• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1. FORMAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA

1.4 A RECONQUISTA E A CONSOLIDAÇÃO DOS ESTADOS-NAÇÃO NA

Durante a Idade Média, vários reinos cristãos surgiram, buscando uma

“Reconquista”11 do território perdido para os mouros. Os reinos de Castela e de Aragão pouco a pouco ganharam domínio sobre reinos menores para se tornarem os progenitores de uma Espanha unida que se consolidaria no ano de 1512 como Estado-Nação a partir da união dinástica entre aqueles dois reinos, conhecido também como o período dos Reis Católicos. Já no caso português, o processo da formação do Estado-Nação acontece séculos antes, quando em 1147 que os portugueses expulsaram os senhores feudais muçulmanos de Lisboa e garantiram a independência efetiva, passando a ser reconhecido como o primeiro Estado-Nação europeu.

É importante frisar que os reis da Península Ibérica, ao longo da Idade Média não davam significado ao poder como reflexo da fixação territorial, mas como uma missão divina, a qual justificava suas figuras e seus papéis. Neste sentido, a busca pela extensão territorial às terras em direção ao domínio muçulmano na Península Ibérica constituía uma das provas de submissão a Deus. Essa concepção de poder, que se espera como justificação e exercício real, foi elaborada no decorrer do século XII e, segundo Rucquoi (1995), é fruto do direito romano e da noção de imperium. A autora afirma que a consequência foi “o desenvolvimento precoce dos meios fiscais, administrativos, militares e mentais que asseguravam aos seus detentores um poder raramente contestado e tendente ao absolutismo” (RUCQUOI, 1995, p. 215).

O recém formado Condado de Portugal, sob tutela de Afonso Henriques, passou a desejar o estatuto de Reino de Portugal. Entretanto, ao norte, os reis cristãos, que mais tarde conquistaram Castela, alegaram supremacia, e Portugal foi obrigado a investir recursos extensivos e preparativos para guerra, com treinamentos, equipamentos e construções militares.

11 O processo de reconquista durou cerca de cinco séculos e só foi concluída em 1492 com a tomada do reino muçulmano de Granada (SARAIVA, 2003).

Ao sul, as aspirações de expandir o território de Portugal foram desafiadas pelas comunidades muçulmanas do governo dos almorávidas. Pelos quase 200 anos seguintes, a disputa ao sul teve a alternância de poder entre os muçulmanos e cristãos e a fronteira ao norte de Portugal permanecia em constantes disputas na sociedade medieval portuguesa, já que a colaboração entre a nobreza e a monarquia era desfeita regularmente e o contrato feudal era substituído pela autoridade real. O crescente autoritarismo culminou na guerra civil cristã no século XIII.

Apesar dos conflitos dinásticos e das guerras feudais terem dificultado o processo de Reconquista, a ocupação das terras conquistadas avança ao passo que a ideia de Guerra Santa motivada pela cruz cristã passa a ser um dos incentivos para a expulsão dos muçulmanos. Como afirma Rucquoi (1995), a guerra santa foi um mito no sentido de que a foi baseada na justificação do poder dos reis e teve uma função unificadora, cujas disputas idiossincráticas dinásticas do Norte da península deram espaço para a luta contra os muçulmanos “participando de um mesmo ‘projeto’ militar, religioso e econômico, projeto ‘existencial’ que se tornou

‘essencial’” (1995, p. 216).

A reconquista, mito e realidade, fundou assim ao mesmo tempo um conceito de poder e uma prática deste, uma hierarquização da sociedade em função de critérios militares, a organização de um espaço que não era fechado, e uma visão específica das relações entre o cristão e o seu Criador, que colocava a Igreja numa situação de sujeição ao poder civil (RUCQUOI, 1995, p. 216).

Com a perda gradual do poder muçulmano, os povos ibéricos estavam posicionados e preparados para ir além das limitações físicas e políticas que lhes haviam sido impostas pela Cruzada. Ao fim da guerra, após um longo período de tranquilidade muçulmana, as guerras de religião empobreceram Portugal. Além da fome, da fuga e da propagação de doenças, foi também interrompido o progresso econômico. O constante estado de beligerância vivido na Península, não só tardou o desenvolvimento, como também teceu a estrutura social e política durante séculos, criando uma estrutura altamente militarizada dadas as sucessivas incertezas e desacordos institucionais (BIRMINGHAM, 2017).

