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A participação dos jovens na promoção da paz

5. EXPERIÊNCIAS QUE PROMOVEM A PAZ: AS FLAS DOS JOVENS

5.7 A participação dos jovens na promoção da paz

No que se refere ao terceiro ponto explorado na oficina: o que cada um pode fazer para a construção da paz, os participantes assinalaram a dimensão da amorosidade, como algo a ser vivenciado entre eles. “Amar os outros, como Deus nos amou. Amar uns aos outros. Ter amor no coração” (Oficina Escola Pe Félice Pistone). Essa última fala registrada encontra eco no pensamento de Boff (2008, p.1) “O grande desafio atual é conferir centralidade ao que é mais ancestral em nós, o afeto e a sensibilidade. Numa palavra, importa resgatar o coração”. O autor ressalta que no coração está o nosso centro, nossa capacidade de sentir em profundidade; é a sede dos afetos, o nicho dos valores.

Maturana (1998) afirma que o amor é a emoção que funda o social e faz com que o outro seja reconhecido, tratado e aceito como legítimo outro na convivência respeitosa com o diverso.

O amor é a emoção central na história evolutiva humana desde o início, e toda ela se dá como uma história em que a conservação de um modo de vida no qual o amor, a aceitação do outro como legítimo outro na convivência, é uma condição necessária para o desenvolvimento físico, comportamental, psíquico, social, e espiritual normal da criança, assim como para a conservação da saúde física, comportamental, psíquica, social e espiritual do adulto (MATURANA, 1998, p.25).

Os educandos ao citarem o caminho do amor e do coração resgatam da experiência do vivido os saberes que os estudiosos também indicam como significativos a serem incluídos num trabalho que vise desenvolver o cultivo da paz. “Somos seres amorosos em busca de amor, paz e harmonia em nosso viver/conviver” (MORAES, 2003, p. 281).

Além do ponto inicial, os educandos assinalam como ações a serem desenvolvidas: “Respeitar seu colega; Resgatando o respeito pelo próximo; Respeitando os colegas na sala e respeitando o professor; Ter mais humildade e saber perdoar o próximo” (Jovem, Educando – Oficina Escola Pe Félice Pistoni). Nessa direção, a tolerância é uma instância pertinente à existência humana, necessária à construção da

paz. Nesse sentido podemos compreender a tolerância como virtude a ser criada e cultivada por todos nós. “O que a tolerância autêntica demanda de mim é que respeite o diferente (...), que não o negue só porque é diferente” (FREIRE, 2004, p.24).

Tais observações me fizeram compreender que a educação para a paz configura um espaço privilegiado para operar a reflexão de nossas ações do cotidiano e sobre a contribuição de cada um para a construção da paz. A “Paz, como resultado das múltiplas possibilidades de conversações traduzidas em auto-aceitação, no reconhecimento dos direitos do outro, no respeito às diferenças, no cultivo da serenidade e do desapego em nossas vidas” (MORAES, 2003, p. 281).

Sobretudo, trabalhar para a construção da cultura de paz significa estar comprometido com um determinado sistema de valores “com uma educação em valores humanos e universais (...) se desejarmos paz, é preciso aprender a cultivar os valores que potencializem a paz em nosso dia-a-dia” (MORAES; TORRE, 2004, p.160).

A proposta da educação para a paz objetiva também trazer dimensões, geralmente negligenciadas pela organização escolar, pautada na lógica instrumental que privilegia a razão em detrimento da afetividade. “A educação da afetividade estimula as pessoas a conhecerem suas emoções e a dos outros, com quem interagem no dia-a-dia” (MATOS, 2007, p.68).

Nesse momento, seria interessante demarcar que não defendo a colocação prioritária do aspecto da afetividade. Afirmo a perspectiva de interligação entre todos os aspectos do desenvolvimento humano.

Enquanto humanos ‘somos uma inteireza’, e ao mesmo tempo ‘seres inacabados’ como nos diz Paulo Freire. Inteireza marcada por dimensões que nos constitui numa totalidade; somos constituídos de cognição, razão, inteligência, mas também de afetividade, amorosidade (FREIRE, 2008, p. 24).

