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A teoria das “Inteligências Múltiplas”

PARTE I O PENSAMENTO CRIATIVO

2 Conhecimentos das Ciências Cognitivas

2.2 A Importância da Inteligência

2.2.3 A teoria das “Inteligências Múltiplas”

A seguir, e no âmbito da problemática “inteligência – criatividade”, abordaremos ainda a questão de como está estruturada a inteligência, ou seja, se a inteligência é uma

capacidade homogénea ou se se trata de várias capacidades singulares coexistentes. Enquanto nos anos 1920 investigadores como Charles Spearman ainda consideravam que a inteligência era composta por uma capacidade básica una e por capacidades únicas especiais, a actual investigação da inteligência parte do princípio de que não há um factor genérico de inteligência, mas sim diversos factores independentes uns dos outros e situados no mesmo nível, que são aplicados segundo a tarefa a executar [cf. STERNBERG 1996: 404]. Luis Thurstone, por exemplo, na sua “teoria de factores múltiplos” considerou os sete factores seguintes os responsáveis por prestações

inteligentes: entendimento da linguagem, fluidez verbal, destreza de cálculo, imaginação espacial, memória, rapidez de percepção e, consequentemente, pensamento lógico. Trinta anos mais tarde, A. O. Jäger identificou nas suas investigações seis factores principais para a inteligência, dos quais o pensamento relacionado com a linguagem, com a capacidade de cálculo e a visualização espacial coincidiam com os factores de Thurstone. Para além disso, Jäger observou ainda: riqueza de ideias, capacidade de

concentração e capacidade de processamento (pensamento lógico-formal e capacidade de avaliação) [comp. HOBMAIR 1997: 118 s; STERNBERG loc. cit.].

A teoria mais conhecida e aquela que actualmente encontra maior aceitação é a teoria das inteligências múltiplas (Theory of Multiple Intelligences) de Howard GARDNER, que demonstra que uma pessoa não deveria ser julgada tendo em consideração “a sua inteligência”, mas antes segundo diversas faculdades mentais e intelectuais. Já nos anos 80 GARDNER se tinha manifestado contra os modelos de inteligência vigentes,

baseados numa inteligência única abrangendo várias áreas, que se reflecte no quociente individual de inteligência. Ele criticou, por exemplo, que faculdades físicas, emocionais ou sociais fossem totalmente deixadas de fora destes modelos de inteligência.

Na concepção de GARDNER, pelo contrário, a inteligência humana abrange um vasto e diversificado leque de capacidades. Em 1983, GARDNER definiu sete capacidades como diversas formas de inteligência. Em 1995, acrescentou a estas uma oitava

inteligência e no final dos anos 1990 uma nona inteligência passou a entrar em linha de conta, para a qual GARDNER não podia ainda apresentar provas convincentes do ponto de vista neural [GARDNER 1999b: 21]. Desviando-se dos medidores psicométricos estandardizados, GARDNER desenvolveu nomeadamente numerosos critérios que cada tipo de inteligência deve cumprir para poder ser definido como tal. Estes critérios

provêm da biologia, da psicologia, da neurociência, da antropologia, de estudos empíricos com alunos e de estudos culturais. Cada forma de inteligência, por exemplo, deve poder ser documentada com uma história evolutiva delimitada e com a sua representação em determinadas estruturas neurais. No controlo dos movimentos corporais dominam por exemplo diferentes partes do hemisfério esquerdo, enquanto as faculdades musicais e espaciais recorrem sobretudo ao hemisfério direito ou não-dominante, como já tinha sido referido no capítulo anterior. E a inteligência naturalista só se pôde afirmar como forma própria depois de GARDNER ter recolhido suficientes provas de que partes do lóbulo temporal se dedicam à denominação e reconhecimento de objectos naturais [mais sobre os critérios in ibid.: 20 s]. Como inteligência autónoma GARDNER compreende [ibid.]

“um potencial psico-biológico para a resolução de problemas ou para a criação de produtos que serão valorizados em pelo menos um contexto cultural.”

As seguintes oito formas de inteligência consideradas no catálogo de critérios de GARDNER, foram entretanto reconhecidas nos círculos especializados e são tidas em conta pelos pedagogos de todo o mundo nos currículos escolares (a nona forma é ainda uma inteligência potencial):

1. Inteligência linguística

Remete para a capacidade de dominar a linguagem, de a interpretar e aplicar correctamente. Esta inteligência caracteriza o amor à língua e o esforço para a explorar.

GARDNER também a designa como a inteligência dos poetas, dos escritores e dos linguistas.

