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3. MORFOLOGIA CONSTRUCIONAL: PRINCIPAIS IDEIAS

3.6 A UNIFICAÇÃO DE ESQUEMAS

Na seção 3. 3 foram apresentadas as propriedades gerais dos esquemas. Nesta seção, uma dessas propriedades será focalizada:

2. esquemas podem ser embutidos, um dentro do outro

As propriedades 1, 3 e 4 já foram bastante exploradas neste capítulo, pois, afinal, as construções morfológicas são esquemas com variáveis, possuem diversos graus de abstração e funcionam como fórmulas para criar novas palavras. Dessa forma, a segunda propriedade deve ser discutida com mais vagar. Ela torna-se interessante na medida em que permite formar palavras complexas, muito embora possa haver uma lacuna em um nível intermediário dessa formação. Um caso como esse é ilustrado

abaixo, em (30): é possível formar o adjetivo unbeatable (invencível) sem que seu adjetivo intermediário beatable* exista convencionalmente.

(30) [un-A]A + [V-able]A = [un[V-able]A]A

Isso também ocorre em holandês, por exemplo, com o acréscimo do prefixo on-, expressando negação, como em on-gewoon (“incomum”). Na maior parte dos casos, o adjetivo intermediário é apenas uma palavra possível, não listada no léxico. Logo, existem dois padrões de formação de palavras sendo usados nessa construção, um dentro do outro.

(31)

verbo adjetivo deverbal Adjetivo com on-

bedwing (suprimir) bedwing-baar on-bedwing-baar (insuprimível) bestel (entregar) bestel-baar on-bestel-baar (não entregue) blus (extinguir) blus-baar on-blus-baar (inextinguível) verwoest (destruir) verwoest-baar on-verwoest-baar (indestrutível)

A unificação de esquemas explica, portanto, a possibilidade do uso de dois ou mais padrões de formação de palavras combinados, o que acaba por depor contra um modelo baseado em regras de formação de palavras, já que a ocorrência simultânea de mais de uma regra não é possível, sendo necessário recorrer a dispositivos, como, por exemplo, o salto de etapas, tal como formulado em Sandmann (1994), para um grande número de formações lexicais do português, a exemplo das que se observam em (32), todas constituídas de des- e -izar, mas sem acesso a uma base verbal prévia X-izar:

(32) descupinizar desratizar desinsetizar

O esquema unificado significa que o falante desenvolveu a habilidade de relacionar a base à palavra complexa de tal forma que isso resulta em um processo derivacional duas ou mais vezes além da base. É importante observar que a gramática não é afetada negativamente por esse fenômeno, porque a unificação se dá entre esquemas já existentes nas línguas.

Outra ideia explorada por Booij (2005, 2010) é a de produtividade incorporada.

Esse termo se refere a um caso em que um dado processo de formação de palavras não é produtivo, mas pode tornar-se ao ocorrer unificadamente com outro, isto é, blocos de construção improdutivos podem levar a esquemas unificados produtivos. Um bom exemplo desse tipo de caso pode ser retirado do holandês. Nessa língua, há uma composição NV10 que ocorre unificadamente com uma sufixação. Apesar de os compostos não apresentarem uma produtividade tão relevante separadamente, uma vez feita a sufixação, alcança-se uma boa produtividade. A seguir, são apresentados o esquema da composição com sufixo, resultante da unificação de [NV]V e [Ver]N, e exemplos retirados do holandês.

(33) [[[N][V]]V er]N

10 Booij (2010) explica que esses compostos também podem ser considerados do tipo NN, já que o verbo envolvido no processo é um nome deverbal.

a. aandacht-trekk-er atenção-desenhar-er

pessoa que desenha com atenção b. brand-bluss-er

fogo-extinguir-er extintor de incêndio

Segundo Booij, os esquemas anteriormente aludidos podem apresentar subcasos.

Em outras palavras, os esquemas mais gerais podem instanciar subesquemas, como apresentado a seguir com exemplos de composições em línguas germânicas:

(34) [[a]Xk [b]Yi ]Yj ↔ [SEMi relação de R para SEMk]j | |

[αF] [αF]

[[a]Xk [b]Ni]Nj ↔ [SEMi com relação de R para SEMk]j

Em (34), observa-se, primeiramente, o esquema mais geral, no qual o composto como um todo compartilha as propriedades do constituinte à direita, o que é expresso por meio de [αF]. Logo abaixo, o esquema mais específico expressa a informação a respeito da categoria gramatical da cabeça à direita, um nome. Dessa forma, o composto como um todo também pertencerá a essa categoria.

