• Nenhum resultado encontrado

2. SOBRE A REDUPLICAÇÃO

2.3 SÍNTESE

Como se vê, a reduplicação é um fenômeno que abrange os dois principais processos morfológicos da língua: a derivação e a composição. Além disso, é um típico fenômeno de interface morfologia-fonologia, já que os reduplicantes são desprovidos de preenchimento segmental, manifestando-se através de uma operação de cópia. No presente trabalho, é feito um recorte: analisa-se a reduplicação de base verbal, segundo um modelo teórico que permite acessar analiticamente os dois polos envolvidos na construção desses termos, o formal e o semântico. Dessa forma, a Morfologia Construcional (BOOIJ, 2002, 2005, 2010), baseada na Gramática das Construções (GOLDBERG, 1995), revela-se o modelo teórico mais indicado para dar conta do tratamento desse fenômeno em língua portuguesa, como sustentamos no próximo capítulo, no qual são apresentadas as bases desse modelo de análise morfológica das línguas naturais.

Neste capítulo, apresentamos o modelo de morfologia construcional (construcion morphology) desenvolvido por Booij em três diferentes trabalhos, dois artigos e um livro: em Booij (2002), estabelecem-se as bases desse novo modo de conceber as estruturas morfológicas das línguas naturais; Booij (2005), por sua vez, descreve o papel do léxico nos mecanismos de formação de palavras; em Booij (2010), um livro inteiramente dedicado à apresentação do modelo, tem-se uma espécie de introdução ao paradigma da morfologia construcional.

3.1 MOTIVAÇÃO PARA O MODELO: AS FRONTEIRAS INTERNAS DA MORFOLOGIA

De acordo com Booij (2002), a observação da literatura referente ao estudo dos fenômenos morfológicos revela que tanto sua classificação quanto demarcação podem, muitas vezes, ser uma difícil tarefa. Aliás, não é apenas do ponto de vista didático-terminológico que a questão apresenta grande importância, mas, sobretudo, devido ao interesse linguístico em fazer generalizações que sejam capazes de sustentar hipóteses a respeito de fenômenos da língua. Dessa forma, a aplicação de construções específicas para o domínio da Morfologia requer a observação atenta de suas características particulares com o objetivo de prever seu comportamento gramatical.

O referido autor enumera três importantes demarcações investigadas na literatura morfológica contemporânea: (a) a demarcação entre compostos e construções sintáticas, (b) a distinção entre flexão e derivação (cf., também, GONÇALVES, 2005) e, mesmo

que menos explorada, (c) a delimitação entre a composição e a derivação, essa última foi escolhida pelo autor como foco investigativo7.

Tradicionalmente, o critério seguido para a demarcação entre composição e derivação é a definição de suas unidades de análise: a composição é o mecanismo de junção de dois ou mais lexemas, enquanto a derivação é o resultado do acréscimo de um afixo a um lexema.

Investigadores como Lieber (1980, 1992) e Selkirk (1982) apresentam uma análise que revela as semelhanças entre os processos de composição e derivação. No entanto, o problema da demarcação não é resolvido apenas com a unificação dos processos; torna-se necessário definir os critérios que levarão um determinado constituinte morfológico a ser considerado preso ou livre, assim como se tal diferença também repousa em dados semânticos e fonológicos e de que modo isso deve ser observado.

Segundo Booij (2005), na literatura morfológica, o modelo Item-e-Arranjo trata os processos de composição e derivação como fenômenos radicalmente distintos, ou seja, enquanto a derivação é vista como a aplicação de uma regra com aspectos de vários níveis – fonológico, semântico e sintático; a composição é tomada como uma regra sintática de estruturação de palavras e combinação em compostos.

Anderson (1992), ao defender uma abordagem palavra-e-paradigma da flexão, acaba por estender essa mesma interpretação morfológica à derivação, fato que aproxima tal processo a outros tipos de formação de palavras, mesmo os de ordem mais formal, como os não-concatenativos, a exemplo da reduplicação, foco desta tese.

Entretanto, ele separa a composição da derivação afixal, já que aquela geraria

7 A discussão sobre os limites entre a derivação e a composição vem ganhando destaque nos dias de hoje e é objeto de investigação, por exemplo, em Kastovsky (2009) e Gonçalves (2011a, 2011b).

compostos, unidades passíveis de aplicação de diferentes regras gramaticais e, logo, teriam uma estrutura morfológica interna acessível a outras regras, enquanto esta última, ao contrário, não possuiria tal estrutura, uma vez que as palavras resultantes seriam apenas derivadas de outras. Dessa forma, a hipótese de Anderson sustenta que, se uma palavra é derivada, suas novas propriedades fonológica, sintática e semântica são especificadas por uma determinada regra derivacional, o que torna desnecessário o acesso à sua estrutura morfológica interna.

