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CAPÍTULO 3 – AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA

3.1. A Segurança

“A principal lição traduz-se em reconhecer que a segurança é um tema transnacional, que afecta todas as sociedades civis e que não consente numa distinção operacional entre segurança interna e segurança externa. Por muito discutível que seja a definição de segurança, a expressão inglesa garantee of safety parece corresponder ao núcleo duro do conceito” (Adriano Moreira)

No Estado de Direito Democrático, a segurança é um direito fundamental dos cidadãos e uma obrigação essencial do Estado. É fundamentalmente um dever do Estado, que, para além de ser responsável pela segurança, compete-lhe constitucionalmente, “garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático” (art.º 9º, alínea b) da CRP) e cada cidadão tem o dever de colaborar na prossecução dos fins de segurança interna, “acatando as ordens legítimas das autoridades e não obstruindo o exercício das competências pelos agentes das Forças de Segurança” (Clemente, 2006, p. 23).

A segurança pode ser considerada um conceito pluridimensional e “engloba o carácter, a natureza e as condições de um estado de tranquilidade resultante da ausência de qualquer perigo” (Fernandes, 2005, p. 30), e debruça-se sobre os problemas económicos, ambientais, políticos e sociais. A segurança é “o estado de tranquilidade e de confiança mantido por um conjunto de condições materiais, económicas, políticas e sociais, que garante a ausência de qualquer perigo, tanto para a colectividade como para o cidadão individualmente considerado” (idem).

Nenhum Estado, sendo a instituição que é, pode cuidar da segurança das pessoas e dos bens, como dos “valores e dos padrões culturais, ou assegurar a manutenção da ordem, sem primeiro cuidar da sua própria preservação. Por isso, o fim de conservação do próprio Estado corresponde à necessidade evidente de preservação institucional e é o primeiro motivo determinante para a organização e estruturação do aparelho do Poder Político” (Fernandes, 2005, p. 30-31).

O direito fundamental à segurança assume duas dimensões: uma positiva outra negativa. No que diz respeito à dimensão positiva da segurança, esta “traduz-se no direito à protecção do concidadão, através do poder político, contra a agressão ou a ameaça de outrem, enquanto, a dimensão negativa consubstancia-se no

direito subjectivo à seguridade, ou seja, no direito de defesa, perante os eventuais actos injustos da Administração Pública” (Clemente, 2006, p. 22; cf. Valente, 2005).

O debate em torno da redefinição do conceito de segurança tem sido impulsionado, principalmente, por questões económicas e ambientais (1970 e 1980) e por questões de identidade e criminalidade transnacional (1990), que gerou um conjunto diversificado de opiniões que torna clara a falta de consenso que existe em torno do conceito de segurança (Fiães Fernandes, 2005). A segurança pode ser abordada perante dois pontos de vista: a tradicional, em que “a segurança é entendida em termos estritamente militares e centrada nas questões de sobrevivência do Estado” (Fiães Fernandes, 2005, p. 135); e a não tradicional, em que “o conceito de segurança é objecto de um alargamento às questões sociais, económicas e ambientais e de um aprofundamento, em que outros referent objects passam a ser considerados” (idem).

Dentro da abordagem tradicional destaca-se a escola realista, em particular para o pensamento do neo- realista Stephen Walt. Para os realistas, a segurança é construída na obtenção de poder pelos Estados, que constitui o actor central, com o fim de garantir a sua sobrevivência contra as ameaças objectivas, sendo que o sistema internacional vive num contexto anárquico puro (Fiães Fernandes, 2005). Esta escola tem uma visão muito restrita da segurança, uma vez que parte do princípio que as ameaças à sobrevivência do Estado tem uma origem externa.

Para a escola liberal, a segurança representa o principal desafio ao realismo. Os factores institucionais, económicos e democráticos são dimensões determinantes para instaurar a paz, mais determinantes que a variável militar (Fiães Fernandes, 2005). Durante os anos 80 surge a “escola Copenhaga”. Esta escola procede principalmente do pensamento de vários autores, Ole Weaver, Barry Buzan e Japp De Wilde. Esta “escola” apresenta um contributo muito inovador na problemática da segurança. Segundo estes autores, o conceito de segurança tem de englobar várias dimensões: uma dimensão económica, sendo que a mudança económica pode ser uma fonte de insegurança para a posição e poder de um Estado, podendo implicar o seu declínio; uma dimensão societal, ligada à sobrevivência identitária dos actores estatais, como também ao nível infranacional ou supranacional que contribuem para modificar a identidade do Estado; e uma dimensão ambiental, aliada a uma preservação das condições ecológicas que tendem a suportar o desenvolvimento das actividades humanas, em detrimento da emergência de novas ameaças e de novos riscos (Fiães Fernandes, 2005).

O conceito de segurança pode adquirir variados significados, dependendo dos indivíduos, da sociedade e dos momentos históricos a que este conceito é reportado, ou seja, ele emerge e muda segundo o resultado que advém do discurso proferido pelas elites com o intuito de securitizar determinados assuntos ou campos. A segurança é um “conceito socialmente construído, adquirindo um significado especial apenas num contexto social específico” (Fiães Fernandes, 2005, p. 138).

