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Achados: pacientes com lesão cerebral

A teoria de Milner e Goodale pode ser analisada por meio do estudo de pacientes com lesão cerebral. Pacientes com lesão na via dorsal devem ter a visão para a percepção ra- zoavelmente intacta, mas a visão para a ação gravemente prejudicada. O padrão oposto, de visão para a ação intacta, mas a visão para a percepção prejudicada, deve ser encon- trado em pacientes com lesão na via ventral. Assim, deve haver uma dupla dissociação (ver Glossário).

De relevância para a teoria é o fato de que pacientes com ataxia óptica têm lesão no córtex parietal posterior (ver Fig. 2.9). Pacientes com ataxia óptica têm dificuldade para realizar movimentos precisos que sejam visualmente guiados, embora sua visão e habilidade de mover os braços esteja intacta na essência. Perenin e Vighetto (1988) identificaram que pacientes com ataxia óptica apresentavam grande dificuldade em girar a mão apropriadamente quando tinham de alcançar um objeto e enfiar a mão em uma abertura grande à sua frente. Esses achados coincidem com a teoria, porque uma lesão na corrente dorsal deve prejudicar a ação guiada visualmente.

Nem todos os pacientes com ataxia óptica se encaixam no quadro simples descrito no parágrafo anterior. Em primeiro lugar, regiões um pouco diferentes do córtex parietal pos- terior estão associadas aos movimentos de alcance e preensão (Vesia & Crawford, 2012) e alguns pacientes têm mais problemas com um tipo de movimento do que com outro.

Em segundo, alguns pacientes com ataxia óptica não têm problemas graves com todos os aspectos das ações visualmente guiadas. Por exemplo, Jakobson e colaborado- res (1991) estudaram uma paciente, VK, que tinha dificuldade para pegar objetos apesar de seu planejamento inicial da ação estar essencialmente intacto.

Em terceiro, Pisella e colaboradores (2009) defenderam que a noção de que pa- cientes com ataxia óptica têm percepção visual intacta, mas ações visualmente guia- das prejudicadas é muito simplificada. Quando os pacientes tiveram acesso ao feedback

TERMO-CHAVE Ataxia óptica

Condição na qual existem problemas com a realização de movimentos guiados visualmente, apesar da percepção visual razoavelmente intacta.

Anterior Anterior Anterior

>40% de sobreposição da lesão >60% de sobreposição da lesão SPL IPL IPL SOG Posterior Posterior Posterior Posterior Pc Pc

Anterior Anterior Posterior

Figura 2.9

Sobreposição de lesões (roxo: > 40% de sobreposição; rosa: > 60% de sobreposição) em pacientes com ataxia óptica. SPL: lóbulo parietal superior; IPL: lóbulo parietal inferior; SOG: giro occipital superior; Pc: pré-cúneo.

50 PARTE I Percepção visual e atenção

visual da própria mão, somente exibiram problemas com ação visualmente guiada na visão periférica. Houve muito menos evidência de ação visualmente guiada prejudicada na visão central, o que é compatível com as evidências que indicam que muitos atáxicos ópticos podem dirigir com eficiência.

E quanto aos pacientes com lesão somente na corrente ventral? De relevância, nes- se caso, são alguns pacientes com agnosia da forma visual, uma condição que envolve problemas graves com o reconhecimento de objetos, embora a informação visual atinja o córtex visual (ver Cap. 3). Provavelmente, a pessoa com agnosia da forma visual mais estudada é a paciente DF. James e colaboradores (2003) identificaram que sua lesão cerebral se localizava na via ou corrente ventral (ver Fig. 2.10). DF não apresentava ati- vação maior na corrente ventral quando eram apresentados desenhos de objetos do que quando eram apresentados desenhos compostos de linhas embaralhadas. No entanto, ela mostrava altos níveis de ativação na corrente dorsal quando pegava objetos.

Apesar de ter atividade visual razoável, DF não conseguia identificar desenhos de objetos comuns. No entanto, ela “conseguia alcançar e pegar com precisão um lápis orientado em diferentes ângulos” (Milner et al., p. 424).

Em outro estudo (Goodale & Milner, 1992), DF segurou um cartão em sua mão e olhou para um bloco circular no qual foi cortada uma fenda. Ela não conseguiu posi- cionar o cartão de modo que ele pudesse se encaixar na fenda, o que sugere habilidades perceptuais deficientes. No entanto, DF teve bom desempenho quando movimentou a mão para frente e inseriu o cartão na fenda.

Dijkerman e colaboradores (1998) avaliaram o desempenho de DF em várias tarefas quando foram apresentados vários objetos de cores diferentes. Houve dois achados princi- pais. Primeiro, ela não conseguiu distinguir com precisão entre os objetos coloridos, suge- rindo problemas com o reconhecimento de objetos por causa da lesão na corrente ventral. TERMO-CHAVE

Agnosia da forma visual

Condição na qual existem problemas graves na percepção da forma (o que o objeto é), mas habilidade razoável para produzir ações guiadas visualmente com precisão.

(a) Lesões no sujeito DF

(b) Localização do LOC (completo occipital lateral) em indivíduos neurologicamente intactos

p < 10–15

p < 10–20

Figura 2.10

(a) Lesão no complexo occipital lateral de DF dentro da corrente ventral, apresentada em azul; (b) localização do complexo occipital lateral em indivíduos normais.

CAPÍTULO 2 Processos básicos na percepção visual 51

Segundo, DF alcançou e tocou os objetos com tanta precisão quanto indiví- duos saudáveis usando informações sobre suas posições em relação ao próprio cor- po. Isso sugere que sua habilidade para usar informações visuais para guiar a ação usando a corrente dorsal estava em grande parte intacta.

Goodale e colaboradores (1994) deram duas tarefas a DF. Uma envolvia distinguir entre duas formas com con- tornos irregulares, e a outra envolvia se- gurar essas formas firmemente entre os dedos polegar e indicador. DF teve um desempenho muito fraco na primeira ta- refa que envolvia percepção visual. No entanto, Goodale e colaboradores con- cluíram que ela “não tinha dificuldade para colocar seus dedos nos pontos de oposição apropriados durante a preen- são” (p. 604).

Himmelbach e colaboradores (2012) argumentaram que essa conclusão é injustificada. Os autores reanalisaram o desempenho de DF com base nos dados

de Goodale e colaboradores (1994) e o compararam com o de 20 controles sadios (ver Fig. 2.11). O desempenho de DF na tarefa de agarrar foi substancialmente inferior ao dos controles. Achados similares foram obtidos quando o desempenho de DF em outras tarefas de agarrar e alcançar foi comparado ao de controles. Assim, DF teve mais dificul- dades na ação visualmente guiada do que se acreditava.

Em suma, há diferenças fascinantes (e teoricamente importantes) na percepção visual e na ação visualmente guiada entre pacientes com a forma visual de agnosia e aqueles com ataxia óptica. Contudo, o quadro não é assim tão simples. Ambos os tipos de paciente têm problemas com a percepção visual e com a ação visualmente guiada. Isso complica a tarefa de dar um sentido coerente aos achados.