Booij (2002) procura comprovar que a demarcação entre composição e derivação não é viável, contrariando a proposta de Anderson. Com esse objetivo, enumera alguns casos fronteiriços na morfologia, como a relação entre a composição e a prefixação. Certas palavras complexas do português são objeto de discussão, por exemplo, em Câmara Jr. (1970):

(01) contra irmão contra irmão entre entre mim e você sobre prato sobre a mesa

contra-ataque contra-cultura entre-aberta entremeado sobrevoar sobretudo

É possível observar que as palavras complexas em (01) apresentam uma formação bastante peculiar, no sentido de que todas são o resultado da união de um lexema com uma preposição; dessa forma, tais casos podem ser considerados prefixação, já que preposições são palavras gramaticais. Entretanto, palavras

gramaticais também possuem status de lexema e, nessa perspectiva, o resultado dessa união pode ser considerado um caso de composição.

Outro exemplo dessa situação, encontrado em Booij (2002), é tomado do holandês, idioma que impõe como regra para a formação de compostos que a tônica principal apareça no primeiro componente vocabular (BOOIJ, 2002:3). No entanto, algumas palavras usadas como preposição, adjetivo ou advérbio podem aparecer como parte de outras palavras sem obedecer a essa regra, ou seja, não apresentam o acento tônico. Nesse caso, é impossível apontar com exatidão se estamos diante de uma prefixação ou de uma composição, já que, muito embora o acento não apareça, essas palavras são lexemas. Observe os exemplos a seguir:

(02) mis ‘errado’

onder ‘abaixo’

weer ‘de novo’

vorm ‘formar’

breek ‘quebrar’

schijn ‘brilhar’

mis-vorm ‘deformar’

onder-breek ‘interromper’

weer-schijn ‘refletir’

A partir dessas análises, o referido autor afirma que alguns lexemas podem possuir uma contraparte prefixal. O primeiro indício dessa propriedade seria de ordem

fonológica, como é o caso do holandês e sua regra de acento primário; o segundo seria de ordem semântica, pois os afixos muitas vezes podem apresentar uma gama de significados que é reduzida ou reinterpretada no lexema resultante, como é o caso de weer que isoladamente significa “de novo” e como parte da palavra complexa, “no sentido inverso”. A terceira propriedade, de ordem mais morfológica, aponta que esses lexemas-prefixos podem, muitas vezes, determinar a categoria gramatical da palavra complexa, assim como os prefixos prototípicos do holandês, como se vê nos exemplos em (02).

Com base nessas observações, Booij (2002) propõe a Morfologia Construcional.

Esse novo modelo teórico revela que, devido à semelhança estrutural existente entre os processos de composição e derivação, é possível expressá-los através de esquemas de formação de palavras que representam as generalizações prováveis nas línguas; além disso, esses esquemas são frequentemente usados na formação de novos itens lexicais.

O autor propõe três padrões morfológicos, referenciados conforme (03), a seguir, modelagem utilizada no trabalho de Gonçalves & Almeida (2012), sobre os chamados xenoconstituintes, como ‘cyber’, ‘pit’ e ‘tube’, e encontrada também em Faria (2011) e Castro da Silva (2012):

(03) (a) composição: [[X]X[Y]Y]Y

(b) sufixação: [[X]X Y]Y

(c) prefixação: [X[Y]Y]Y

Nesses esquemas, as variáveis X e Y representam as sequências fonológicas, enquanto X e Y representam as etiquetas lexicais. No caso dos compostos ilustrados em (03a), a cabeça lexical se encontra à direita da palavra, motivo pelo qual o vocábulo

resultante do processo terá a mesma categoria lexical que a base à direita. A prefixação, segundo o esquema, terá como resultado uma palavra de categoria idêntica a de seu radical; a sufixação, por outro lado, não segue a categoria gramatical do radical. Esses esquemas são pertinentes ao padrão morfológico do holandês e obviamente podem apresentar variações a depender da língua em que são aplicados. Por exemplo, em português, o esquema de composição teria de ser alterado, já que, independentemente da categoria de suas bases formadoras, o resultado do processo de composição em português é sempre um nome. Assim, Gonçalves & Almeida (2012) reescrevem, para o português, o esquema geral da composição como (04) a seguir:

(04) composição: [[X]X[Y]Y]N

Outra importante observação a respeito do modelo proposto por Booij é que se mantém a proposta construcionista inicial, apontada por Goldberg (1995), de pareamento entre estrutura formal e semântica, com alterações da formalização efetuada pela autora. O autor mantém o seu esquema nos moldes especificados em (01), (02) e (03) e propõe o acréscimo da seguinte especificação semântica ao esquema geral da composição:

(05) [[X]X[Y]Y]Y “Y com alguma relação com X”

Os esquemas até então apresentados são generalizantes e, portanto, não especificam afixos possíveis, como as regras de formação de palavras, em Aronoff (1976), por exemplo, em que operações individuais regem a utilização dos afixos. Mais

adiante, na seção 3.3, abordamos com mais vagar as diferenças entre esses dois dispositivos analíticos.

A ideia fundamental da Gramática das Construções é que instanciações específicas de padrões sintáticos da língua formam grupos de construções gramaticais independentes e, por isso mesmo, devem ser definidas individualmente. O autor retoma o famoso exemplo da construção em inglês V NP away, como em twisting the night away (“revirando-se noite afora”). Nessa construção idiomática, uma posição é especificada lexicalmente em um padrão sintático, ou seja, seu significado não será totalmente composicional. Na mesma construção, o item lexical especificado permanecerá trazendo o mesmo significado ao conjunto, como em talking the night away (“conversando noite afora”).

Dessa forma, os esquemas morfológicos propostos por Booij podem ser interpretados como expressões idiomáticas no nível da palavra, tendo significados relacionados às suas instanciações específicas. Esses esquemas de construção representam, na verdade, generalizações de conjuntos de palavras complexas na língua com diferentes graus de abstração. Essas palavras complexas tornam-se lexemas convencionalizados. Assim, como proposto na Gramática das Construções, a relação entre o esquema mais abstrato e as instanciações individuais pode ser representada por meio de uma árvore construcional, em que construções mais específicas herdam propriedades de construções dominantes ou mais gerais. Booij exemplifica essa cadeia hereditária por meio da palavra baker (“padeiro”) do inglês, como se vê em (06), a seguir:

(06) [[X]X Y]Y |

[[X]V er]N ‘pessoa que faz V’ s’

|

[[bak]V er]N ‘pessoa que assa’ (profissionalmente)’

Como exemplificado acima, cada nó inferior da árvore herda propriedades de nós dominantes. É importante ressaltar, ainda, que a palavra baker herdará propriedades de sua base, o lexema verbal bake, que também estará ligado à árvore:

(07) [[X]X Y]Y

|

[[X]V er]N ‘pessoa que faz V’ s’

|

[[bak]V er]N ‘pessoa que assa’ (profissionalmente)’

[bake]V

Com essas observações, Booij (2005:14) determina um dos princípios fundamentais de sua Morfologia Construcional: o de que palavras complexas devem ser autorizadas a ter ligações múltiplas no léxico.

É importante observar que a segunda linha das árvores em (06) e (07) expressa a formação de substantivos deverbais em -er. Diversas palavras podem ser formadas por meio do mesmo esquema, como ocorre com o verbo to fix em inglês, que dá origem ao

substantivo fixer (jeitoso). Logo, a palavra fixer é uma instanciação do esquema de formação de substantivos deverbais em -er no inglês.

Os falantes conhecem e dominam os esquemas morfológicos por meio dos conjuntos de palavras que instanciam esses padrões. Dessa forma, os usuários da língua são capazes de inferir um sistema abstrato ao se depararem com um número de palavras do mesmo tipo e estendê-lo ainda mais. É dessa forma que ocorre, provavelmente, a aquisição da linguagem. Segundo Tomasello (2000), o ponto final do período aquisitivo é definido “em termos de construções linguísticas de diferentes graus de complexidade, abstração e sistematicidade.” A Morfologia Construcional parte do pressuposto de que isso também se aplica no nível das construções morfológicas.