2. Inteligência lógico-matemática

Remete para a capacidade de pensar lógica e analiticamente, e de confrontar uns com os outros objectos e abstracções, reconhecendo as suas relações e princípios básicos.

É a inteligência dos matemáticos, cientistas das áreas das ciências naturais e filósofos.

3. Inteligência musical

Remete para a capacidade de entender e produzir tonalidades musicais, compor e interpretar peças. Dela fazem parte uma intuição especial e um ouvido subtil para a entoação, ritmo e timbre.

É a inteligência dos compositores, maestros e músicos.

4. Inteligência espacial

Remete para a capacidade de percepcionar com exactidão o mundo visível, de transformar os resultados perceptivos e de representar plasticamente experiências visuais mesmo na ausência dos estímulos físicos. Artistas plásticos, designers, arquitectos, cartógrafos e navegadores possuem, de um modo geral, estas faculdades.

5. Inteligência corporal-cinestésica

Remete para a capacidade de dominar os movimentos do próprio corpo, de os controlar e coordenar, assim como de resolver problemas e criar novos produtos recorrendo à intervenção do corpo.

É a inteligência dos desportistas, dos bailarinos e dos actores.

6. Inteligência interpessoal

Remete para a capacidade de entender as disposições de outras pessoas e outros estados de espírito e de direccionar o comportamento em conformidade.

Psiquiatras, antropólogos, políticos e líderes religiosos apresentam este tipo de inteligência.

7. Inteligência intrapessoal

Remete para a capacidade de reconhecer e entender os seus próprios sentimentos, tendo-os em atenção na orientação do comportamento.

8. Inteligência naturalista

Remete para a capacidade de reconhecer e classificar objectos naturais, ou seja, reconhecer espécimes no mundo dos seres vivos; Charles Darwin constitui um destacado exemplo deste tipo de inteligência.

9. Inteligência existencial

Remete para a forma de inteligência potencial para a compreensão e reflexão de questões fundamentais sobre a vida, morte e finitude. Trata-se assim de uma capacidade de abordar questões existenciais e de sentido que tocam

profundamente outras pessoas. Esta forma de inteligência está representada por pensadores e líderes religiosos e filosóficos.

[GARDNER 1999a: 53 s, 100, 134 e 1999b: 22 s]

Na sua teoria das inteligências múltiplas, GARDNER avança duas hipóteses

fundamentais: primeiro, que estas oito, ou nove, inteligências são comuns a todas as pessoas e que do ponto de vista cognitivo “se deixam justamente considerar como uma definição do Homo sapiens” [id. ibid.: 21]; em segundo lugar, que cada pessoa

apresenta um perfil de inteligência individual, diferente de outros. O que significa, por outras palavras, que cada pessoa apresenta diferentes valores de inteligência em cada forma diferente de inteligência, os quais somados definem o estado intelectual do indivíduo. Acrescenta-se a isso que com a formação e a experiência sociocultural do indivíduo se desenvolvem as respectivas formas de inteligência, com o que se prova que no seu desenvolvimento as formas de inteligência interagem entre elas: experiências musicais precoces, por exemplo, aperfeiçoam supostamente as capacidades de pensamento espacial (“efeito Mozart”) [id. ibid.].

Neste ponto devemos perguntar-nos de que forma GARDNER explica o aparecimento de prestações criativas, já que dá como exemplo para cada uma das “suas” formas de inteligência os nomes de personalidades criativas, como Jacob e Wilhelm Grimm (inteligência linguística), Albert Einstein (inteligência lógico-matemática), Pablo Picasso (inteligência espacial), Martha Graham (inteligência corporal-cinestésica) ou Mahatma Gandhi (inteligência interpessoal). Apoiando-se na teoria das inteligências múltiplas, GARDNER argumenta em Mentes Creativas que uma pessoa só pode ser criativa numa área em que demonstra inteligência, o que naturalmente pressupõe conhecimentos específicos nesse domínio [1998: 53]. Com a afirmação de que apenas se pode

apresentar prestações verdadeiramente criativas em uma ou num número reduzido de áreas específicas e não em todas, GARDNER opõe-se ao entendimento universal de inteligência e de criatividade, em que se baseiam os testes tradicionais de ambas estas capacidades. Com excepção de génios como Leonardo da Vinci, uma pessoa é muito raramente criativa em mais do que dois ou três domínios.

