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O Código de Defesa do Consumidor concentra a abordagem da responsabilidade civil no produto ou no serviço prestado pelo fornecedor. Conforme abordado na parte principiológica, os produtos e serviços devem atender ao princípio da segurança, sob pena de arcar com os danos provenientes da falta de segurança.

O princípio da segurança estabeleceu uma responsabilidade objetiva para todos os casos de acidente de consumo, quer sejam eles decorrentes do fato do produto, previsto no art. 12 do CDC, quer sejam provenientes do fato do serviço, encontrado no art. 14 da referida lei. Ambos os dispositivos legais trazem em seu texto a reparação dos danos pelo fornecedor, independente da existência de culpa, causados pelos defeitos dos produtos e serviços. Logo, o fato gerador da responsabilidade do fornecedor é o defeito do produto ou serviço. Em suma, Cavalieri Filho (2014) dispõe que:

[...] Todo aquele que fornece produtos ou serviços no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. O defeito caracteriza a ilicitude da conduta como um elemento da responsabilidade do fornecedor. Não basta, portanto, colocar produtos ou serviços no mercado; é ainda indispensável a presença de um defeito, e que desse defeito resulte o dano.

Ou seja, para ocorrer a responsabilização é necessário que o produto ou serviço defeituoso esteja no mercado de trabalho e que esse defeito resulte em um dano ao consumidor. Quando se fala em defeito, logo se remete ao princípio da segurança. Isto porque, espera-se que o produto ou serviço adquirido seja seguro, ainda que contenha alguma probabilidade de risco. Nas palavras de Cavalieri Filho (2014, p. 60), “o fundamento da responsabilidade do fornecedor não é o risco, como afirmado por muitos, mas, sim, o princípio da segurança”. Nesta mesma lógica, o autor defende que o risco por si só não gera a obrigação de indenizar e é mera probabilidade de dano. Ou seja, o risco existe e não há como mudar, mas a responsabilidade surge quando a segurança que se deve ter e esperar é violada.

Portanto, tendo em vista o princípio em comento, segundo Neves e Tartuce (2015, p. 126), é que “surgem a responsabilidade pelo vício ou pelo fato, sendo o último também denominado de defeito” (grifo do autor).

Nesse sentido, a lei consumeirista apresenta quatro modalidades acerca da responsabilidade civil, que são: a) responsabilidade pelo vício do produto; b) responsabilidade pelo fato do produto; c) responsabilidade pelo vício do serviço; d) responsabilidade pelo fato do serviço. O presente item versará somente sobre a responsabilidade por fato e por vício nos serviços, a fim de compreender qual o tipo de responsabilidade adotada pela Lei nº 8.078/90 sobre os fatos e vícios decorrendes do serviço público prestado pelo Estado.

Dito isso, é necessário fazer uma abordagem diferenciando os termos vício e fato (este último é entendido também como defeito). Segundo Neves e Tartuce (2015, p. 127), “no vício – seja do produto ou do serviço –, o problema fica adstrito aos limites do bem de consumo, sem outras repercussões”. Ou seja, quando o erro atingir a integridade econômica do consumidor, causando-lhe meramente um prejuízo patromonial, se está diante de um vício, entendido como um prejuízo intrínseco.

De outra banda, no fato ou defeito do produto ou serviço, conforme estabelecem Neves e Tartuce (2015, p. 126), “há outras decorrências, como é o caso de outros danos materiais, de danos morais e dos danos estéticos”. Diferentemente do vício, no fato ou defeito há um prejuízo extrínseco, pois além de atingir o patrimônio, atingirá a integridade física e/ou psicológica do

consumidor. É o denominado acidente de consumo. Nas palavras de Vitor Guglinski (2019, n.p):

[...] o defeito exorbita a esfera do bem de consumo, passando a atingir o consumidor, que poderá ser o próprio adquirente do bem - consumidor padrão ou stander – art. 2º do CDC - ou terceiros atingidos pelo acidente de consumo, que, para os fins de proteção do CDC, são equiparados àquele - consumidores por equiparação bystander – art. 17 do CDC.

Desta maneira, o fato do produto ou serviço desencadeia em um dano que sai da esfera do próprio produto ou serviço adquirido atingindo a própria pessoa do consumdior, de tal maneira que, se isso não ocorrer, inexistirá a responsabilidade e o dever de indenizar.

Em suma, Neves e Tartuce (2015, p. 127) estabelecem que “quando o dano permanece nos limites do produto ou serviço, está presente o vício. Se o problema extrapola os seus limites, há fato ou defeito, presente, no último caso, o acidente de consumo propriamente dito”.

