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Valdemar Arl

7. Alguns desafios atuais para a organização social

7.4 A recente efervescência popular no Brasil

A recente efervescência popular no Brasil está relacionada à persistência e agravamento de velhas questões como a concentração fundiária no país, os retrocessos na reforma agrária, a crescente internacionalização da agricultura brasileira, a persistência da violência, da exploração do trabalho e da devastação ambiental no campo brasileiro como características centrais de nosso modelo agrário. A soja, cana, pínus, eucalipto e outras commodities continuam avançando de forma avassaladora. Os agrotóxicos já parecem uma situação normal. A agricultura familiar/camponesa continua marginalizada, ganhou espaço no discurso, mas não está no plano estratégico. A Agroecologia continua à margem da discussão do desenvolvimento, vista apenas como mais uma

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alternativa ou um nicho de mercado e ―rigorosamente‖ controlada pelo Estado, com a certificação.

Nas cidades agrava-se a exploração e se deterioram as condições de vida das pessoas. O êxodo rural agravou a situação no meio urbano, onde crescem as favelas, predomina a especulação fundiária, e se agrava a mobilidade urbana. Apesar do crescimento das riquezas produzidas isso pouco repercute no aumento do bem estar, na melhoria da saúde, da educação, e no aumento dos salários da classe trabalhadora.

As pessoas já estão com dificuldade de sonhar e acreditar porque os sonhos não se realizam e estão cada vez mais longe de serem alcançados. Sem a possibilidade de sonhar o econômico fica no mercantil e leva as pessoas a buscar a realização da felicidade no consumo, a existência cultural se distancia do campo das relações e convivência e se realiza na tecnologia e, o social de fato não tem vez.

O processo de redemocratização após a ditadura ficou incompleto e, apesar da pressão popular, continua disputado pelas elites históricas e, crescentemente, passa a ser controlado pela força neoliberal. Portanto, as pretendidas reformas estruturais como, a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma tributária e a reforma política não foram realizadas e, mesmo com um governo de interface popular, estão cada vez mais longe da possibilidade de voltarem à pauta. Diante da frágil perspectiva eleitoral da elite econômica, evidencia-se uma gradativa e crescente incidência da burguesia agrária e urbana sobre o governo Dilma, que fortalece as alianças políticas com estes segmentos. Para entender a resistência do capital às reformas, vale lembrar que a ditadura resulta das reações burguesas às mobilizações sociais por reformas estruturais no início da década de 1960. Para os mais pobres criaram-se programas assistenciais, mas sem as mudanças estruturais causadoras da pobreza e da fome.

As recentes mobilizações, por mais que tenham motivação aparente bem específica, como a diminuição do preço das passagens no transporte público, têm relação direta com a falta de mobilidade urbana,

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portanto, com a necessária reforma urbana. É inaceitável para a população urbana o aumento da passagem diante das condições de transporte ineficientes e insuportáveis.

As reações iniciais contra as mobilizações foram violentas na tentativa de suprimir o movimento e a mídia, com seus analistas, se esforçou pela desqualificação das mobilizações. Mas ocorreu um fenômeno de efeito contrário. Não só aumentou o número de pessoas nas ruas, como houve a adesão e simpatia da grande maioria da sociedade, mesmo aquelas pessoas que não foram à rua, apoiaram o Movimento. Isso mexeu com as estruturas do poder e fez o governo tomar providências imediatas. Também a mídia tratou de mudar sua postura antes que fossem pautadas as questões de fundo, ou seja, as reformas estruturais e passou a disputar as pautas e rumos das mobilizações, evidenciando temas secundários como: luta conta corrupção, contra violência, aplicação de recursos públicos nos estádios de futebol para a copa e outros. É necessário considerar, também, que em meio às manifestações surgiram os interesses relacionados à disputa eleitoral, na tentativa de fragilizar o governo Dilma.

As mobilizações deixaram transparecer uma significativa descrença popular nas instituições. Quando alguns partidos e movimentos sociais apresentaram suas bandeiras, foram rechaçados pela multidão e, quando as organizações sindicais resolveram chamar uma greve geral, mesmo em meio ao clima de mobilizações, não houve significativa adesão. Nas duas últimas décadas, evidencia-se uma crescente indignação e descrença com a esfera institucional, seja nas instituições governamentais e, até mesmo, nas organizações sociais não estatais. É muito grande a indignação com a atual prática política, o que tem levado as pessoas a entenderem que grandes mudanças não virão da esfera institucional e que depende delas e do conjunto da sociedade, as possibilidades.

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Para Calle Collado (2013), este é um movimento que é contínuo e se pauta em três perspectivas distintas: o grito da dignidade, o grito por direito ao território e o grito da radicalização da democracia.

A sucessão de manifestações populares, que ocorrem no Brasil, em 2013, não representa somente um ciclo de protestos, de demandas concretas e de ações nas ruas. Há toda uma revolução nas formas de fazer e entender a política, nas próprias articulações entre as organizações políticas e cidadania. Trata-se de um ciclo de mobilizações mais amplas. São três gritos que se sobrepõem, com conexões com outras vozes provenientes da América Latina e do resto do mundo (CALLE COLLADO, 2013).

Segundo Calle Collado (2013) evidenciam-se aqui os ―Novos Movimentos Globais‖ que, mesmo mais rebeldes do que revolucionários, enfatizam a construção de outras sociedades.

Os novos rebeldes protagonizam fenômenos menos visíveis, porém, evidenciam o gosto pela diversidade, pela revolução ‗desde baixo‘, desde o político (mais cotidiano) e desde o protagonismo social (CALLE COLLADO, 2013).

Enfim, aponta-se um novo caminho e forma de construção horizontal para a política brasileira. Os movimentos sociais institucionalizados e partidos de esquerda precisam entender e interagir com essas novas formas de articulação e protagonismo social. Essa possibilidade deve ser considerada tanto na cidade como, também, no campo e na interação campo/cidade, embora o acesso à internet no campo ainda seja limitado. Pautas como a soberania e segurança alimentar e a Agroecologia podem ser assumidas nessas novas esferas de articulação e organização e, sobretudo, faz-se necessário que este movimento se fortaleça e crie condições para que o centro da luta de classes se desloque da institucionalidade para essa luta de massas para que, de fato, seja possível transformar a sociedade.

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