Tal como GARDNER, também outros psicólogos procuram incluir como factores de inteligência as capacidades emocionais co-responsáveis pela resolução de problemas e de dificuldades. Desta forma, há muito que o conceito de “inteligência emocional” se introduziu na nova investigação da inteligência. Na sua obra Inteligência Emocional (1.ª edição de 1995), Daniel GOLEMAN sublinha a capacidade do homem para lidar com os seus próprios sentimentos e os de outros de forma consciente, sensível e plena de fantasia. Através de numerosos exemplos de casos concretos, GOLEMAN demonstra que entendimento e vida emocional, isto é, o sistema racional e o sistema emocional, se encontram numa permanente e complexa interacção.

2.3 Os Bloqueios Mentais

Uma vez que o cérebro humano tende a simplificar factos complexos, existe nas

pessoas a tendência para encontrar explicações apressadas e para persistir no que já se conhece, em vez de testar e de explorar novas possibilidades. O filósofo francês Henri BERGSON fala de um “véu de preconceitos”, dos quais uns são artificiais e outros são naturais no saudável bom senso humano [1993: 150]. Mas os preconceitos existentes têm de ser afastados para pensar a mudança e para se ver a mudança. Nesse processo, o indivíduo subestima o seu talento para retirar vantagens da surpresa, uma vez que o

Homo sapiens, ao contrário de quase todos os outros seres vivos, possui a capacidade

de tirar partido de todas as circunstâncias.

Na procura de métodos e estratégias que incentivem o pensamento criativo, vários investigadores da criatividade e da cognição dedicaram a sua atenção ao tema dos bloqueios mentais, na tentativa de entender por que motivos e em que situações uma pessoa não é criativa. Os bloqueios mentais não só inibem a produção de novas ideias, como também contribuem para que uma situação problemática não seja correctamente avaliada e não sejam encontradas estratégias adequadas para a sua resolução.

A maioria dos autores que estudaram os bloqueios mentais nos processos criativos distinguem entre bloqueios cognitivos (bloqueios perceptivos e intelectuais) e bloqueios culturais ou condicionados por emoções [cf. KOESTLER 1964; SIKORA 1979;

STERNBERG 2000]. STERNBERG considera a percepção a maior barreira à criatividade, como veremos mais abaixo. No seu livro Conceptual Blockbusting [1979/1986], James ADAMS empreendeu uma das mais abrangentes descrições dos bloqueios mentais, para a qual foi buscar numerosos exemplos à sua experiência docente com estudantes das áreas do design e da engenharia. De uma maneira geral, estes privilegiavam, para a resolução de problemas, o pensamento lógico-analítico, em detrimento do pensamento associativo ou metafórico, por exemplo. ADAMS subdivide os bloqueios mentais da

seguinte maneira: bloqueios perceptivos, emocionais, culturais e ambientais, e intelectuais.

Victor PAPANEK, que na obra Design for the Real World se baseia numa classificação semelhante para representação da resolução criativa de problemas no design, alarga ainda o leque a um bloqueio associativo e a um bloqueio condicionado pela profissão [1984: 158 ss]. Na medida em que este autor considera como bloqueios associativos os modos de comportamento estereotipado que são adquiridos no seio de uma

determinada cultura, trataremos aqui certos aspectos deste tipo de bloqueio no âmbito dos bloqueios perceptivos, e outros no âmbito dos bloqueios intelectuais.

À medida que este capítulo for evoluindo, empreenderemos a seguinte classificação: primeiro apresentaremos os bloqueios que surgem devido a uma percepção limitada; depois analisaremos bloqueios intelectuais, incluindo aqui as influências culturais; finalmente identificaremos os bloqueios condicionados pela profissão exercida,

questionando se o conhecimento especializado poderá estimular ou inibir o pensamento criativo.

Posteriormente, no capítulo 2.4.2, ao abordar o papel das emoções e dos sentimentos no pensamento criativo, analisaremos ainda os bloqueios emocionais. Neste ponto não dedicaremos qualquer atenção aos bloqueios ambientais, debruçando-nos sobre eles apenas no capítulo 3.1.3, quando estiver em foco a identificação de bloqueios

sistémicos.

Na introdução a Conceptual Blockbusting [op. cit.], ADAMS recorre a uma adivinha45 para representar o mecanismo dos chamados “bloqueios cognoscitivos” (bloqueios intelectuais e perceptivos). A adivinha provém de The Act of Creation de KOESTLER [1964] e também PAPANEK a cita como exemplo de um bloqueio intelectual [op. cit.: 169]. O que está aqui em foco é a dificuldade de escolher a estratégia mental adequada para resolver o problema. Através de uma estratégia mental verbal ou matemática, por exemplo, dificilmente se resolveria a adivinha. Mas se visualizarmos a situação e lhe acrescentarmos um segundo monge, rapidamente chegaremos a uma solução muito simples: se um monge sobe a montanha e outro, simultaneamente, a desce, tem de haver um lugar e um momento em que ambos se cruzam. Quer seja através de um gráfico – em que um vector representa o tempo e o outro a altura da montanha – ou

