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CAPÍTULO 1 A MUNDIALIZAÇÃO DO CAPITAL: SITUANDO AS

1.4 A reforma do Estado brasileiro, nos anos de 1990, e a dimensão

A história recente do Brasil é permeada por freqüentes continuidades e rupturas, impondo alterações na estrutura do Estado, na sociedade civil e na constituição do cidadão brasileiro.

(SILVA JÚNIOR, 2005, p.11)

Silva Júnior (2005), no enunciado acima, faz referência ao processo dinâmico de mudanças e continuidades das políticas vivenciadas pelo Estado brasileiro, a partir da década de 1990, cujas imposições governamentais re-direcionam a sociedade, em seus diversos aspectos, e influenciam a formação do cidadão.

Essa inferência do autor reforça a necessidade de, ao abordarmos os aspectos da avaliação institucional da educação superior, discorrermos sobre alguns pontos relevantes, relacionados à implementação da reforma do Estado e suas reais intenções, acordadas com os direcionamentos da política internacional, e às implicações mercadológicas da educação superior.

Para tanto, resgatamos, como marco histórico, os anos de 1990, por serem considerados o momento em que, no Brasil, o neoliberalismo se fortalece como ideologia norteadora da política do Estado, dentro do governo de Fernando Henrique Cardoso, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que, após compor o ministério no governo de Itamar Franco, assumindo o cargo de Ministro das Relações Exteriores, em 1993, e o de Ministro da Fazenda, em 1994, foi eleito para um primeiro mandato, que ocorreu de 1994 a 1998, sendo re-eleito para o período de 1999 a 2002.

Esse presidente incorporou a ideologia neoliberal do “desenvolvimento” do país, no sentido de fortalecer a economia do Brasil para que pudesse se “modernizar” e ser bem colocado na disputa de mercado internacional, saindo do temeroso “atraso” para ser considerado um dos países aliados em prol da consolidação do capital mundial e colaborador para a saída da crise capitalista.

Como um dos fios condutores da hegemonia neoliberal, a reforma do Estado é consentida, pois já existia um atrelamento do país à política internacional que disponibilizou empréstimos financeiros, desde anos anteriores, considerados agravantes da grande dívida externa que, a cada ano, tem seus juros aumentados. Também somou, no seu fortalecimento, o posicionamento dos grupos políticos com reconhecimento nacional que saíram em sua defesa.

Assim, a reforma do Estado passa a ser implementada por meio de

[...] uma agenda política de implementação de uma reforma administrativa, uma reforma tributária e uma reforma previdenciária, ou seja, tinha a tarefa de consolidar as reformas necessárias para que o país retomasse a trajetória do desenvolvimento (LIMA, 2000, p. 260).

De acordo com a autora, assumiu-se a continuidade das políticas intencionadas desde o governo de Fernando Collor de Melo e que vinha se articulando com as determinações dos acordos estabelecidos com os organismos internacionais, sob o discurso do desenvolvimento do país, na verdade, para acompanhar o ritmo da mundialização do capital. Isso porque, na visão neoliberal, o Brasil se encontrava entre os países atrasados e sem poder de competição no mercado internacional e, além disso, na condição de grande devedor ao capital internacional.

O Brasil adentra o re-ordenamento das políticas do Estado, implementando reformas nos diversos setores e ampliando-se para o mercado interno e externo, inclusive na educação superior, como pretendiam o Consenso de Washington e o Banco Mundial. Nessa jornada política, o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE) assume os encaminhamentos das reformas, sob comando de Bresser-Pereira.

De acordo com Behring (2003), Bresser-Pereira assumia a “cadeira” de Ministro na época da elaboração do “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”, em 1995. Auto- intitulando-se um social-liberal, defendeu um Estado moderno e flexível com a função de coordenador suplementar.

Acreditando na crise fiscal, objetivou a superação da mesma que, na sua compreensão, estava situada no interior do Estado, pois, como os demais neoliberais, atribuiu as causas da crise à gestão do Estado e não às contradições internas do sistema capitalista.

