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CAPÍTULO 2 – A HERMENÊUTICA POLICIAL

2.6. A Polícia e a Política

“O conjunto de palavras, polícia, políticas, organização política, politicologia, politicismo, política, político, é um bom exemplo de diferenciações surtis” (Maitland, 1885, p. 105)

Em Ciência Política, a polícia é considerada como o “objecto de estudo enquanto entidade condicionada pelo exercício do poder político” (Sarmento e Castro, 2003, p. 18) e é caracterizada como sendo opaca e pouco transparente (Durão, 2006). Há quem defenda que a polícia não deve fazer parte do poder político, mas há quem sustente que a polícia é parte integrante do poder político.

No início de 1970, Sir Robert Mark, Comissário da Polícia Metropolitana, escreveu: “Nós [a polícia], executamos o desejo comum e não aquele de qualquer governo, ministro, prefeito ou autoridade pública, tampouco o de qualquer partido político” (apud Reiner, 2004, p. 28). Segundo o autor, Reiner (2004), a polícia não se encontra abrangida pela política dos partidos políticos, mas a aplicação da lei é feita de forma imparcial. Contudo o “policiamento é uma actividade política, isto não significa que normalmente deva, ou deveria, ser visto dessa forma. O policiamento pode ser inexoravelmente político, mas não deve ser politizado, isto é, o centro de controvérsias políticas claras a respeito de sua conduta, tácticas ou modo de operação e de organização” (Reiner, 2004, p. 30).

A questão da “politização” das forças policiais tem sido um dos problemas muito debatido nos últimos tempos. Sarmento e Castro (2003, p. 171), esclarece que a “cadeia hierárquica da instituição policial termina num órgão do poder político” e “existe a ideia de que a polícia é, ou deve ser, uma estrutura à margem deste poder (idem). A autora defende que nada podia ser mais errado, uma vez que a polícia age segundo leis que os próprios políticos ditam, ou melhor, “segundo leis que as opções políticas assumidas pelo legislador previamente determinam e as polícias contribuem decisivamente para a observância dessas mesmas leis” (idem, p. 171-172).

A polícia encontra-se no centro, no coração do funcionamento do Estado e as análises políticas que se fazem, em termos gerais, tendem a restringir a importância do policiamento como força e símbolo da qualidade de uma civilização política (Reiner, 2004) que asseguram uma coesão social, isto é, um contrato social (Bayle apud Oliveira, 2006). Contudo, todos os relacionamentos que tenham uma dimensão de poder são considerados políticos (Reiner, 2004) e sob esta óptica, a polícia é inevitavelmente política: “a polícia

civil é uma organização social criada e apoiada pelos progressos políticos, para aplicar os conceitos dominantes de ordem pública” (Skolnick apud Reiner, 2004, p. 28).

Muitas das actividades levadas a cabo pela polícia estão orientadas sob o controlo do comportamento que é explicitamente político, na motivação e no impacto desejado (Reiner, 2004). A polícia é uma instituição permanente e tem sobrevivido a toda e qualquer espécie de escândalos e controvérsias, permanecendo “como uma força política e cultural poderosa, mais do que qualquer outra instituição estatal em um mundo progressivamente neoliberal e privatizado” (idem, p. 81), em que o Estado tende a “esvaziar- se”.

Reiner (2004) acredita que está a ocorrer uma ruptura com o passado. A predominância do modelo de polícia estatal de Peel está a ser desafiada por um conjunto crescente e diversificado de novas mudanças. Cada vez mais a polícia está a cooperar e a competir com inúmeras outras agências e processos de policiamento, tanto no interior dos Estados como entre eles e as suas funções estão a tornar-se mais diversas e complexas. A polícia está agir “como “operários de conhecimento”, agenciando informação para organizações públicas e privadas, ligadas a regulação de uma miscelânea de tipos de risco” (Ericson e Haggerty apud Reiner, p. 281).

A polícia surge como uma “instituição específica localizada no conjunto, na articulação da organização política e de todo o sistema societal e constitui uma instituição intermediária entre o sistema político e a envolvente societal” (Loubet del Bayle, 1981, p. 516). Segundo a análise de Oliveira (2006) pode depreender-se duas razões sobre esta afirmação. Primeiramente, o facto das “instituições policiais estarem profundamente inseridas no tecido comunitário. Estando, por esta razão, sujeitas a uma dinâmica societal que resulta das transformações sociais, que num determinado momento tornam inadequados os meios de regulação social mais antigos” (idem, p. 102). A forte demanda da segurança despoletada pelos cidadãos resultará, necessariamente, numa transformação da organização, que deverá adaptar-se às novas exigências da população. Em segundo lugar, “dado que o aparecimento dos aparelhos profissionais de polícia especializados está ligado aos processos de criação dos Estados, existe, necessariamente, uma dinâmica política que resulta da existência de uma autoridade que age em nome da colectividade, editando normas e garantindo o seu cumprimento” (idem).

A polícia tomou forma na história como uma agência pouco homogénea dentro de um campo de forças onde encontramos não só o Estado, mas também sindicatos e partidos políticos, movimentos sociais, teóricos e profissionais e, especialmente, vários corpos internos (Jobard e Favre, 1997). A polícia é considerada um resultado de um complexo processo de institucionalização. Segundo estes autores a “polícia é um instrumento nas mãos da autoridade para aplicar a força” (idem, p. 205) que responde às determinações do poder político, considerando-a como “les bras armé de l’État” (idem). A polícia também pode ser considerada um Estado dentro do Estado, com poder suficiente para manipular o Estado, ou seja, pode alterar aquilo que foi estabelecido pelo poder político.8 Na verdade, o papel desempenhado pela polícia está intimamente associado com a capacidade reactiva do sistema político (Loubet del Bayle, 1981).

8 Cf. Brodeur, Jean-Paul (2003). Les visages de la police: pratiques et perceptions. Les presses de

A polícia também pode ter um impacto directo no apoio ao sistema político e pode afectar a mobilização de apoio ou de ela própria ser uma fonte de apoio. A mobilização de apoio é expressa principalmente em termos de “socialização política” (Loubet del Bayle, 1981). A imagem da polícia perto do público e a imagem do sistema político encontram-se numa situação de interacção. Quanto à análise da polícia como uma fonte de apoio, a lealdade das forças policiais, torna-se um elemento de valorização do sistema de solidariedade. O mesmo autor sublinha que a própria evolução dos sistemas policiais reside, por um lado, nas mudanças que ocorram ao nível da sociedade e, por outro, na intervenção da instância política. Contudo, é necessário ter em conta que a intensidade tanto da dinâmica política como societal não é estática, ela varia de Estado para Estado e de época para época, de acordo com as suas características históricas e culturais. A história da polícia, não pode em momento algum separar-se da história política, uma vez que uma constrói a outra, uma vez que é a “especificidade de cada Estado que estrutura a especificidade das polícias” (Gleizal, Domenach e Journès apud Oliveira, 2006, p. 103). De facto, toda a polícia é uma polícia política: “toute police remplit une fonction d´information du système politique.” (Loubet del Bayle apud Clemente, 2006, p. 92)

Em suma, a polícia é considerada um instrumento do poder político que está ao serviço dos direitos humanos e que tem lutado contra o crime e auxiliado as vítimas (Clemente, 2006). A polícia é ainda considerada um “facto divinal para uns, um dado de somenos relevância para outros e uma presença imprescindível para todos” (Clemente, 2006, p. 15), mas a verdade é que a polícia é a agência de controlo mais visível da sociedade civil e não existe Estado sem um corpo policial.