45 “Una mañana, exactamente al amanecer, un monje budista comenzó a escalar una montaña de gran

altura. Un angosto camino, de no más de 60 cm de ancho, serpenteaba por las laderas de la montaña hasta un reluciente templo que se hallaba en la cima. El monje escaló a distintas velocidades y se detuvo varias veces a descansar y a comer fruta seca que llevaba consigo. Llegó al templo poco antes del anochecer. Después de varios días de ayuno y meditación emprendió el camino de regreso, por el mismo trayecto, comenzando el viaje al amanecer, y otra vez caminando a distintas velocidades con varias pausas en el camino. La velocidad promedio de su descenso fue, obviamente, superior a la velocidad promedio de su ascenso. Compruebe que existe un lugar a lo largo del camino donde estará el monje en ambos viajes en el mismo momento del día.” [In ADAMS 1986: 16].

através de um desenho figurativo, a imaginação e a representação visuais são, neste caso, o caminho mais adequado para se chegar rapidamente e de forma clara a uma solução.

2.3.1 Bloqueios perceptivos

O bloqueio cognitivo mais frequente é o bloqueio perceptivo, que pode constituir um obstáculo para a compreensão clara de um problema e da informação necessária para a sua resolução. DE BONO suspeita até que a maior parte dos erros de raciocínio se devem a insuficiências na percepção e não a erros de lógica [1996: 56].

2.3.1.1 A percepção na perspectiva construtivista

Para o neurobiólogo e prémio Nobel (da medicina, em 1972) Gerald M. EDELMAN, a percepção é “a diferenciação entre um objecto e outro, ou entre um evento e outro, com o objectivo da adaptação” [1996: 222]. De acordo com isto, a percepção não é apenas adaptativa, mas também dependente do contexto, ou seja, a forma como o indivíduo percepciona depende de quem é e de onde está. A percepção não está pois

forçosamente em conformidade com a realidade, antes é construtiva.

Nas línguas que derivam do latim, “percepção” não significa apenas tomar algo por “real” e “correcto” através dos sentidos, mas também “perceber” algo46. Quando falamos de bloqueios perceptivos neste capítulo, pretendemos entender o termo “percepção” em sentido lato, de acordo com a abordagem construtivista, e não restringi-lo apenas à percepção sensorial directa47.

O ponto central da teoria da percepção construtivista é a assunção de que o cérebro “pensante” também participa no acto perceptivo, ao estabelecer uma ligação entre as informações percepcionadas através dos órgãos sensoriais e os conhecimentos

adquiridos através de experiências prévias [cf. NEISSER 1974; STERNBERG 2000: 124; ROTH 2000: 232 s; e ver também o capítulo 2.1.3 deste trabalho, sobre a teoria da “linguagem comum neural”]. Segundo este ponto de vista, um ser vivo não só apreende acontecimentos exteriores, antes a sua percepção engloba no acto perceptivo

46 “Percepção” é definida no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora como um “acto ou efeito de perceber” e como “tomada de conhecimento sensorial de objectos ou de acontecimentos exteriores”, por outro lado também como “acção de conhecer, pela consciência, independentemente dos sentidos” e “acção de conhecer, pela inteligência ou entendimento, independentemente dos sentidos” [8.ª Edição 1998: 1251].

47 Segundo a teoria da “percepção directa” de James J. GIBSON, não são necessários processos inteligentes

superiores para percepcionar uma coisa, mas apenas os nossos órgãos dos sentidos e um contexto sensorial. Segundo GIBSON, tão-pouco são necessários para a percepção experiências prévias e conhecimento anteriormente adquirido [cf. STERNBERG 2000: 124 e CORREIA JESUÍNO 2001: 320]. STERNBERG procura sintonizar a teoria da percepção de GIBSON com a teoria da percepção construtivista, completando uma com aspectos da outra. Assim, ele acredita “que usamos uma combinação da informação proveniente dos receptores sensoriais com nosso conhecimento anterior para tornar compreensível o que percebemos” [op. cit.: 125]. Também CORREIA JESUÍNO acredita que as duas teorias se completam mais do que contradizem: “Na maior parte dos casos ambos os tipos de processamento contribuem para determinar a experiência perceptiva” [loc. cit.].

processos cognitivos como, por exemplo, as suas expectativas. Os modelos perceptivos que foram estabelecidos numa determinada sequência temporal, são evocados em cada novo acto perceptivo, reportados à situação presente e simultaneamente actualizados48. A percepção é pois o processo individual de ordenação das sensações recorrendo a

experiências prévias, a interpretações e combinação com dados conhecidos; ou seja, o acto de processamento de estímulos no cérebro. Nele as experiências individuais e variadas co-determinam o que é percepcionado e como é percepcionado.