3.2 CONSTRUÇÕES MORFOLÓGICAS: PRIMEIRAS IDEIAS

Posteriormente, Booij (2010), em sua obra “Construction Morphology”, dá continuidade ao seu trabalho, procurando desenvolver e definir melhor as bases da sua teoria, para a qual a ideia de “construção” é o elemento fundador. Dessa forma, seria possível tratar mais satisfatoriamente a relação entre sintaxe, morfologia e léxico, observando melhor as diferenças e semelhanças de formação nos níveis da palavra e da frase. Observe-se a lista de palavras abaixo, dada pelo autor (BOOIJ, 2010:2 ):

(08) buy (comprar) buyer (comprador) eat (comer) eater (comedor*) shout (gritar) shouter (gritador*) walk (andar) walker (andador*)

Na lista em (08), existe, além da diferença formal, uma diferença de significado entre as palavras da coluna da esquerda em relação às da direita. Os vocábulos da direita representam os agentes das ações expressas pelos verbos da esquerda. Logo, esses pares de palavras possuem uma relação paradigmática que pode ser projetada para o verbo como uma espécie de estrutura morfológica interna da palavra, como em (09):

(09) [[eat]V er]N

Dessa forma, a lista em (08) pode suscitar um esquema abstrato como o seguinte:

(10) [[X]V er]N ‘aquele que V’

O esquema em (10) expressa uma generalização sobre a forma e o significado de nomes deverbais listados no léxico e que pode inclusive funcionar como ponto de partida para a formação de novas palavras na língua. No caso do inglês, Booij observa que o esquema abstrato [[x]V er]N levou à formação do nome “skyper” por meio da aplicação do verbo “to skype” no lugar da variável x. As novas palavras criadas com base em esquemas abstratos são acrescentadas ao léxico da língua e podem apresentar propriedades idiossincráticas e/ou convencionalizar-se, como explica o autor no texto de 2007, no qual se dedica exclusivamente ao tratamento de questões desse tipo (BOOIJ, 2007).

Tomasello (2000) aponta que a aquisição da linguagem se inicia por meio da criação de representações mentais de casos concretos observados no uso da língua. O falante-aprendiz faz abstrações com base em estruturas linguísticas com propriedades

similares e acaba por adquirir o sistema abstrato da língua em questão. Booij (2010) aponta que duas conclusões podem ser tiradas com base nessa análise:

(a) generalizações morfológicas não podem ser reduzidas ou compreendidas apenas por meio da sintaxe ou da fonologia, ou seja, existe uma espécie de sub-gramática morfológica relativamente autônoma dentro das sub-gramáticas naturais das línguas; e

(b) os outputs de operações morfológicas podem ser listados no léxico. Logo, os esquemas morfológicos têm a função de expressar propriedades previsíveis para a formação de palavras complexas e fomentar o léxico com grupos e subgrupos de palavras.

3.3 SOBRE ESQUEMAS E REGRAS

De acordo com Basílio (2010), a noção de regra foi amplamente difundida nas abordagens gerativistas lexicalistas (CHOMSKY, 1970, ARONOFF, 1976), as quais afirmam que a competência lexical do falante está diretamente relacionada à capacidade de domínio e aplicação das regras de formação de palavras presentes em uma determinada língua. Dessa forma, as regras devem reger as possibilidades de formação em um dado idioma e lidam, portanto, com formas ideais.

A autora aponta que, no entanto, o modelo baseado em regras apresenta algumas dificuldades no que tange a sua aplicação. Segundo ela, o primeiro problema já aparece na falta de precisão para o conceito de regra, isto é, não há uniformidade nesse sentido, já que não raro uma definição pode aplicar-se a um caso e não a outro, tal qual ocorre com a morfologia flexional e a derivacional. Outro complicador é a falta de uma abordagem adequada para o significado, que se torna um assunto à margem, tratado no

gerativismo lexicalista por meio da decomposição de traços primitivos. Além disso, o gerativismo é reconhecido como um modelo teórico mais associado ao tratamento de padrões sintáticos, ou seja, a semântica não desfruta de um enfoque adequado nessa teoria.

Ainda no que diz respeito à ideia de regra, Basílio (2010) afirma que a relação entre morfologia e léxico é mais um ponto delicado nesse caso. A autora observa que a separação entre palavras e regras pode se revelar problemática, tendo em vista que nem sempre é possível estabelecer um paralelismo perfeito entre as postulações teóricas e as ocorrências lexicais. Com base na relação palavra/regra, Basílio (2010:4) faz a seguinte reflexão:

“Se tomarmos a distinção palavra/regra e seu funcionamento na flexão, na grande maioria dos casos é adequada a afirmação de que as várias formas flexionadas de um vocábulo são objetos morfológicos produzidos ou sancionados pelas regras flexionais correspondentes. Entretanto, sistemas flexionais apresentam um caráter paradigmático, também presente em configurações derivacionais, que não é representado na formulação de regras”.