Feita essa primeira análise, há também que ser feita uma diferenciação do vício e do fato/defeito em relação às pessoas legitimadas a responder a situações correspondentes. O Código de Defesa do Consumidor em seu art. 7º, parágrafo único, se refere a uma responsabilidade solidária, contendo a seguinte redação: “tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo” (BRASIL, 1990). Resta claro que a regra geral adotada pela lei consumeirista é a solidariedade presumida entre os envolvidos no fornecimento dos produtos e na prestação de serviços. Conforme mencionado anteriormente, há quatro tipos de responsabilidade e, em relação a responsabilidade pelo vício e fato nos serviços, a responsabilidade é solidária entre todos os envolvidos na produção, ou seja, conforme Eduardo Marim (2019, p. 2) “todos aqueles que participaram da cadeia de fabricação, transporte, distribuição, venda e posteriormente serviços de mão de obra, serão responsáveis conjuntamente por resolver os problemas do consumidor”. Dito isso, a responsabilidade pelo fato do serviço está prevista no art. 14 do CDC nos seguintes termos: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos” (BRASIL, 1990). Diante disso, Bolzan (2014, p. 239) destaca que: “em razão de um serviço defeituoso ocorre um acidente de consumo e o consequente dever de reparar os danos independentemente da comprovação de dolo ou de culpa. Trata-se mais uma vez de responsabilidade objetiva”. Quanto a definição de serviço defeituoso o § 1º do art. 14 se encarregou de esclarecer:

§1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I- o modo de seu fornecimento;

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. (BRASIL, 1990)

Ademais, tendo em vista que a responsabilidade nesses casos é objetiva, o Código estabeleceu algumas situações entendidas como causas de excludentes de responsabilidade do fornecedor pelo fato do serviço, no §3º do artigo em questão. Portanto, o fornecedor deixará de ser responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste e quando provar que a culpa pelo dano foi exclusiva do consumidor ou de terceiro. Convém destacar, nas palavras de Bolzan (2014, p. 240) que a única alegação que o fornecedor não pode fazer é a de que não foi ele quem prestou o serviço ou colocou o serviço no mercado de consumo.

Em relação a responsabilidade civil decorrente de vícios na prestação de serviços, o caput do art. 20 do Código de Defesa do Consumidor, dispõe o seguinte:

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: (BRASIL, 1990) (grifo nosso)

Desta forma, como destacado no artigo mencionado, os vícios de qualidade correspondem àquilo que torna o serviço impróprio ao consumo ou lhes diminua o valor. Além disso, o §2º do mesmo dispositivo legal define o que é serviço impróprio, in verbis: §2º São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade” (BRASIL, 1990). Portanto, se um serviço é inadequado para os fins que dele se esperavam ou se não atende às normas regulamentares ele é tido como impróprio.

Diante da ocorrência de vícios nos serviços, a lei consumeirista trouxe algumas alternativas para o consumidor exigir de forma a restaurar os danos sofridos, os quais estão previstos nos incisos I a III do art. 20 do CDC:

I — a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II — a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

A alternativa do inciso I prevê a reexecução dos serviços, sem custos adicionais e quando cabível. No entanto, no entender de Bolzan (2014, p. 258) é comum que o consumidor deixe de confiar naquele fornecedor que lhe prestou serviços inadequados. Em função disso, o §1º do art. 20 do CDC dispõe que: “A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor” (BRASIL, 1990). Ou seja, poderá o consumidor levar o seu produto para a realização de um novo serviço por um outro indivíduo, sendo custeado integralmente pelo fornecedor originário que foi o responsável pelo vício.

Adentrando na esfera administrativa, o Estado, por meio dos seus órgão públicos, atuando de forma direta ou por meio de suas empresas, concessionárias e permissionárias de serviços também estão sujeitos à responsabilidade civil. Isso se dá pelo fato de constar no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor que os serviços devem ser adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos, conforme anteriormente abordado no item referente aos serviços públicos. Entretanto, o foco principal quanto a responsabilidade se dá no parágrafo único do artigo em comento, o qual prevê a responsabilização das pessoas jurídicas quando deixarem de prestar, total ou parcialmente, as obrigações constantes no artigo. In verbis:

Art. 22 Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias, ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único – Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumprí-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código. (BRASIL, 1990, grifo nosso)

Outrossim, a responsabilidade do ente público está presente no art. 37, § 6º da Constituição Federal, que contém o seguinte teor:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, 1988, grifo nosso)

Todavia a responsabilidade civil estatal prevista no CDC não pode ser comparada e nem aplicável com a responsabilidade civil prevista na Constituição. Isto porque, o Código de Defesa do Consumidor é mais abrangente, como bem explica Novais (2019, p. 318):

