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II – AS GRANDES TRANSFORMAÇÕES NO CAMPO

2. A Revolução Verde: “a grande mudança de rumos”

Antes dos adubos químicos, sementes certificadas, agrotóxicos e outros, a produção dependia da natureza. Os agricultores buscavam formas de ajudar a natureza para poder continuar produzindo, deixando a ―terra descansar‖ (pousio), aplicando matéria orgânica e fazendo rotação de culturas. Assim, as famílias tinham uma produção diversificada, quase não dependiam de insumos externos e produziam primeiro para o autoconsumo.

Com a Revolução Verde, esse sistema de produção da agricultura familiar/camponesa foi transformado dando lugar à monocultura e mecanização pesada, uso de sementes certificadas e híbridas, cultivadas com adubos químicos e agrotóxicos. A natureza foi desconsiderada, e a fertilidade natural foi destruída, o solo degradou, a fonte secou, e o agricultor empobreceu.

O modelo de produção da Revolução Verde foi criado pelas indústrias para atender os seus interesses de vender sementes e insumos. Proporcionou alguns avanços, mas causou grande degradação ambiental,

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contaminação do meio, dos alimentos e das pessoas. Aumentou os custos a níveis insuportáveis e levou ao êxodo rural, concentração de renda e das terras.

Esse modelo foi imposto, durante a ditadura militar, com total suporte de políticas públicas através da assistência técnica, pesquisa e crédito. Não se preocupou em qualificar o que as famílias já faziam e, sim, tratou de substituir tudo. Nesse modelo, o campo foi tido apenas como espaço de produção e as famílias foram impulsionadas a saírem do campo.

Também o modelo da monocultura e da dependência externa de insumos inviabiliza economicamente o campo, porque, em função da degradação, a quantidade de insumos aumenta crescentemente. Mesmo que a cidade já não ofereça mais muitas oportunidades, o êxodo rural continua.

A natureza foi desconsiderada e a fertilidade natural foi destruída. Já não era mais possível ―deixar a terra descansar‖. Assim, acabou a produção de biomassa (matéria orgânica) realizada pelas matas e capoeiras, o húmus do solo se desgastou, e começaram a aparecer as pragas, doenças e inços. Também, à medida que a degradação e a contaminação ambiental se aceleram e a vida do solo vai morrendo, aumenta a necessidade de adubos químicos e agrotóxicos para manter o mesmo nível de produtividade.

Estabelece-se um ciclo vicioso, porque o adubo químico mantém a produção sem aumentar a fertilidade do solo. Além disso, provoca outros desequilíbrios no solo e na planta, proporcionando inços, pragas e doenças. Agora, são necessários também os agrotóxicos. Assim, os problemas são multiplicados, e vai aumentando a dependência de insumos externos.

Antes da Revolução Verde, havia muitas dificuldades no campo, mas de tudo que se produzia e vendia, ficava mais da metade do valor

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com as famílias no campo. Por exemplo: mais da metade do valor final de cada saca de milho produzido e comercializado ficava com quem produzia.

A Revolução Verde até fez aumentar a quantidade produzida, especialmente pelo aumento da área plantada, mas os custos de produção subiram muito e continuam subindo. Agora, de cada saca de milho produzido, o agricultor fica com mais ou menos 10% do valor. Há situações em que, mesmo após vender toda a safra, o agricultor fica endividado.

A destruição da fertilidade natural do solo e a dependência de insumos externos, a monocultura e o fim dos cultivos para o autoconsumo são responsáveis pela diminuição drástica da renda.

Esse modelo de desenvolvimento provocou grande êxodo rural. Inicialmente, o êxodo foi provocado porque a cidade precisava de gente para trabalhar na indústria que estava se instalando; depois, o êxodo se acentua em função da dificuldade econômica gerada pelo modelo e, por fim, o Estado, seja através do Governo Federal, Estadual ou Municipal, teve papel importante na construção da atual condição de desenvolvimento, seja no campo ou na cidade.

No Brasil, quem protagonizou este modelo da ―Revolução Verde‖ no campo foi, principalmente, o governo através da atuação direta das instituições públicas, programas e campanhas de governo como ―Plante que o João garante‖7, como, também, constantes e estreitas parcerias

entre instituições públicas de planejamento, pesquisa, ensino e extensão com grandes empresas, ―Se é Bayer é bom‖ ou ―Com Manah adubando dá‖8 e assim por diante.

Foram mais de 40 anos de investimentos diretos e indiretos. Centros de pesquisas regionais; equipes técnicas em praticamente todos

7 Este foi um slogan lançado pelo Presidente militar João Batista Figueiredo no

início dos anos 1980 para incentivar a agricultura, especialmente o cultivo de trigo, com crédito, apoio técnico e um preço mínimo de garantia.

