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Capítulo II – O ENSINO DA LEITURA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E

3.3 Acionamento do conhecimento linguístico

Partindo do princípio de que a compreensão é uma atividade cognitiva que envolve uma rede de conhecimentos e exige controle, na medida em que seleciona, reordena e reconstrói o sentido do texto, o trabalho com aspectos relacionados com a superfície textual amplia a compreensão leitora dos educandos. Nesse sentido, o educador pode desenvolver estratégias que levem o educando a perceber elementos linguísticos que organizam a informação textual, com o objetivo de fazê-lo selecionar, reordenar e reconstruir o sentido do texto.

3.3.1 Elementos coesivos

Uma das estratégias importantes relacionadas ao trabalho com elementos linguísticos para a compreensão diz respeito à coesão.

Para a compreensão do texto A menina que falava internetês, podemos destacar diversos aspectos relacionados com a coesão textual, tais como: a linguagem, a seleção lexical, os operadores textuais e a forma como é feita a remissão, como apresentamos na intervenção a seguir:

Bem, agora vamos observar a maneira como o autor organizou as informações do texto e o que isso representa para a construção do sentido. O que os diferentes níveis de linguagem presentes nos diálogos representam no texto? O que sugere a seleção lexical dos personagens quanto ao tipo de indivíduo representado? As palavras em itálico fazem referência a quais situações que conhecemos? Os emoticons, as abreviações presentes nos diálogos dos personagens nos remetem a qual situação? Que sentido a autora atribui à expressão não perder o bonde da história?

Com esses questionamentos, o educador orienta os educandos a estabelecerem relações de sentido entre as sequências, ou seja, a perceberem que essas recorrências, das mais diversas ordens, têm o propósito de fazer o texto progredir. Ao perceber o efeito de sentido dos elementos linguísticos, o leitor articula informação dada e informação nova e, desse modo, constrói unidades de sentido, que convergem para a coerência global do texto.

Ressaltamos, porém, que os questionamentos sugeridos, assim como outros relativos às remissões e às sequenciações textuais não são garantia de compreensão textual adequada, uma vez que fatores discursivos armazenados na memória concorrem para a coerência global. Se o leitor não conhece a linguagem usada na internet por uma comunidade jovem, que está representada no diálogo presente no texto A menina que falava internetês, terá dificuldade em estabelecer a coerência global, que resulta da capacidade do leitor de “extrair” sentido a partir da situação discursiva planejada no referido diálogo.

Em situações como essa, o educador pode mediar atividades de leitura compartilhada sobre o que o universo linguístico do texto sugere. Por meio da leitura compartilhada o aluno torna-se mais preparado para fazer perguntas pertinentes ao texto, considerando critérios e objetivos definidos previamente para a leitura. Se o objetivo da leitura é a compreensão global do texto, as perguntas devem ressaltar argumentos que se formam em torno da macroestrutura do texto.

Na atividade de acionamento do conhecimento linguístico, por meio da leitura compartilhada, o educador deve orientar os educandos na formulação de previsões sobre o texto a ser lido. Nesse sentido, a mediação do educador deve seguir as estratégias prévias para garantir a pertinência das perguntas de ordem local (perguntas relacionadas aos recursos coesivos) e de ordem global (perguntas relacionadas aos organizadores textuais) que garantem a coerência global do texto. É importante que o educador leve os educandos a desenvolverem suas próprias estratégias de compreensão local e global.

Vale lembrar que essas estratégias de leitura compartilhada não são fixas, estáticas; elas são ajustáveis conforme a situação de leitura planejada pelo educador e discutida com os educandos. O educador, inicialmente, em caso de textos complexos, pode conduzir a atividade de leitura compartilhada, ou seja, realizar perguntas para o aluno responder. Já que a aprendizagem parte de situações análogas, é necessário que o educando siga o modelo de estratégias de compreensão do mediador da leitura, porém isso não deve caracterizar um sistema de cópia e um leitor passivo.

No que se refere às questões sugeridas, é preciso lembrar que elas levam o educando a estabelecer conexões lógico-discursivas que sinalizam relações semânticas de diferentes naturezas. No texto em questão, podemos citar relações de oposição, marcada, principalmente, pelos diálogos diferentes entre si (nesse

caso, a relação ocorre por inferência no nível composicional do diálogo, e não por conectores); de disjunção, marcada pelo conetivo ou. Reconhecer o tipo de relação semântica, estabelecida por esses elementos de conexão e por outros vinculados ao léxico e à pontuação, é uma habilidade que o educando precisa adquirir, pois ela é fundamental para a construção dos sentidos do texto.

3.3.2 Marcas temporais

Nesta seção, verificamos como as marcas temporais orientam o leitor na construção dos sentidos do texto. As marcas linguísticas envolvem uma rede de conhecimentos sobre o sistema e o uso da língua, ou seja, se o leitor não conhecer o léxico, as relações sintáticas, semânticas e pragmáticas empregadas pelo autor, certamente não compreenderá o texto. É preciso que o educador desenvolva estratégias que visem ao desenvolvimento de habilidades linguísticas apropriadas para a compreensão leitora.

Em relação ao texto A menina que falava internetês, o educador poderia apresentar as seguintes questões:

Quais são os tempos verbais empregados no texto? Qual é o efeito de sentido decorrente da escolha desses tempos verbais? Que ideia a autora sugere com o operador textual depois de alguns dias? Que função o operador textual “alguns dias depois” desempenha no texto?

