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CAPÍTULO 2 - A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA NA PERSPECTIVA DA JUSTIÇA

2.1. Uma ideia de Justiça

2.1.3. A superação do “fundamentalismo institucional”

Efetivamente, a investigação doutrinária da denominada “justiça tributária”

tem mesmo se pautado na noção de justiça enquanto “niti”, ou seja, voltada à análise fragmentada dos institutos jurídicos de Direito Tributário, sem se dar conta de que, no plano pragmático, o “peixe grande” do Estado continua devorando a riqueza dos “peixes pequenos”, sem que isso signifique maiores incrementos no que tange à realização de direitos fundamentais e/ou sociais de maior ou melhor qualidade.

74 Ibidem, p. 56.

Nesse mesmo sentido, é com absoluta perspicácia que André Foloni esclarece as limitações dos estudos a respeito da justiça tributária75:

A doutrina tributarista, no Brasil, costuma limitar duplamente sua apreensão a respeito dos temas da justiça tributária. Em primeiro lugar, limita-a porque a reduz, praticamente, à igualdade tributária e à capacidade contributiva, num expediente redutor, que separa o direito tributário da destinação do produto da arrecadação ou dos efeitos concretos gerados na vida dos contribuintes. Em segundo lugar, limita-a porque reduz seu exame, normalmente, aos tributos com função arrecadatória – a tradicional função fiscal dos tributos.

Novo expediente redutor, a cindir o direito tributário da política fiscal.

Na primeira redução, a doutrina equipara a tributação justa àquela que obedece ao princípio da igualdade tributária. Esse princípio, no direito brasileiro, é compreendido pela conjugação de dois preceitos constitucionais: a capacidade contributiva, princípio geral do sistema tributário nacional (CF, art. 145, § 1°, ab initio), e a igualdade enquanto limitação ao poder de tributar (CF, art. 150, II). Assim, em primeiro lugar, e por força desse último dispositivo, será justo o tributo que incida uniformemente sobre todos aqueles contribuintes que se encontram em situação equivalente. E, em segundo lugar, por força do primeiro preceito, será justo o tributo que incida, proporcional e gradualmente, sobre contribuintes que se encontrem em situação econômica diferente, na medida dessa diferença.

Contribuintes com maior capacidade econômica devem sofrer incidência tributária proporcionalmente mais agravada do que aqueles com menor capacidade.

Essa visão é redutora porque, em seus efeitos, vistos sob perspectiva pragmática, acaba por concluir que será justa a tributação que incida igualitariamente sobre todos os contribuintes – ainda que incida de forma igualmente injusta sobre todos! Uma visão redutora, apertada, estreita, que pense apenas a norma que determina o pagamento e nada mais, talvez possa chegar

75FOLONI, André. Isonomia na Tributação Extrafiscal, Rev. direito GV vol.10 no.1 São Paulo Jan./June 2014

in: http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v10n1/a08v10n1.pdf. p. 202 e 203.

legitimamente a essa conclusão. Porém um entendimento ampliado, aberto, que enfrente as complexidades da sociedade contemporânea e do direito que a conforma, não se poderá satisfazer com ela. Um Estado que tribute excessivamente a todos os cidadãos e não lhes devolva serviços e obras públicas adequadas, ou que desvie os recursos arrecadados em práticas de corrupção sistêmicas, não praticará tributação justa. Ainda que, eventualmente, seja tributação igualitária. Justiça tributária e igualdade tributária, em uma visão ampla e complexa, não são o mesmo.

De fato, quando avaliamos a “justiça tributária” apenas com fulcro na igualdade tributária e na capacidade contributiva, ainda que haja justiça na comparação do sacrifício suportado pelos contribuintes, tal não será suficiente para aferir se o sacrifício exigido da coletividade é justo em face dos resultados devolvidos em “liberdades coletivas”, na feliz expressão de Schoueri76.

Saldanha Sanches parece ter se apercebido das limitações de se confundir

“justiça tributária” como sendo, apenas, a “justa distribuição dos encargos”, sem que se leve em consideração a natureza, a extensão e adequação destes mesmos encargos, ao dispor a respeito da distribuição dos encargos tributário pós Estado Liberal77:

A partir dessa fase, a justiça fiscal, na tal concepção que para ser rigorosa tem de ser abrangente, deve considerar também as grandes decisões sobre a despesa pública: o modo como o Estado vai gastar os recursos que obtém torna-se o outro lado da questão da justiça fiscal.

...

Mesmo que este trabalho se limite à extensão da justiça tributária em si mesma, não podemos esquecer a proximidade entre esta questão e a da justiça na despesa pública. Contudo, o grau de complexidade da justiça na distribuição dos encargos tributários obriga-nos a proceder uma separação, que sabemos ser discutível, entre o verso e anverso da mesma moeda.

76 SHOUERI, Luís Eduardo. op. cit. (nota 12), p. 35.

77 SANCHES, J. L. Saldanha. Justiça Fiscal. Tradução de João Taborda da Gama. Lisboa: Relógio D’água Editores. 2010. p. 15 e 16.

No mesmo sentido parecem caminhar as lições de Ricardo Lobo Torres, para o qual há inegável necessidade de vinculação entre as receitas auferidas por meio de tributos e a realização dos direitos fundamentais, respeitada uma relação justa de custo/benefício, senão veja-se78:

A imbricação constitucional da relação tributária orienta a sua problemática para o campo das conexões entre a receita e os gastos públicos, dado importantíssimo na atual fase das finanças públicas.

A relação jurídica tributária, por outro lado, aparece totalmente vinculada pelos direitos fundamentais declarados na Constituição.

Nasce, por força de lei, no espaço previamente aberto pela liberdade individual ao poder impositivo estatal. É rigidamente controlada pelas garantias dos direitos e pelo sistema de princípios da segurança jurídica. Todas essas características fazem com que se neutralize a superioridade do Estado, decorrente dos interesses gerais que representa, sem que, todavia, se prejudique a publicidade do vínculo jurídico.

Demais disso, não se esgota na lei formal, senão que deve buscar o seu fundamento na ideia de justiça e nos princípios constitucionais dela derivados, máxime os da capacidade contributiva, do custo/benefício e da solidariedade social.

A partir dessas considerações, parece mesmo ser incompatível com o valor

“justiça” a existência de uma desproporção entre os valores arrecadados e os resultados sociais auferidos. Se, como vimos, a justificativa para a extração de riquezas da sociedade para as mãos do Estado é justamente a realização de direitos fundamentais e sociais que assegurem a realização das liberdades coletivas, parece lógico que o exercício da competência tributária que não se reflita na realização destas liberdades não goza de legitimidade e é, portanto, injusta. E se concluímos que tal quadro não é justo, temos necessariamente que concluir pela sua incompatibilidade com a atual Ordem Constitucional Brasileira.

78 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 19ª Edição, rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2013. p. 238.

2.2. Sobre a Justiça “institucionalizada”: o “receber e não cumprir” perante