Percebemos que os neoliberais, como Bresser-Pereira, deslocam o entendimento acerca da origem da crise, ao anunciarem que sua causa sai da esfera do sistema e se localiza no Estado. Analisamos que essa foi uma estratégia utilizada pelos grupos hegemônicos para a permanência do Estado como administrador de conflitos existentes entre as classes sociais, porém, defensor dos interesses do grupo dominante, adequando-se ao modelo de capital financeiro em contraposição à gestão democrática e aos direitos civis.

Bresser-Pereira reforçava essa postura pregando, de acordo com Behring (2003), que a crise fiscal perpassava o excesso de regulação e a ineficiência do serviço público, herança de modelos estatais anteriores, como o do Estado de Bem-estar Social, que era burocrático demais e promoveu o inchaço da máquina administrativa, além de contrair dívidas com gastos desnecessários no setor social.

Posicionando-se a favor da reconstrução do Estado, para superar a crise do capital, propõe, dentre outros direcionamentos, a “[...] recuperação da governabilidade (legitimidade) e a governance (capacidade financeira e administrativa de governar)” (BEHRING, 2003, p.173).

Chama-nos a atenção, em particular, o aspecto da governance, pois, como coloca o próprio mentor do projeto, Bresser-Pereira (1995), é este princípio da reforma que dá ao

Estado o poder de efetivar as suas decisões, por meio do ajuste fiscal e da reforma administrativa pública gerencial, delimitando, inclusive, as atividades exclusivas do Estado, que não incluem a educação superior.

Isso respalda a redefinição de gestão do Estado, que passou a ser inspirada pelo modelo empresarial da racionalidade e eficienticismo, aspectos inerentes à concepção gerencial de administração.

Tais diretrizes colaborariam para que o governo tivesse reconhecimento e respaldo político, sendo forte na gestão das políticas públicas, e planejasse suas ações visando a produtividade e não o desperdício de recursos humanos e financeiros, uma vez que entendia que os problemas eram decorrentes da ineficiência na gestão e da incompetência em gerir os recursos financeiros. Esses redirecionamentos repercutiram na educação superior, em muitos aspectos, como gestão, financiamento e avaliação, enquanto elementos interligados e necessários à concepção de universidade heterônoma.

O discurso do ideário social-liberal de Bresser-Pereira se propagou, pois ganhou espaços e adesão da direita pragmática, por esta defender um Estado moderno e democrático, ao mesmo tempo que possibilitou a abertura ao mercado, que passou a incorporar, também, o setor educacional. Argumentavam, nesse sentido, que o Estado gastava muito com as universidades públicas, que eram tidas como ineficientes e improdutivas, contribuindo para o inchaço da máquina administrativa e o déficit nos cofres públicos.

Behring (2003) enfatiza que o Estado neoliberal cometeu grandes desastres para a sociedade, com o discurso político de democracia assumida como condutora do processo da reforma e suas finalidades, uma vez que ocorre um reducionismo acerca do entendimento sobre a democracia, detectado no discurso de Bresser-Pereira.

A autora aprofunda suas críticas, dizendo que o Ministro se equivocou ao anunciar que o neoliberalismo possibilitaria a vivência profunda da democracia, pois o que denominou-se de democracia não passou de pragmatismo. Como afirma Behring (2003, p. 174), “Não poderia haver visão mais instrumental e reducionista da democracia, que é lateral ao processo de condução da “reforma”, sendo suplantada pelo reiterado pragmatismo!”.

Com isso, compreendemos a complexidade dos discursos proferidos pelos “arautos” neoliberais, em defesa da política de reformas estruturais. Esses discursos protegiam não o interesse da sociedade civil, mas, sim, o do grupo aliado em torno da hegemonia do capital nacional e internacional.