Booij (2010) também faz importantes observações acerca de casos de polissemia. Ele afirma que a polissemia na formação de palavras pode proporcionar evidências para diferentes níveis de generalização e graus de abstração em uma hierarquia lexical. Ele recorda que existem tratamentos distintos para a questão da polissemia na formação de palavras. O mais radical divide forma e significado em módulos diferentes da gramática, numa morfologia extremamente separatista. No entanto, na opinião do autor, é necessária uma abordagem polissêmica regular na qual um significado prototípico seja o ponto de partida para derivar outros significados por meio de mecanismos de extensão semântica, como a metáfora e a metonímia.

O papel de agente, por exemplo, é normalmente usado para seres humanos;

entretanto, agentes não-humanos e não-animados podem figurar como sujeitos, tal qual o caso de “a impressora que imprime algo”. Nesse caso, a interpretação metafórica da noção de agente modifica o significado e se desenvolve um subesquema instrumental e assim ocorre a polissemia. Logo, é possível haver a extensão significativa de uma palavra por meio de mecanismos conceptuais como a metáfora e a metonímia.

Entretanto, alguns nomes instrumentos não podem ser interpretados como agentes:

(35)

klopp-er ‘batedor’

krabb-er ‘raspador’

veg-er ‘vassoura’

Não é possível dizer em holandês que um veger (“vassoura”) varre o chão;

apenas que alguém varre o chão com um veger. Isso também ocorre em português, em casos formados com o sufixo –dor, tais quais grampeador e apagador. Ora, em português, soam estranhas sentenças como “o grampeador grampeia a folha” e “o apagador apagou o quadro”, muito embora existam casos como “esse apagador apaga bem”, em que um nome-instrumento exerce a função de agente na sentença, dada a presença de um advérbio como ‘bem’.

Dessa forma, observa-se que o uso sincrônico da palavra como instrumento não está necessariamente relacionado à sua interpretação agentiva. Isso revela que a polissemia não é uma propriedade da palavra individual, mas do esquema construcional para nomes deverbais em –er em holandês e em –dor em português, isto é, existe um subesquema para nomes instrumentais deverbais. O acréscimo desse subesquema pode ser interpretado como um caso de extensão metonímica, ou seja, a palavra em –er é usada por um dos participantes do evento descrito pela base verbal. A existência de um número de subesquemas semânticos para um processo de formação de palavras pode ser também observado como um tipo de fragmentação semântica.

Logo, os nomes deverbais em –er (ou –dor) podem possuir diferentes interpretações no léxico (agente, instrumento, objeto etc.), que serão representadas por subesquemas em uma hierarquia lexical. O esquema geral sanciona algumas opções e esses subesquemas expressam quais delas serão usadas produtivamente e possibilitam a formação de novas palavras, nesse caso, nomes deverbais em –er, de acordo com Booij (2010: 26).

(36)

Além disso, esses nomes podem estar ligados individualmente a mais de um subesquema, pois a polissemia existe também no nível da palavra individual. A palavra in-ruil-er do holandês, por exemplo, pode aparecer tanto no papel de agente quanto no de objeto. Ora, os mecanismos de extensão semântico-conceptuais são a força propulsora por trás desse padrão de polissemia que emerge na hierarquia lexical. Uma hierarquia organizada em esquemas e subesquemas funciona como uma descrição sincrônica para padrões e possibilidade de formação de novas palavras de diferentes subtipos, o que revelar a maneira como os mecanismos de extensão conceptual são convencionalizados em uma língua particular.

No próximo capítulo, temos por objetivo aplicar as ideias da morfologia construcional de Booij (2002, 2005, 2010) à reduplicação de bases verbais a serviço da nominalização, como, por exemplo, ‘chupa-chupa’ (“doce”) e ‘pega-pega’ (“brincadeira infantil”). Procuramos representar o processo por meio de esquemas e subesquemas e

abordamos o polo semântico dessas construções com base na Linguística Cognitiva, base teórica em que se inscreve a gramática das construções. Utilizamos, sobretudo, Langacker (1987), que propõe terem nomes e verbos diferentes tipos de escaneamento cognitivo. Antes, porém, cabe uma seção sobre um dispositivo, citado por Booij (2010), de ampla relevância no estudo aqui desenvolvido: a heterossemia.

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