[...] a distinção entre a responsabilidade constitucional e a consubstanciada no art. 22 do CDC explica-se pela maior gama de possibilidades ofertada por este último dispositivo, o qual permite a tutela específica, além da indenização por perdas e danos, ao contrário da Carta Magna, art. 37, § 6º, cujo teor admite apenas a reparação dos danos. Note-se, porém, que a indenização fundada no CDC alcança a reparação de danos ao consumidor, decorrentes de serviços inadequados, ineficientes, inseguros e, no caso de serviços essenciais, descontínuos, sem aferição alguma de culpa. Já a responsabilidade fruto do dispositivo constitucional impõe o dever de reparar quaisquer danos que os agentes de pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado prestadoras de serviços públicos, nesta qualidade, causarem a terceiros.

Em vista disso, o Código de Defesa do Consumidor é mais específico ao prever a responsabilidade do Estado, o qual se reporta somente aos danos decorrentes de serviços inadequados, ineficientes, inseguros e descontínuos. Em contrapartida, a responsabilidade prevista na Constituição Federal é mais ampla, pois autoriza a reparação de quaisquer danos decorrentes da má prestação de serviços públicos. Desta maneira, diante dessa especificidade prevista no CDC, nota-se que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos por danos causados ao consumidor em virtude de inadequação, ineficiência, insegurança e descontinuidade (nos casos dos serviços essenciais) do serviço é, em regra geral, de caráter objetivo.

Ademais, tendo em vista que o art. 22 do CDC está inserido no Capítulo IV, Seção III, do CDC, correspondente à Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço, extremamente importante é o argumento trazido por Novais (2019, p. 319) ao dizer que os danos causados pela má prestação de serviços podem atingir inclusive a órbita do fato do produto ou serviço, isto é, a integridade físico-psíquica do consumidor (prejuízo extrínseco). Concluindo tal pensamento, Novais (2019, p. 319) diz que:

[...] a responsabilidade das prestadoras de serviços públicos pelos danos causados aos consumidores é objetiva, sendo a elas conferido o direito de regresso contra os agentes que tenham incorrido em caso de dolo ou culpa, por força do disposto na Carta Magna. Há, portanto, a responsabilidade civil objetiva das prestadoras de serviço público, sejam elas pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado, e a responsabilidade subjetiva dos agentes, perante as pessoas jurídicas prestadoras de serviço público, quando agirem com dolo ou culpa.

Insta consignar, igualmente, o disposto no §1º do art. 25 da Lei nº 8.078/90, que prevê a responsabilidade solidária de todos os autores da cadeia produtiva que contribuíram para que o produto ou serviço entrasse no mercado de trabalho. Assim, todos se responsabilizam a reparar os danos sofridos pelo consumidor, independente da existência de culpa.

Dito isso, concluído o entendimento no que tange às relações jurídicas consumeiristas, os sujeitos objetivos e subjetivos que compõe tal relação, bem como a responsabilidade que, de

regra, é objetiva nos casos de fato ou de vício nos serviços, imperioso se faz aprofundar o estudo quanto a responsabilidade do Estado. Conforme visto no tópico relacionado aos serviços públicos, estes se subdividem em uti universi e uti singuli e têm como diferença o subsídio por meio de impostos ou taxas, respectivamente. Assim, no capítulo seguinte será abordado se esses serviços uti universi e uti singuli possuem a mesma responsabilização diante da má prestação de serviços, assim como quais são as excludentes de responsabilidade e alguns casos práticos de acordo com a jurisprudência pátria.

2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NOS SERVIÇOS PÚBLICOS

O presente capítulo abordará a responsabilidade civil estatal na prestação de seus serviços públicos quando estes causarem danos aos seus usuários, seja por uma omissão na prestação de serviço, seja por uma má prestação do serviço. Assim, partindo de um princípio histórico da responsabilidade civil do Estado até a atual realidade, serão conceituados os serviços públicos sob a ótica da Administração Pública, de modo a compreender as suas divisões e formas de remuneração dependendo do usuário do serviço e como isso se relaciona com a respectiva responsabilidade que decai sobre o Estado-fornecedor do serviço.

Desta maneira, será possível assimilar quais os casos em que se aplica os princípios e direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor ao serviço adquirido pelo consumidor- usuário, e também os casos excludentes de responsabilização pelo Estado. Paralelamente a pesquisa doutrinária apresentam-se exemplos práticos, por meio de jurisprudências pátrias, a fim de verificar se o Estado vem seguindo os ditames constitucionais e sendo responsabilizado de fato pelo dano causado.

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