• Nenhum resultado encontrado

2.2 Aplicação das abordagens dominantes nas ciências sociais a estudos sobre controle

2.2.2 A abordagem jurídica

O entendimento do Direito sobre o controle interno da administração pública encontra- se estabelecido pelo Direito Administrativo, ramo do Direito Público. O regime jurídico administrativo estabelece princípios e normas que estruturam o funcionamento do Estado brasileiro, e institui o controle sobre a administração pública a fim de que esta possa cumprir sua finalidade, sem desvirtuar o exercício do poder estatal. Para compreender a contribuição e os limites dessa abordagem, busca-se descrever a noção do Estado defendida pelo Direito, os conceitos utilizados para a área de controle e os limites dessa abordagem para a compreensão das práticas dos agentes sociais.

Bandeira de Mello (2003, p.42) afirma que ninguém ignora que a noção de Estado advém de “[...] gigantesco projeto político, juridicizado, de contenção do Poder e de

proclamação da igualdade de todos os homens”, com base ideológica em Montesquieu e em

Rousseau.

De Rousseau, se origina a ideia de que os titulares do poder no Estado são as pessoas que integram as sociedades, sendo os governantes tão somente seus representantes. Essa representação da política advém da impossibilidade de as pessoas fisicamente exercerem o poder. Daí a máxima de que o poder emana do povo e o consenso de que a instituição do Estado17 é solução para viabilizar a vida em sociedade.

Nas democracias modernas, os representantes são eleitos por processos democráticos e governam com auxílio de burocratas profissionais. A noção de representação lembra que o

17 O surgimento e a evolução do Estado moderno são interpretados por diversas teorias. Bobbio (2000) classifica

essas teorias em termos ontológicos, em idealistas ou realistas, e em termos axiológico, em positivas, negativas e neutras. A visão positiva e idealista do Estado pode ser encontrada em três perspectivas: 1. a da noção do bem viver ligada ao exercício da política em Aristóteles; 2. a da viabilização da vida em sociedade de seres que são maus por natureza, conforme interpretação de Hobbes; 3. a do contrato social, para possibilitar à humanidade manter as condições de funcionamento, mesmo tendo sido corrompida pela noção da propriedade privada, como em Rousseau. A visão negativa interpreta o Estado como estratégia de dominação da sociedade burguesa, baseada nas ideias de Marx. A visão neutra entende o Estado como modo de dominação social legítimo, por meio de estruturas racionais-legais, de conceitos jurídicos universais, pretensamente desvinculados de quaisquer aspectos temporais, espaciais, independentemente dos objetivos a que se destina, tal como fazem Hans Kelsen ou Max Weber.

poder legítimo dos governantes para tomada de decisões decorre da delegação dos titulares do poder e que o exercício desse poder encontra-se delimitado pelas normas instituídas pelo Estado. Trata-se de poder-dever, onde o poder se encontra condicionado ao dever definido pela lei. O representante governa, mas o faz a partir de regras instituídas pelo Estado. Dessa forma, as práticas dos governantes devem ser controladas pelos governados, como forma de pressão para alinhamento às regras democraticamente definidas.

Constituída a representação de que os titulares do poder são os cidadãos, de acordo com Rousseau, a outra referência fundamental para o projeto do Estado moderno, segundo Bandeira de Mello (2003), se encontra em Montesquieu. Deste clássico, origina-se a máxima de que todo detentor de poder tende sempre a abusar do mesmo e que a única possibilidade de limitar essa possibilidade é pela divisão do poder e pela concorrência entre as partes. Dessa ideia fundadora, se origina a divisão do Poder do Estado em Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário e a noção de controle sobre os governantes.

Essas duas referências são a base para a definição de dois tipos de controle no âmbito do Estado. O primeiro tipo, o controle dos governados sobre os operadores do Estado (políticos e burocratas) é exercido mediante processos eleitorais ou mecanismos de controle direto, como denúncia, imprensa livre, participação direta em conselhos governamentais ou acionando diretamente o Estado como cidadão individualmente ou em associações. Essa forma de controle instituída pela organização do Estado de Direito Democrático foi denominada controle vertical ou accountability vertical sobre o Estado (O’DONNELL, 1998).

O segundo tipo advém da instituição de limites pelo próprio Estado do poder de seus agentes, no que a literatura denomina freios e contrapesos. Trata-se da atribuição de funções complementares entre órgãos, embora de forma restrita, fazendo com que todos se controlem e, dessa forma, equilibrem o exercício do Poder concentrado no Estado. Nesse conceito, incluem-se as agências de Estado constituídas para realizar ações de controle em seus pares, com prerrogativas que vão da supervisão de rotina a sanções legais ou impedimentos contra ações que possam ser qualificadas como impróprias ou irregulares. Esse controle foi referido na literatura como controle horizontal ou accountability horizontal (O’DONNELL, 1998).