Com essas questões o educador leva o educando a perceber a importância dessas marcas temporais para a construção de sentido do texto.

Em relação ao conto O espelho mágico, o educador poderia apresentar as seguintes questões:

Qual é o efeito de sentido construído pelos tempos verbais empregados no texto? Os fatos acontecem no mesmo momento em que se conta a história? Qual é o efeito de sentido dos operadores textuais e temporais?

Perceber os efeitos de sentido desencadeados pelos tempos verbais, pelos operadores textuais e temporais utilizados pelo autor do texto é um fator determinante para que o leitor compreenda os sentidos gerados na narrativa. Isso significa que o sentido do texto é construído, em grande parte, por essas marcas linguísticas encadeadas na superfície textual.

Ao explorar a função dos tempos verbais, é importante levar o educando a perceber o sentido atribuído aos diferentes tempos verbais. Os verbos saiu, ia, viu, tinha, tirou, acabou, seguiu, no passado, mostram que o fato narrado aconteceu em um tempo anterior (passado), mas que não se sabe, nem há interesse em saber, quando (ou se) acaba. Identificam, por exemplo, o lugar que ocupa o narrador em relação ao enredo, ou seja, qual é a sua função no texto. Em O espelho mágico, o narrador é observador e não participa da história, pois conta fatos que já aconteceram e que fazem parte do mundo narrado de tradição oral.

O verbo valha-me, no presente do modo imperativo, tem função discursiva, uma vez que não está empregado em tom de comando que lhe é peculiar, ou seja, na sua função de incitar o interlocutor a praticar ou a não praticar a ação expressa pelo verbo que é mandar, exigir, impor, ordenar. Nesse caso, o verbo caracteriza a maneira pela qual se pede ajuda aos reinos encantados presentes no conto. O verbo era, no pretérito imperfeito, exprime fato passado habitual. No decorrer dos fatos narrados, acumula a função conclusiva de partes do enredo.

Com base nessas informações vinculadas aos tempos verbais e ao narrador, o leitor pode antecipar uma das intenções do autor desse texto: promover o encontro do leitor com a linguagem simples, a partir de noções de tempo e aspecto dos verbos presentes nesse conto de tradição oral.

Ao discutir a função dos operadores textuais e temporais, o educador leva o educando e perceber a constituição do enredo que, nesse caso, tem começo, meio e fim bem marcados. O operador temporal quando, presente do primeiro ao oitavo parágrafos, indica o desencadeamento dos fatos que caracterizam o início do enredo; os operadores textuais chegando no reinado, na primeira noite, à meia noite, no outro dia, na manhã, na manhã seguinte, como era a terceira tentativa, empregados do nono ao vigésimo nono parágrafos, desencadeiam o desenvolvimento e o clímax da história; o operador conclusivo dito e feito indica seu desfecho. A visualização fácil dessas três partes do enredo reafirma a intenção do

autor em preservar a linguagem popular e o jeito simples de se contar história, que, certamente, serão compreendidos e prestigiados por muitos leitores.

É importante, ainda, notar que, por meio da leitura para identificar o efeito de sentido das marcas linguísticas de um texto, o leitor pode posicionar-se diante dos valores temporais e aspectuais das formas verbais empregadas no texto. Para incentivar os educandos a se autoquestionar, caberiam as seguintes provocações:

Com que intenção o autor utiliza, no conto, diferentes tempos e modos verbais? Quais desses tempos verbais são predominantes no conto? Haveria diferença no sentido global do conto ao mudar os tempos verbais?

Por meio dessas indagações, o educador pode conduzir o educando a observar que as escolhas linguísticas são intencionais e responsáveis pela construção de sentido do texto.

3.3.3 Sinais de pontuação

Levar o educando a descobrir o efeito de sentido decorrente do uso dos sinais de pontuação é uma tarefa indispensável ao estabelecimento da coerência do texto. Em relação ao texto A menina que falava internetês, uma pergunta norteadora desse tipo de reflexão podria ser:

Qual é o efeito de sentido decorrente da pontuação?

A partir desse questionamento, o educador leva os educandos a perceberem que a pontuação acumula funções discursivas na maioria dos diálogos, como aquelas ligadas à ênfase, à justificação, à reformulação e à ausência. Por exemplo, o uso dos pontos de interrogação e de exclamação e o uso das aspas nos diálogos da mãe não têm a simples função sintática de separar segmentos de texto, eles dão ênfase, justificam e reformulam o pensamento da mãe sobre a linguagem na internet; o uso do travessão na última parte do texto, que corresponde ao desfecho da história, representa, ao mesmo tempo, a fala e ausência de diálogo da filha.

Ainda em relação aos sinais de pontuação, considerando o texto O espelho mágico, o educador poderia apresentar a seguinte questão:

Que sinais de pontuação são usados, no texto, para reforçar ideias dos personagens?

Com essa questão o educador leva o educando a perceber efeitos discursivos, por meio da pontuação. Esse recurso é utilizado no texto e é fundamental na construção de sentido.

Como podemos observar ao longo desta seção, os elementos coesivos têm a função de facilitar a interpretação do texto, contudo, eles não são suficientes para o estabelecimento da coerência, posto que cabe ao leitor construi-la a partir de seu conhecimento textual e de seus modelos de mundo acionados durante a leitura.