2.3.1.2 A construção da realidade

As imagens na imaginação de objectos e acontecimentos e os modelos neurais

correspondentes49 estão em estreita relação com a realidade que lhes deu origem, mas não são uma cópia exacta do objecto percepcionado. A ideia de que a imagem de um objecto é transmitida opticamente pela retina ao córtex visual está há muito ultrapassada (e o mesmo se verifica para a percepção através dos outros sentidos). A óptica termina na retina; a partir daí têm lugar conversões materiais até ao córtex cerebral, tal como já foi descrito no capítulo 2.1 deste trabalho. E segundo DAMÁSIO, as relações entre as características materiais do objecto externo e as componentes aprioristas que o cérebro escolhe para construir uma representação não estão ainda suficientemente investigadas [2003: 225].

Todavia, DAMÁSIO descreve a interacção de cérebro e corpo no acto perceptivo na sua obra Ao encontro de Espinosa. A realidade que percepcionamos é constituída por mudanças que surgem no nosso organismo – no corpo e no cérebro – quando a estrutura material de um determinado objecto interage com o corpo. Todos os

detectores sensoriais estão distribuídos pelo corpo e são responsáveis pela construção de modelos neurais que reproduzem a interacção total do organismo com o objecto percepcionado na sua pluridimensionalidade. É do conhecimento geral que a percepção é sempre a selecção de uma parte da realidade, o que significa que a construção do

48

A lógica da percepção é comparada analogicamente por DE BONO a uma “lógica da água”, que constitui um contraste com a “lógica de pedra” tradicional, a lógica do rígido processamento de informação. Ao contrário das pedras, com a suas formas imutáveis, a água adapta-se a um recipiente, ou às circunstâncias. Também o conteúdo da percepção – como ficou acima demonstrado – depende das circunstâncias: das experiências pessoais, do estado emocional, do ponto de vista, da motivação, etc. Exactamente como a percepção, que se constitui por camadas que se fundem umas com as outras numa percepção global, também se obtém água quando se acrescenta água à água, mas acaba-se com duas pedras quando se junta duas pedras. Uma pedra é estática, a água pelo contrário modifica constantemente a sua forma. Na “lógica da água” e na percepção o que está no centro é “o que poderia ser”. Tal como a água sempre tenta alcançar um estado de estabilidade, também a nossa percepção se esforça por encontrar para tudo um significado e por atribuir um sentido a situações desconhecidas.

DE BONO usa este conceito para explicar visualmente que a aplicação de características da “lógica da água” pode facilitar o pensamento criativo. Dever-se-ia estar consciente da forma fluida da percepção para perceber que há várias possibilidades de percepção, cada uma das quais com as suas vantagens [DE BONO 1996: 59 s]. 49

A biologia cognitiva demonstrou que há no cérebro modelos, ou mapas, neurais dinâmicos que se relacionam com um objecto ou com um evento e pode descrever estes modelos, mas ainda não se tornou claro como é que surgem imagens imaginadas a partir dos modelos neurais [cf. DAMÁSIO, 2003: 230].

modelo neural se fundamenta na selecção momentânea de neurónios e circuitos que participam na interacção. DAMÁSIO resume esta ideia da seguinte maneira [ibid.: 225]:

“As imagens que temos na nossa mente, portanto, resultam de interacções entre cada um de nós e os objectos que rodeiam os nossos organismos, interacções essas que são mapeadas em padrões neurais e construídas de acordo com as capacidades do organismo.”

No entanto, o autor chama a atenção para o facto de os seres humanos serem biologicamente tão semelhantes que constroem da mesma coisa modelos neurais semelhantes, razão pela qual, de certa maneira e apesar da percepção ser individual, se pode falar de uma noção real e objectiva50 de uma coisa.

Outros cientistas, como por exemplo BRIGGS e PEAT, descrevem da seguinte maneira o processo perceptivo bloqueador da criatividade: através do seu movimento permanente, os órgãos perceptivos e o cérebro interagem com o curso e as alterações do mundo e “extraem” dele, por meio de um processo de abstracção, características significativas. Estas características representam a ordem que percepcionamos. Uma vez que as possibilidades de interacção com o mundo são tão inacreditavelmente complexas, o cérebro encontrou uma quantidade de estratégias abstraizantes e simplificadoras que se

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