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4. Procedimentos Teóricos, Analíticos e Metodológicos

4.2 Abordagem teórico-metodológica

Durante um significativo período histórico de construção da ciência moderna, a Geografia estruturou seu discurso e, consequentemente, sua representação de mundo (MOREIRA, 2007) baseada na oposição dos polos da relação Sociedade x Natureza.

Essa estruturação de pensamento, sobretudo com o advento do positivismo e o abandono tendente da síntese no pensamento científico, acabou por dicotomizar essa relação por meio do isolamento dos atributos Humanos, de um lado e, Naturais, do outro (SUERTEGARAY, 2003).

A discussão da Natureza e da Sociedade demonstra, de forma crítica, que os homens - como seres sociais, conjugados sob os modos de produção por valores culturais, filosóficos e políticos - produziram e produzem diferentes relações com os seres vivos, com o mundo inorgânico e com os próprios homens entre si. Desse modo, criaram, consequentemente, diferentes conceitos de Sociedade e de Natureza (PORTO- GONÇALVES, 2006).

Nessa perspectiva, o conceito de natureza não é natural, pois:

[...] toda sociedade, toda cultura cria, inventa, institui uma determinada idéia do que seja a natureza. Nesse sentido, o conceito de natureza não é natural, sendo na verdade criado e instituído pelos homens. Constitui um dos pilares através do qual os homens erguem as suas relações sociais, sua produção material e espiritual, enfim, a sua cultura (PORTO-GONÇALVES, 2006, p. 23).

O autor discute a ideia de natureza objetiva e exterior ao homem, o que pressupõe uma ideia de homem não natural e fora da natureza. Cristaliza-se com a civilização industrial, inaugurada pelo capitalismo, onde as Ciências da Natureza se separam das Ciências Humanas e criam um abismo colossal entre as mesmas (PORTO- GONÇALVES, 2006, p. 35).

Neste sentido, um esforço significativo tem sido realizado por parte dos geógrafos brasileiros de realizar uma estruturação não dicotômica do entendimento e da interpretação da relação Homem x Natureza, Sociedade x Natureza, ou Cultura- Natureza.

Pode-se inferir que uma dessas formas de estruturação se dá “[...] numa relação de troca metabólica, em que o homem e natureza intercambiam matéria e energia, numa geografia que não se separara em física ou humana” (MOREIRA, 2007, p. 115).

No caso específico do fenômeno climático, no contexto da climatologia geográfica, as contribuições de Max Sorre (1951 apud MONTEIRO, 1976) e Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro (1969; 1976; 1991) são historicamente destacadas no âmbito da elaboração de um arcabouço teórico-metodológico eminentemente geográfico, que fusionam a Sociedade e a Natureza.

Ambos os autores tiveram ampla adesão de seus trabalhos na comunidade científica em geral e geográfica, em específico, suficiente para balizar parte significativa dos estudos que são realizados atualmente na climatologia geográfica.

Cabe ressaltar, que devido ao enfoque da relação Sociedade x Natureza, existe um discurso e uma preocupação antropocêntrica praticamente inerente à Ciência Geográfica. Na Climatologia Geográfica, essa preocupação se relaciona tanto com a matriz epistemológica da Geografia, quanto à constante relação dos fenômenos de natureza atmosférica (tempo e clima) e suas repercussões em fenômenos/episódios concretos na estruturação e produção do território (SANT’ANNA NETO, 2008).

Por essa particularidade, tanto a Climatologia Geográfica, quanto a Climatologia Meteorológica produzem conceitos de clima que demonstram de forma geral atributos teóricos e metodológicos que qualificam e conduzem aos interesses em cada ciência como representação(ões) de mundo(s) e, até certo ponto distintas.

Nesse sentido, é possível observar que os conceitos e termos produzidos no interior desses dois campos tornam-se, por vezes, ora complementares, ora com perspectivas pragmáticas, ora com apresentação de viés quantitativo e/ou qualiquantitativo (HANN, 1882 apud MONTEIRO, 1976; OMM, 1959, apud CONTI, 2000; SORRE, 1951 apud MONTEIRO, 1976; CURRY, 1963, apud MONTEIRO, 1991; MONTEIRO, 1969; AYOADE, 1986; MANTUA, 1999; PEREIRA et al., 2002 ; IPCC, 2007).

As diferentes conceituações expressam, por um lado, a relação entre os principais paradigmas históricos da Ciência e da Climatologia, algumas características epistemológicas da Ciência Geográfica e Meteorológica, além do desenvolvimento e do entendimento histórico e teórico do clima e suas repercussões.

Por outro lado, os diferentes conceitos permitem, também, a definição de atributos de extrema significância para a análise do clima. No que tange a perspectiva geográfica, as escalas espaciais (global, regional e local) e temporais (mudança, variabilidade e ritmo), inerentes aos conceitos, direcionam a caminhos metodológicos necessários para escolha de técnicas e procedimentos para um estudo qualificado do clima (SANT’ANNA NETO, 2008; 2011).

Além disso, apreende-se que o clima, ou fenômeno, ou sistema climático, seus processos e suas repercussões não existem por si só, numa perspectiva natural e causal. Subsidiado pela discussão de Porto-Gonçalves (2006) sobre a Natureza e, de Sant’Anna

Neto (2008) na Geografia do clima, o fenômeno climático é produto social e só existe devido à existência do Homem.

Infere-se, através dessa compreensão, que é possível compreender a geograficidade do clima, considerado nos termos de Moreira (2007), o ser e estar do homem no mundo para os efeitos, repercussões e impactos, ao fenômeno climático em sua variabilidad e a produção de espaço geográfico.

A contribuição teórica da Geografia do Clima auxilia nessa dimensão. Uma vez que se admite, que o clima deve ser analisado a partir de um viés crítico dos modos de produção e do cotidiano da sociedade (SANT’ANNA NETO, 2008), além de se utilizar das leis gerais que representam a atmosfera em sua natureza física e dinâmica em repercussões espaciais. Tal abordagem está presente na Climatologia Sinótica, Dinâmica, Meteorológica e Geográfica. A Geografia do Clima busca também a geograficidade do fenômeno como produto e condicionante social.

Nas palavras do autor, a

[...] proposta de revisão conceitual do clima como fenômeno geográfico substanciado pelas aplicações de seu conhecimento no entendimento do território, não apenas como elemento natural, determinado pelas leis físicas, mas, também, pelo significado de sua repercussão nas relações entre a sociedade e a natureza mediadas pela ação dos agentes sociais, que produzem espaços concretos nos mais variados níveis de segregação e vulnerabilidade (SANT’ANNA NETO, 2008, p. 62).

A representação dessa análise, então, dá-se na manifestação do clima na dimensão dos seus episódios concretos. Nessa abordagem, os eventos extremos ou excepcionais assumem destacada importância, uma vez que são esses eventos que em realidade, repercutem no espaço geográfico, provocando desarranjos em seu interior (SANT’ANNA NETO, 2008, p. 77).

Esses pontos remetem ao caráter teórico, metodológico e interpretativo do entendimento do clima. Eles irão contribuir para a leitura dos resultados e outros conceitos presentes no estudo proposto.