora de um câncer de mama – sugestão da atriz, insatisfeita com a pouca repercussão de sua personagem, acatada pelo autor (Teledramaturgia, 2010). Hilda vivencia todas as angústias e privações impostas pela doença, mas, ao mesmo tempo, experimenta e comprova a necessidade de tratamento adequado, o qual inclui o apoio familiar.

Cunhada de Helena, Lorena (Suzana Vieira) é a proprietária da escola onde aquela trabalha. Divorciada de Rafael (Cláudio Marzo), com quem mantém uma relação de amizade, e mãe de Diogo (Rodrigo Santoro) e da jovem Vidinha (Júlia Almeida) – apaixonada por Sérgio –, ela é uma mulher forte e decidida. A despeito de qualquer reprovação, assume o romance com um rapaz bem mais jovem e pobre, Expedito (Rafael Calomeni), filho dos empregados de sua casa de campo.

Por sua vez, Stella (Lavínia Vlasak) é, literalmente, a prima rica da protagonista. Herdeira de uma grande fortuna, ela vive em um luxuoso apartamento de hotel, assessorada por Eugênio (Sylvio Meanda), seu secretário particular. Sua rotina inclui festas da alta sociedade carioca, regadas a muita bebida, e incontáveis idas a lojas e shoppings para a compra de roupas e utensílios de grifes conceituadas. Mimada e acostumada a ter tudo o que quer, essa bela mulher resolve preencher o vazio de seus dias flertando com um padre, Pedro (Nicola Siri).

No entanto, descobre-se verdadeiramente apaixonada por ele e, em um choque profundo de realidade, passa a enfrentar todas as dores e obstáculos de um amor proibido; talvez, impossível.

Luciana (Camila Pitanga), embora dona uma personalidade oposta à de Stella, vive um conflito semelhante ao daquela. Jovem médica neurocirurgiã e negra (filha de Téo com Pérola, interpretada por Elisa Lucinda), a enteada de Helena desperta o interesse de César, seu chefe. Apesar de um rápido romance com este, ela continua apaixonada pelo primo, Diogo. Mas não bastasse a resistência da família, que não aceita o namoro entre os dois, ainda tem de enfrentar a irresponsabilidade e o casamento recente dele.

No mesmo edifício onde vive Helena, mora a família de Dóris (Regiane Alves). A jovem não aceita o padrão de vida que os pais, Carlão (Marcos Caruso) e Irene (Marta Melinger) proporcionam a ela e ao irmão, Carlinhos (Daniel Zettel).

Porém, seu maior conflito é com os avós, Flora (Carmem Silva) e Leopoldo (Oswaldo Louzada). Contrariada por ter de ceder seu quarto ao casal de idosos, que passa a morar com o filho, ela não só rouba dinheiro deles como também os submete a agressões verbais e a um tratamento negligente.

Longe desses arranjos familiares, encontra-se Fernanda (Vanessa Gerbelli).

Mas, nem por isso, ela deixa de participar ativamente da vida de Helena. Ex-garota de programa e atual vendedora de loja, essa mulher mantém um misterioso

relacionamento com Téo. É ao músico que ela recorre sempre que enfrenta problemas com a filha, Salete (Bruna Marquezine), uma criança encantadora, e com a mãe, Inês (Manoelita Lustosa), uma mulher fria e exploradora. Antes de ser assassinada em um tiroteio no bairro do Leblon, Fernanda conta à protagonista que Téo é pai de Salete e de Lucas (Memória Globo, 2011).

Nessa breve sinopse, evidencia-se a importância do ambiente doméstico e das relações familiares na telenovela em questão. Outras três tramas vêm reforçar essa característica. Mãe e filha, Sílvia (Natália do Vale) e Marina (Paloma Duarte) também vivem conflitos pessoais. A primeira já não sente atração sexual pelo marido, Afrânio (Paulo Figueiredo), e redescobre o prazer em uma relação secreta com Caetano (Paulo Coronatto), um taxista casado que, mesmo assim, namora a empregada de Sílvia, a quem ele chama de ―madame‖. A segunda é uma jovem mimada e insegura, apaixonada por Diogo, com quem se casa após ficar grávida.

Imatura, ela vive a nova fase da vida tendo de enfrentar a infidelidade constante do marido e o indisfarçável interesse dele pela prima Luciana.

Mais um problema familiar é gerado por Laura (Carolina Kasting), médica assistente de César, com quem mantém um relacionamento extraconjugal desde antes de ele ficar viúvo. Tal situação desagrada ao filho do neurocirurgião, o rebelde Rodrigo (Leonardo Miggiorin), que culpa o pai e sua bigamia pela infelicidade da recém-falecida esposa. Em contraponto à agressividade do irmão, a filha caçula de César, Marcinha (Pitty Webo), é uma doce garota que sofre, ao mesmo tempo, pela perda da mãe e pelo amor não correspondido pelo colega de escola Fred (Pedro Furtado). Já a mãe de César, Matilde (Sônia Guedes), vem a se opor à reaproximação deste com Helena.