O conceito de segurança registou uma evolução muito significativa do século XVIII para o século XX. As transformações no Estado e o seu crescente papel na sociedade implicaram também transformações ao nível do conceito de segurança (Oliveira, 2006). Durante o Estado absoluto a segurança e a justiça “tinham uma dimensão fundamentalmente patrimonial e a responsabilidade pela sua execução competia ao soberano, detentor do poder absoluto" (idem, p. 53). Na fase liberal do Estado constitucional ou de direito “o conceito de segurança estava, sobretudo, ligado à protecção da vida e da propriedade e das estruturas do Estado

moderno, isto é, da nova ordem pública” (Oliveira, 2006, p. 53-54). Durante esta fase, o Estado passou a monopolizar a segurança, isto é, passou a ser o único detentor da segurança, servindo de intermediário na conflitualidade interpessoal entre os particulares. No período do Estado-providência, o conceito de segurança transforma-se devido à forte demanda dos cidadãos, exigindo mais ao Estado, não apenas “uma mera protecção coerciva dos direitos e liberdades, mas, todo um conjunto de actuações em diversas áreas da vida social, especialmente na protecção de riscos e perigos reais e prováveis” (Oliveira, 2006, p. 54).

De acordo com esta evolução, a polícia transformou-se num serviço público orientado para a satisfação das necessidades dos cidadãos, para cumprimento das políticas governamentais. O cidadão passa a ter um lugar de destaque, um lugar central na segurança dispondo de um direito à segurança pública, que deve entender-se “como aquela situação social que se caracteriza por um clima de paz, convivência e de confiança mútua que permite e facilita aos cidadãos o livre e pacífico exercício dos seus direitos individuais, políticos e sociais, assim como o normal funcionamento das instituições públicas e privadas” (González apud Oliveira, 2006, p. 54).

Seguindo esta linha de ideias, pode-se dizer que a segurança deixou de ser um problema exclusivo da polícia para se materializar numa parceria com os cidadãos, passando a segurança a ser coproduzida com a participação directa dos próprios cidadãos ou dos seus representantes, na busca de respostas e soluções para os problemas de criminalidade e insegurança (Fiães Fernandes, 2006). Como já se pôde verificar no primeiro capítulo, o Estado, tem vindo a perder o seu poder como actor principal, por causa da emergência de novos actores não estatais que “actuam de forma subsidiária e complementar à sua actividade” e entram em competição com o Estado, colocando novos desafios e problemas de segurança. São actores infranacionais, transnacionais, subnacionais que desafiam o poder e a soberania do Estado, obrigando à sua redefinição, bem como às pertenças dos cidadãos e das sociedades, pois difundem ideias e valores que em certos casos, desempenham papéis tão cruciais e importantes como o próprio Estado-nação.

Esta competição acaba por afectar a ideia de fronteira, isto é, a fronteira de segurança já não coincide com a “fronteira geopolítica”, devido às profundas alterações após o 11 de Setembro de 2001, as ameaças são cada vez mais regionais e globais. Com a crescente interdependência e a integração em blocos regionais há uma desvalorização da “fronteira geopolítica”. Esta realidade produz “uma redução do alcance prático da ideia de segurança interna enquanto realidade autónoma e circunscrita ao interior das fronteiras geopolíticas, desde logo porque a própria interiorização pode construir factor de erro na concepção das políticas públicas de segurança” (Fiães Fernandes, 2005, p. 143-144).

Com a crise de governabilidade (início do século XXI), com a crescente globalização ou a descontextualização dos sistemas sociais próprias da modernidade, o surgimento de novos actores, a dificuldade de definir as linhas de fronteira, traduz-se no aparecimento de um conjunto de factores sociais, económicos e culturais incitadores de insegurança. O Estado, ao nível nacional, tornou-se incapaz de responder aos problemas reais e, demasiado burocratizado para garantir o tratamento adequado e diferenciado de certos problemas sociais locais (Fiães Fernandes, 2005). O Estado é cada vez menos capaz de sozinho resolver certos problemas internos, decorrentes da crescente interdependência e globalização.

Com o aparecimento de espaços “macro-securitários de tipo supra-estatal, como o espaço policial europeu, fez das seguranças nacionais uma questão multilateral” (Amadeu, 2004, p. 74). E simultaneamente,

“a exigência de uma maior atenção às necessidades de uma segurança vinculada aos cidadãos e às suas solicitações básicas desenvolveu um crescente interesse pelos aspectos micro-securitários, num espaço local que reclama para si a área da assistência, da solução de problemas, da mediação, entre outros, mas que, ao mesmo tempo, se consagra também como o espaço das inseguranças da pequena delinquência, do risco e dos medos dos cidadãos” (idem).

Com a forte demanda de segurança por parte dos cidadãos, face ao aumento do crime, dos comportamentos anti-sociais e o sentimento de insegurança, o monopólio que até então era assegurado pelo Estado está em risco, porque o cidadão está cada vez mais exigente e pretende respostas claras, dadas a tempo, às suas necessidades. O conceito de segurança está em transformação.