Outra dimensão preocupante, inerente à reforma, é percebida por Oliveira (2002), em relação ao entendimento e à delimitação que foi dada à reforma do Estado. Ao analisar o Plano Diretor, a autora menciona que a expressão “reforma administrativa” é designada para a “reforma do Estado”, sinal de contradição e reducionismo acerca da função e dimensão do Estado, uma vez que o mesmo passa a ser concebido, apenas, como estrutura ou máquina administrativa, perdendo seu poder soberano.

Esse “jogo” de expressão e práticas políticas “[...] possibilita a transição da concepção de Estado de Direito para o entendimento do Estado como aparato estatal ou conjunto de órgãos governamentais” (OLIVEIRA, 2002, p. 47). Evidencia o reducionismo na função que o Estado deve exercer, pois a soberania perde o sentido e o poder legislativo22 torna-se uma instância de governo enfraquecida, como acrescenta a autora:

O Estado de Direito teria sua base estabelecida em sua condição jurídica e se caracterizaria pela tutela dos direitos fundamentais individuais. No campo social, pela garantia do direito de participação no poder político e pela distribuição das riquezas socialmente produzidas. A participação social se apresentaria, de uma lado, na representatividade do poder legislativo, concebido constitucionalmente como o poder soberano, e, de outro, por meio do governo, o poder executivo e judiciário, isto é, o aparelho administrativo do Estado (OLIVEIRA, 2002, p. 48).

Ao enfatizar a perda da condição de Estado de Direito, que defende os direitos fundamentais dos cidadãos além de proteger o patrimônio e os interesses coletivos, ou seja, públicos, e não individuais de uma dada sociedade, a reforma do Estado neoliberal, privilegia o “privado”, o benefício particular, restringe a participação da sociedade nos direcionamentos da nação.

A reforma fortalece a relação entre Estado e mercado, respaldando a “onda” de políticas centralizadas no desenvolvimento mercadológico que transpassa as fronteiras nacionais e coloca a educação superior em nível mundial, como enfatiza Sguissardi (2005),

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além de ser provocada a se privatizar interna e externamente como meio de sobrevivência econômica, para viabilizar seus programas e projetos.

É importante que ressaltemos, embora o tenhamos mencionado anteriormente, o fato de essa relação Estado-mercado ser marcado pela mediação, em nível planetário, pela presença dos organismos internacionais como o Banco Mundial23, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio, que, embora tenham surgido em período anterior, são fortalecidos como mediadores na articulação da hegemonia do imperialismo dos grupos líderes do capital mundial, sob liderança dos Estados Unidos.

As reformas tributária e previdenciária, dentre outras, assim como a liberalização do comércio e o aumento de privatizações, no setor público, estão de acordo com as orientações dos organismos internacionais que, fundamentados no Consenso de Washington24, “arquitetaram”, em 1989, determinações políticas aos países em desenvolvimento, como o Brasil, no sentido de ajustes econômicos, com intenção de ampliar a hegemonia do capital internacional e o fortalecimento ideológico do sistema capitalista mundializado.

Silva (2002) diz que as propostas do Consenso de Washington nortearam as ações do Estado que convergiram para a expansão do livre comércio e o fortalecimento dos vínculos financeiros internacionais entre países credores e devedores, atrelando-se os países em desenvolvimentos à lógica mercantil da tríade hegemônica.

Nesse processo de reforma do Estado, em que se libera o comércio e se controla as políticas públicas, a educação superior sofre mudanças significativas, como já mencionamos; mas entendemos que há necessidade de enfatizarmos melhor essa discussão, pois, em meio às rupturas, principalmente com a autonomia das instituições, é que esse nível educacional sofre o processo de expansão, diferenciação e diversificação. Sobre esse aspecto nos deteremos a seguir.

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Criado na Conferência de Bretton Woods, em 1944, que transformou o dólar na moeda-reserva mundial e vinculou com firmeza o desenvolvimento econômico do mundo à política fiscal e monetária norte-americana. (CASTELLIS, 2003, p. 131).

24 O Consenso de Washington se configura como projeto hegemônico, objetivando respaldar ajustes neoliberais para