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PARTE I — ASPECTOS POLÍTICO-SOCIAIS DA INFORMAÇÃO 1 O uso social da informação

4. Transparência e direito à informação 1 Campos de segredismo na burocracia

4.3. Direito à informação

4.4.2 Accountability horizontal e accountability vertical

O’DONNEL (2000) apresenta uma distinção entre accountability horizontal e

accountability vertical, que são apontados como os principais canais tradicionais de accountability. Esta é a definição da horizontal, apresentada por O’Donnel, e sobre a qual

concentra seu estudo:

“existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a supervisão de uma rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou emissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas” (p.40). SCHEDLER (1999) apresenta essa dimensão da accountability como sendo uma “relação entre iguais”, pois há, nesse caso, a necessidade de certa equivalência de poder entre as agências envolvidas além de certo grau de independência para que possam exercer seu poder de controle e executar ações de controle e sanções necessárias.

Schedler também destaca o caráter de interdependência das agências de accountability, presente na definição de O’DONNEL (1998), também defendida por GRAU (2000). Para O’Donnel, a accountability horizontal, para ser efetiva, depende de uma rede de agências que reforcem e garantam resultados concretos, com punição das ações ilícitas:

“A accountability horizontal efetiva não é o produto de agências isoladas mas de redes de agências que têm em seu cume, porque é ali que o sistema constitucional ‘se fecha’ mediante decisões últimas, tribunais (incluindo os mais elevados) comprometidos com essa accountability.” (p. 43)

Accountability vertical diz respeito aos mecanismos institucionais disponíveis à sociedade para que ela exerça o controle, considerando, principalmente, a dimensão de monitoramento de certas ações de governo. Mas é monitoramento indireto, uma vez que não acionam, diretamente, agentes oficiais de accountability. Esta é a definição apresentada por O’DONNEL (2000):

“Eleições, reivindicações sociais que possam ser normalmente proferidas, sem que se corra o risco de coerção, e cobertura regular da mídia ao menos das mais visíveis dessas reivindicações e de atos supostamente ilícitos ou de autoridades públicas são dimensões do que eu chamo de accountability vertical” (p. 28).

a. Accountability eleitoral

Nas democracias representativas, o processo eleitoral é apontado como a mais importante das variantes da dimensão vertical de accountability. Em tese, os governantes seriam submetidos ao julgamento dos cidadãos, e aqueles que não correspondessem às expectativas da população seriam punidos não sendo reeleitos. No entanto, sua eficácia como instrumento de controle efetivo é questionada por alguns autores. O’DONNEL (1998) lembra que na formação das poliarquias da América Latina, por exemplo, tradicionalmente se relaciona o conceito de eleições como traço identificador do princípio democrático. Mas, de acordo com o autor, a identificação desse aspecto, por si só, não garante o exercício pleno da democracia. Como exemplo, cita o ex-presidente do Peru Alberto Fujimori, que se submeteu ao processo eleitoral mas desrespeitou o legislativo durante seus mandatos.

Outra restrição à accountability eleitoral é que não há garantia de que haja relação direta entre desempenho administrativo e resultado da eleição. CHEIBUB, PRZEWORSKI (1997) demonstraram que não há como comprovar que os governantes com mau desempenho administrativo tenham mais chances de serem removidos de seus cargos. Na pesquisa que desenvolveram também não foi possível encontrar nenhuma prova de que os eleitores usam o voto no sentido prospectivo ou de avaliação de sua vida política.

Para O’DONNEL (1998), a dimensão eleitoral de accountability não existe nos países latinoamericanos que oferecem uma accountability horizontal fraca, ou seja, naqueles países onde o executivo, eleito pela população, não se submete a um mecanismo de controle eficiente simplesmente porque eles não existem. Além disso, o autor questiona a eleição como estratégia de controle, pois só ocorrem de tempos em tempos e não está claro até que ponto são efetivas como mecanismos de accountability vertical, pois não há como identificar uma estratégia coletiva e organizada.

SMULOVITZ, PERUZZOTTI (2000) também colocam em xeque a accountability eleitoral, apresentando argumentos desenvolvidos por Przeworski, Stokes e Manim (1999)26: “Basicamente, eles argumentam que eleições são ineficientes como mecanismo de

accountability porque nunca poderemos saber se estão fazendo controle prospectivo ou

retrospectivo” (p. 5). Para Smulovitz e Peruzzotti, um dos fatores que impedem a eficiência da accountability eleitoral — e também explica, ainda que em parte, a debilidade da

accountability horizontal descrita por O’DONNEL (1998) — está diretamente ligado ao

discricionalismo presidencial. Outra explicação seria a falta de estratégia de controle. As eleições não se organizam coletivamente, não fazem parte de uma estratégia elaborada em conjunto pelos cidadãos para exercerem o controle sobre os governantes e pelo descompromisso dos políticos provocado pelo discricionalismo, as pessoas votariam não mais em projetos e passariam a considerar apenas os candidatos isoladamente.

“Portanto, os candidatos sabem que os eleitores não têm instrumentos adequados para controlar cada uma de suas decisões. Sem dúvida, eles sabem que a maioria de suas decisões não será controlada. Outra restrição é relacionada ao fato de que o

26 PREZEWORSKI, Adam, STOKES, Susan, MANIN, Bernard (eds.). Democracy, accountability and representation. New York : Cambridge University Press, 1999.

voto é uma estratégia descentralizada de ação (Prezeworski, 1999). Os candidatos sabem que alguns cidadãos podem decidir usar seu voto para puni-lo por ações passadas e outros podem usa-lo para aprovar políticas prometidas. Desde que cidadãos não coordenam a orientação de seus votos, o poder do voto como um mecanismo de controle se perde.” (p. 5-6).

É importante observar o aspecto do discricionalismo apontado por Smulovitz e Peruzzotti, que pode estar na origem da ausência de canais de accountability horizontal nos países da América Latina. A idéia de aceitar a accountability vertical como o canal por excelência de participação da população nas estratégias de controle segue a concepção elitista de democracia (SCHUMPETER, 1961), segundo a qual a participação dos cidadãos num regime democrático se restringe à escolha dos seus representantes, a quem delegariam o poder de decisão. Embora essa teoria retrate com fidelidade a realidade da maioria da América Latina, onde prevalece essa visão — o discricionalismo descrito por Smulovitz e Peruzzotti mostra isso — esconde a tendência de alterar esse quadro ampliando a participação popular ou de crescimento da demanda pelo aumento da participação popular em instâncias de decisão.