Acredito que as experiências aqui relatadas ilustram uma nova via, um novo caminho para transformar a escola num ambiente mais acolhedor e humanizado, onde o aspecto da afetividade seja o mediador para a construção do conhecimento e para a edificação das relações humanas. Trabalhando com os educandos, entendo ser capaz de afetar todo o ambiente escolar e os educadores são também beneficiados nesse processo de mudança. Como indicativo para uma nova prática educativa, Ferreira e Figueiredo (2008) advertem sobre a necessidade e urgência da inclusão do aspecto afetivo na procura pelo entendimento das ações dos sujeitos envolvidos nesse contexto. Dessa

forma, os educadores poderão desenvolver suas atividades promovendo também “uma mudança de valores, sentimentos e emoções, considerando a ética da afetividade e a amorosidade na educação” (FERREIRA; FIGUEIREDO, 2008, p.128).

Desejo uma vez mais sinalizar o posicionamento assumido que orienta meu entendimento sobre algo que urge ser realizado no ambiente da escola. “A humanização do espaço escolar consiste em que as pessoas possam descobrir nesse espaço o acolhimento, e entre tantos saberes, o saber da afetividade” (MATOS; NASCIMENTO, 2006, p. 33). Talvez, mais do que o alimento para o corpo ou para a razão, as pessoas estejam na escola também para formar vínculos afetivos, alimento para o espírito.

Este exercício também significa uma transformação efetiva na forma de percepção de interdependência do ser humano encontra-se inserido. Inclui o desenvolvimento de valores que irão servir de norte para a construção de habilidades como ouvir o outro, reconhecer na diversidade das falas uma rica possibilidade de estabelecer um diálogo no qual se relacione gentilmente com o diferente. “Sem a afetividade conscientemente construída nas relações educativas não há realmente respeito e solidariedade entre educandos e educadores” (FIGUEIREDO, 2009, p.65). O papel do docente na tarefa de facilitação do convívio grupal respeitoso é imprescindível. Um último aspecto a ser salientado refere-se ao bom nível de compreensão sobre a importância de implicação por parte dos educandos, ou seja, eles demonstraram compreender que podem e devem fazer parte da construção da cultura de paz ao interessarem-se pela temática e apresentarem um ótimo nível de reflexão e leitura da realidade. O que se traduz em uma habilidade valiosa a ser mais desenvolvida nos ambientes escolares, trata-se da implicação de todos através de um alto grau de responsabilidade pelas mudanças sociais a serem tecidas.

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Ser uma pessoa de boa índole para que os outros se conscientizem de tal maneira que o ato toque seu coração, haja de maneira solidária, faça campanhas a favor da paz. Seja agente multiplicador da paz (Jovem, Educando - Oficina Pe Felice Psitoni).

O posicionamento a favor de que os atos toquem o coração ressalta o que já foi colocado no texto sobre a importância da integralidade do ser onde todos os aspectos do desenvolvimento humano sejam abordados na tarefa educacional. Os jovens também demonstraram interesse em participar da construção da paz e reforçam o papel de agentes multiplicadores da paz.

Enfatizo que a complexidade de promover a cultura de paz é um imenso desafio para todos nós, e em especial para os educadores (MATOS; NASCIMENTO, 2006). No cenário educacional, tal empreitada não pode ser efetivada sem a abertura respeitosa para a experiência dos jovens. Quando respeitados e incluídos no processo educativo, os jovens revelam ter muito a contribuir. Observei essa vontade de participação no conteúdo de seus posicionamentos nas oficinas desenvolvidas.

Assinalo ainda que o movimento de valorização da fala dos jovens é uma importante iniciativa que precisa ter continuidade, pois o exercício de se construir a paz é diário e permanente, assim como o ofício de viver. “Nada pode nos trazer a paz eterna e duradoura porque estamos vivos e a cada instante negociando e renegociando com a vida e sujeitos aos imprevistos e ao acaso” (MORAES, 2003, p. 281).

A seguir apresentarei a última parte do texto na perspectiva de quem acredita estar, na realidade, finalizando uma importante etapa que deve servir de base para muitos outros desafios.