8 Slogans criados pelas empresas, no caso a Bayer e Manah (Bunge) muito

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os municípios; centros de formação de técnicos e universidades; crédito subsidiado e vinculado ao modelo e muita propaganda e capacitação de agricultores.

A educação cumpriu papel fundamental, preparando as pessoas para esse novo modelo de desenvolvimento. Os conteúdos curriculares incorporavam a perspectiva do desenvolvimento urbano e industrial.

O campo foi visto, apenas, como espaço de produção, fortemente associado ao sinônimo de atraso. Ganha força a ideia da cidadania associada à cidade, e, para isso não faltaram estereótipos (‖Jeca-Tatu‖, ―Mazzaropi‖)9, desqualificando o campo e seus sujeitos. Essa condição

sociológica do ―ser camponês‖ deu-se por diversas formas em diferentes espaços como nas escolas, nos meios de comunicação, nas expressões culturais, na música e outras.

O sociólogo José Martins de Souza, em exposição no encerramento do X Congresso Mundial de Sociologia Rural, em 2000, evidencia o papel da sociologia na desqualificação do modo de vida do camponês, seu conhecimento e suas perspectivas.

A sociologia rural tem um pesado débito para com as populações rurais de todo o mundo. As gerações vitimadas por uma sociologia a serviço da difusão de inovações, cuja prioridade era a própria inovação, ainda estão aí, legando aos filhos que chegam à idade adulta os efeitos de uma demolição cultural que nem sempre foi substituída por valores sociais includentes, emancipadores e libertadores: ou legando aos filhos o débito social do desenraizamento e da migração para as cidades ou para as vilas pobres próximas das grandes fazendas de onde saíram, deslocados que foram para cenários de poucas oportunidades e de nenhuma qualidade de vida. (SOUZA, 2001, p.31).

9 Jeca Tatu e Mazzaropi foram personagens criados pelo escritor Monteiro Lobato

que traduzem a condição de ignorância, preguiça, pobreza, sujeira e outras que se tornaram o estereótipo do ―ser camponês‖.

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A sociologia rural contribuiu estimulando o êxodo rural ao associar o modo de ser e viver do camponês ao atraso e ao primitivismo. Essa visão teve efeito na diminuição da autoestima dessa população, já que a condição de cidadania, do ―ser gente‖ foi vinculada com o desenvolvimento urbano/industrial.

Nenhum campo da sociologia ficou mais exposto a esse desencantamento do que a sociologia rural. Porque nenhum ficou tão obstinadamente preso à suposição de que as populações rurais são populações retardatárias do desenvolvimento econômico e da História, supostas ilhas de primitivismo no suposto paraíso da modernidade (SOUZA, 2001, p. 31).

Essas expressões sociológicas davam-se nos estudos e análises acadêmicas e se expressavam de forma muitas vezes ingênua no conjunto da sociedade. Por exemplo, são vários os relatos de professores (as) em escolas do campo, dirigirem-se aos alunos, filhos de agricultores, usando expressões com o seguinte conteúdo: ―estudem ou querem ficar ignorantes e sofrendo na vida dura do campo, como seu pai e sua mãe‖.

As demais políticas públicas de forma geral foram totalmente direcionadas para o meio urbano, como por exemplo: os programas habitacionais só financiavam casas no meio urbano; a educação no campo voltava-se para o trabalho urbano industrial, também outros programas, como saneamento básico, transporte e laser, também, eram aplicados apenas no meio urbano. De forma geral, esta condição perdura até os dias atuais, com exceção aos programas de habitação que, nos Governos Lula e Dilma Roussef, estendem-se, também, ao campo.

Nessa trajetória o campo foi decisivamente submetido ao desenvolvimento urbano industrial inicialmente liberando mão de obra e depois comprando insumos e fornecendo matéria prima para as agroindústrias, seja através da integração direta ou indireta. Essa condição vem, crescentemente, empobrecendo e excluindo grande número de famílias do campo. Carvalho (2002) faz uma síntese preocupante quanto

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às perspectivas para o campo junto à agricultura familiar/camponesa no atual modelo e contexto, sendo:

a) Dificuldade na conquista de renda familiar suficiente para a garantia da reprodução dos meios de vida que justifique a permanência na terra.

b) Outra, de natureza política, decorre da crescente constatação de que as lutas, como aquelas para efetivação das políticas públicas compensatórias, como o crédito rural subsidiado, ainda que sejam fundamentais para a unidade política de classe e para o acesso aos recursos públicos, eram e são insuficientes para a viabilização econômica da unidade de produção familiar.

c) Uma terceira, de natureza ideológica e como consequência das anteriores, pode ser resumida na perda da esperança na possibilidade da pequena agricultura familiar constituir-se numa alternativa para as gerações atuais e futuras, se mantido o atual modelo econômico e social.

Há, portanto, a necessidade urgente de uma nova proposta, novas perspectivas e um novo papel para o campo.

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III – O PAPEL DA EXTENSÃO RURAL E A REVOLUÇÃO