Entretanto, se o núcleo familiar é bastante representativo em Mulheres Apaixonadas, as tramas dessa telenovela não se limitam apenas às quatro paredes de casas e apartamentos de classe média alta. São dois os lugares do social na história. De um lado, está a ERA (Escola Ribeiro Alves), estabelecimento de ensino privado dirigido por Helena. É nesse espaço que se desenrolam a trajetória das professoras Raquel e Santana, das alunas Clara, Rafaela e Paulinha, e da funcionária Edwiges.

Raquel é a nova professora de educação física, vinda de São Paulo com uma carta de recomendação a Helena. Na verdade, ela foge de Marcos (Dan

Stulbach), o ex-marido violento que a agride, na maioria das vezes, com uma raquete de tênis. Não demora para que ele descubra o paradeiro da esposa.

Quando chega ao Rio de Janeiro, encontra-a acuada e já apaixonada pelo aluno Fred, filho da superprotetora e moralista Leonor (Joana Medeiros). Irado, o agressor passa a perseguir a professora e o estudante. Então, Raquel resolve denunciá-lo.

Ele acaba morto em um acidente de carro, junto com Fred, a quem jurou vingança.

Ela termina sozinha e grávida do adolescente.

Já Santana, a professora de geografia, sofre por conta do alcoolismo. Amiga de longa data de Helena e da família Ribeiro Alves, ela é uma profissional competente e querida pelos alunos. Porém, a dependência cada vez maior do álcool leva-a a ruína. Com o apoio de todos os que lhe são próximos, principalmente da amiga e colega de profissão Adelaide (Lica Oliveira) e do também colega e futuro namorado Lobato (Roberto Frota), ela admite que precisa de ajuda, submete-se a tratamento e supera a doença.

Os dramas vividos pelas duas professoras dividem espaço com o das alunas Clara (Alinne Moraes) e Rafaela (Paula Picarelli), do terceiro ano do ensino médio, que descobrem juntas o amor e a homossexualidade. Mas, até poderem viver o romance plenamente, elas precisam enfrentar a intolerância da mãe de Clara, Margareth (Laura Lustosa), que não aceita a sexualidade da filha. Além dela, as estudantes ainda são alvo dos comentários preconceituosos de Paulinha (Ana Roberta Gualda). Colega de classe das duas, esta sente vergonha por ser filha do porteiro da escola, Oswaldo (Tião D´Ávila), com quem mora nos fundos do estabelecimento. Além disso, a garota homofóbica sofre com a ausência da mãe, que ela não conhece.

Quem também mora no colégio é Edwiges (Carolina Dieckmann). Ex-aluna e filha da atendente da cantina, Ana (Regina Braga), a quem auxilia no trabalho, ela vive um romance com Cláudio (Érik Marmo). Mesmo apaixonada pelo rapaz, ainda não se sente preparada para perder a virgindade e, além de contar com a paciência dele, precisa contornar duas rivais: Marta (Marly Bueno), a preconceituosa mãe do rapaz, que não aceita que o filho namore uma moça pobre, e Gracinha (Carol Castro), filha dos empregados de Marta e, desde a infância, apaixonada por Cláudio, de quem se descobre grávida.

De outro lado, tem-se o hotel de propriedade de Rafael, onde mora Stella.

Lá, trabalha Leila (Xuxa Lopes), uma telefonista que mantém um relacionamento duradouro com o patrão. A grande frustração dessa mulher é que, mesmo divorciado, ele não dá sinais de que pretende formalizar seu compromisso com ela (Memória Globo, 2011).

Com essa história, Manoel Carlos materializou o antigo desejo de criar ―um painel de mulheres e seus problemas‖ (AUTORES, p. 79) por meio de uma narrativa realista, urbana e contemporânea. Além disso, apresentou à audiência um novo modelo de telenovela, que se repetiu em suas tramas seguintes, Páginas da Vida (2006-7) e Viver a Vida (2009-10). Trata-se de um formato cuja linguagem aproxima-se da dos aproxima-seriados e comédias de situação, nos quais diversas tramas paralelas coexistem e se equiparam à temática central em termos de importância em diferentes momentos da narrativa. Com isso, o autor garantiu o interesse dos telespectadores de forma permanente, já que o que se viu em Mulheres Apaixonadas foi uma crônica das relações humanas a partir da perspectiva feminina, mas que não se restringia somente à problemática da mulher (AUTORES, 2010).