Di Pietro (2004) chama a atenção para o fato de que, embora todos os poderes se controlem mutuamente, a administração pública (Poder Executivo) é por excelência objeto de controle do âmbito do próprio Estado. Isso porque é nessa esfera que ocorre a materialização da ação estatal ativa, com a execução de políticas públicas, em que se concentra praticamente todo o gasto orçamentário do País.

A autora classifica os controles do Estado sobre a administração pública com base em quatro critérios: 1. por órgão – administrativo, legislativo ou judicial; 2. por momento de ocorrência: prévio, concomitante ou posterior; 3. por estrutura: interno ou externo; 4. aspecto controlado: legalidade ou mérito.

A jurista entende que o controle administrativo pode envolver aspectos de legalidade e de mérito e pode ser de iniciativa da própria administração ou de terceiros. O controle legislativo sobre os demais poderes pode ser político ou financeiro, quando é relativo à oportunidade e à conveniência do interesse público ou quando abrange o controle dos aspectos de legalidade, legitimidade, economicidade e resultados da utilização de recursos públicos. O controle judicial, exercido pelo Poder Judiciário sobre todos os poderes, cuida da lesão ou ameaça de lesão aos direitos individuais e coletivos.

Assim, o conceito de controle interno para essa jurista pode ser entendido como todo controle exercido por um Poder sobre si mesmo, podendo se dar na modalidade de controle administrativo, o que significa que deve estar restrito aos aspectos da legalidade e de mérito e na modalidade de controle financeiro.

Bandeira de Mello (2003, p.803) se baseia na Constituição e no Decreto-Lei n. 200 1967 para afirmar que, assumida a terminologia de controle interno como controle exercido pela própria administração ou por órgãos do próprio Poder Executivo, no Brasil haveria um

“[...] duplo controle interno [...]”, referindo-se ao controle que é realizado pelo próprio órgão

e ao que é realizado pelo de forma centralizada pela SFC, que ele denominou, de forma

paradoxal de “[...] controle interno exterior”.

Mais recentemente, Neto (2011) propôs a classificação do controle que o Estado exerce sobre a administração pública brasileira, a partir de dois atributos, o da dimensão controlada e o da natureza do controle. Em relação à dimensão controlada, entendeu que o controle pode ser dividido em três tipos: 1. do poder, voltado para proteger os indivíduos do risco do arbítrio do Estado; 2. dos meios, voltado para a busca de racionalidade administrativa; 3. dos objetivos, voltado para a estabilidade e a permanência das políticas públicas, e para a consecução dos fins das sociedades, responsabilidade do Estado.

Quanto à natureza do controle, o autor diferenciou dois tipos: 1. controle funcional e 2. controle estrutural. Para o controle funcional propôs quatro modalidades: a) quanto ao objeto de controle, incluiu controle do patrimônio público, controle da aplicação dos recursos públicos, controle das finalidades administrativas e controle da legalidade; b) quanto ao método, dividiu em controles formais, que se destinam à verificação dos procedimentos e

requisitos previstos em lei, e materiais, que se voltam para a aferição de resultados; c) quanto ao momento, em ex-ante, concomitante e ex-post. Os dois primeiros se destinam a evitar a ocorrência de ato ilegal e o último visa rever os atos, corrigindo, se necessário, ou confirmando-o; d) quanto ao vetor, pode ser hierárquico, quando é decorrente da lógica hierárquica; institucional, quando é exercido pela tutela de um ente sobre o outro; e contratual: quando a relação advém de um contrato.

Para o controle estrutural, propôs a classificação em: a) interno, que pode se apresentar como controle hierárquico, derivado da estrutura jurídica/organizacional, ou tutelar, quando exercido em nome de vínculo de supervisão e/ou fiscalização; e b) controle externo, que pode ser dividido em legislativo e judicial.

Neto (2011) sistematiza de forma exaustiva os tipos de controle exercidos sobre a administração pública e sugere a diferenciação do controle interno em controle hierárquico, derivado da estrutura burocrática, e tutelar, derivado da responsabilidade de supervisão e de fiscalização, o que ainda não é absorvido na literatura da área específica. Essa proposta acolhe a percepção de Bandeira de Mello (2003) da existência de um duplo controle interno e tenta constituir uma distinção de forma a delimitar cada um deles.

Verifica-se com essa descrição que a abordagem dominante do Direito sobre controle interno é instrumental, em que a questão é identificar o processo, a finalidade e a regulamentação sobre a forma de ele produzir o efeito desejado, pela lógica organizacional e funcional do Estado.