Nos séculos seguintes às guerras de religião a sociedade portuguesa foi dividida em três regiões geográficas: No Norte, uma economia essencialmente agrária dominada por uma hierarquia feudal formada por relações contratuais, cujos contratos se baseavam na troca entre oferta de trabalho e parte da colheita por proteção mínima. No centro, a classe média surgia com o nascimento da burguesia que evoluiu com as afiliações de classe e ganhou influência e riqueza, porém o poder permanecia aos municípios. Ademais, a demanda por alimentos nas

cidades contribuiu para o enriquecimento dos grandes proprietários de terras. No Sul, predominavam os cavaleiros das ordens religiosas e em suas propriedades trabalhavam imigrantes cristãos e escravos muçulmanos.

A disposição geográfica da Península Ibérica, ao mesmo tempo que limitava as opções, apresentava oportunidades aos seus habitantes. Ao norte da Europa, os Pirineus os isolaram, enquanto ao longo da costa mediterrânea incentivou o contato com a Itália, o Levante e o norte da África. As costas de Portugal e o noroeste da Espanha apresentavam as tentações do Atlântico e do que poderia estar além. A foz do rio Douro e do Tejo proporcionaram a Portugal potencialidades marítimas que tiveram eco na Espanha pelo Rio Guadalquivir e pelo Ebro.

Todavia, nenhum desses rios eram rotas naturalmente navegáveis para o interior. Ao mesmo tempo, as cadeias montanhosas contribuíram para a compartimentação da península e o domínio de agrupamentos sociais localizados e de alianças políticas.

Ortiz-Griffin e Griffin (2007) apontam que a Meseta Central, onde predominava a economia pastoril, moldou a personalidade humana de Castela e reforçou sua relação com os territórios do sul da Andaluzia e os domínios fortemente independentes de galegos e bascos no norte. Até mesmo Portugal, numa escala menor, apresentou diferenças regionais e antagonismos que se manifestaram ao longo das diversas regiões.

Em meados do século XV, as opções e oportunidades dos estados ibéricos podem ter interagido de várias maneiras diferentes. Ao perseguir e expulsar o inimigo mouro em retirada para o Marrocos, os ibéricos aventuraram-se para além dos primeiros postos avançados do Atlântico estabelecidos na Madeira e nos Açores. Também renovariam antigos laços com a Itália. A tentativa de tomada do trono de Castela em 1476 pelos portugueses para se tornarem a força dominante na península foi frustrada. O Reino de Aragão tinha aspirações semelhantes.

Contudo, dada a combinação de maior população e território, Castela acabaria por triunfar sobre o aventureirismo militar imprudente dos portugueses e a diplomacia astuta dos aragoneses para emergir como o líder dominante e modelador do futuro da Península Ibérica.

No caldo de expansão territorial justificado pela ordem divina e pelo engendramento dos Estados-Nação, a guerra passa a ser fato dominante que estrutura a sociedade e a economia da Península Ibérica medieval. Dado o estado de guerra intermitente, seria nos períodos de tréguas em que se estabeleceriam as relações comerciais e políticas e estaria constantemente presente no horizonte mental da sociedade ibérica. Marcada por ser uma sociedade de fronteiras, esta sociedade seria caracterizada por forte mobilidade social, onde as flutuações

seriam numerosas na hierarquia social (COSTA, R. da, 1998; FITZ; MONTEIRO, 2018;

RUCQUOI, 1995).

De acordo com Fitz e Monteiro (2018), a guerra era uma atividade central na vida das sociedades medievais ibéricas, cuja violência armada era perpetrada não somente pelos Estados, como também por outras instituições e indivíduos, sendo configurado como um fenômeno ordinário. As atividades militares que frequentemente colocavam em xeque o destino das instituições, pessoas e comunidades, acabavam por mobilizar recursos humanos, intelectuais, econômicos, tecnológicos e institucionais. Segundo os autores, em comparação com os padrões de comportamento comuns ao resto da Europa Ocidental, havia forte militarização das sociedades ibéricas, sobretudo nos reinos cristãos, cujas sociedades estariam organizadas pela e para a guerra. Haveria uma extensão generalizada das obrigações militares que não eram limitadas a um único grupo social.

O sistema constante de guerras gerariam efeitos nas mudanças institucionais e sobretudo econômicas. Os constantes conflitos mobilizavam as tropas que culminariam nas chamadas "revolução militar". Já que a guerra exigia gastos com tecnologia militar e mão-de-obra, houve a necessidade de ampliar e tornar mais complexo os sistemas fiscais no período moderno. O sistema militar não seria mais sustentado pela nobreza ou pelas cidades; passaria a depender de um sistema financeiro mais sofisticado e um aparato logístico mais centralizado (YUN-CASALILLA, 2019).