Logo, as observações feitas pela autora indicam que um modelo baseado em regras encontra muita dificuldade de aplicação em diversas perspectivas e deixam a desejar, sobretudo no que tange ao tratamento da morfologia derivacional. Dessa forma, os casos de formação de novas palavras muitas vezes envolvem desvios dos quais a noção de regra não pode dar conta.

Em contrapartida, surge a noção de esquema como uma alternativa que dê conta mais satisfatoriamente das generalizações necessárias à descrição linguística. Em seu modelo de Morfologia Construcional, Booij (2010) menciona que quatro das

propriedades gerais de esquemas, propostas por Rumelhart (1980), são importantes e relevantes na discussão sobre os esquemas construcionais na morfologia. São eles:

1. esquemas possuem variáveis;

2. esquemas podem ser embutidos, um dentro do outro;

3. esquemas representam conhecimento em todos os níveis de abstração;

4. esquemas são processos ativos.

Nesse sentido, Gonçalves & Almeida (2013) apontam que as palavras são vistas como unidades simbólicas convencionais e os esquemas podem representar tais unidades de forma mais específica ou mais abstrata. Logo, um modelo baseado em esquemas proporciona uma análise da estrutura das palavras complexas sem esbarrar nos inconvenientes das regras. Essa mesma noção de “esquema” é bastante difundida na ciência cognitiva como representações de conceitos genéricos estocados na memória.

Segundo Ferrari (2010: 150), “trata-se, portanto, de uma visão não-derivacional, que explica a regularidade da gramática com base em esquemas abstratos gerais associados a significados específicos, e não em regras de manipulação de símbolos, como fazem os modelos gerativos.”

A relação entre esses esquemas e as palavras é feita por instanciação. Uma palavra como comprador instancia um esquema abstrato que, por sua vez, expressa que o sufixo –dor não deve ser listado no léxico, pois não pode ocorrer como forma livre na língua. Booij (2010) destaca que os esquemas construcionais, como o apresentado em (11), assemelham-se às regras de formação de palavras propostas por Aronoff (1976), tal qual o modelo exemplificado abaixo:

(11) [X]V  [[X]V dor]N Semântica: ‘aquele que V habitualmente, profissionalmente’

Ambos os tratamentos partem de uma palavra-base e, portanto, afixos não são itens lexicais; também assumem a existência de diversos padrões abstratos e afirmam que as palavras complexas, listadas no léxico, instanciam regras ou esquemas. No entanto, uma diferença relevante é que as regras são limitadas nesse sentido, por serem orientadas apenas para o input (as operações morfológicas são aplicadas à palavra base) enquanto esquemas podem ser orientados tanto para o input quanto para o output.

Contudo, é possível observar que um modelo baseado em esquemas é muito mais vantajoso do que aquele baseado em regras, pois, enquanto esse último procura dar conta da competência lexical do falante ao propor formas hipotéticas, o primeiro emerge do uso e é capaz de captar generalizações das formas reais, proporcionando inclusive um tratamento mais adequado aos casos de desvio.

3.4 CONSTRUÇÕES: A NOÇÃO DE CONSTRUÇÃO GRAMATICAL E IDIOMA CONSTRUCIONAL

De acordo com Booij (2010), a ideia de “construção”, definida com o pareamento de forma e significado, é tradicionalmente aplicada a padrões linguísticos que associam propriedades formais a uma semântica específica. Esse modelo remete aos parâmetros propostos por Goldberg (1995) com a Gramática das Construções. O modelo de Goldberg repousa na concepção de que a gramática de uma língua é formada por uma rede de construções gramaticais (CGs). Esse modelo permite o tratamento de fenômenos linguísticos em níveis distintos. De acordo com a teoria construcionista, as construções gramaticais constituem modelos complexos formados através do pareamento de forma e significado; em outras palavras, segundo tal modelo, forma e

significado não se dissociam; na verdade, são contrapartes de uma mesma unidade, acessada e processada composicionalmente pelos usuários de uma língua. Dessa forma, uma construção pode estar ligada à outra, formando uma enorme rede, o que constitui o inventário linguístico do falante. sempre maximizado para atender a fins comunicativos;

(iii) Princípio da economia maximizada: o número de construções distintas deve ser

(a) Ligação por polissemia: estabelece uma relação entre o sentido específico de uma construção e sua extensão presente em outra;

(b) Ligação por instanciação: ocorre quando uma determinada construção é a instância da outra, com alguns elementos especificados, isto é, requer que uma construção seja

aberta a ponto de permitir que demais construções surjam a partir da especificação de

aberta a ponto de permitir que demais construções surjam a partir da especificação de

Documentos relacionados