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Heloísa Rodrigues de Lima 1 Tiago Mainieri 2

1. Afinal, o que é democracia?

No lendário Discurso de Gettysburg, o 16º presidente norte america-no, Abraham Lincoln3 (1809-1865), descreveu a democracia como governo do povo, pelo povo e para o povo. Embora a formulação não tivesse caráter científico, mas retórico e persuasivo, os diversos conceitos de democracia preveem sempre algum grau de participação popular que pode variar da mera escolha de representantes, como para os teóricos da democracia repre-sentativa/agregativa, à capacidade de influenciar as decisões políticas por meio da comunicação pública, para os que advogam o modelo deliberativo.

3 http://www.abrahamlincolnonline.org/lincoln/speeches/gettysburg.htm

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Para Bobbio (1986), a democracia pode ser descrita como um conjunto de regras, primárias ou fundamentais, que estabelece quem tem autorização para tomar decisões em nome da coletividade e com quais procedimentos.

Mesmo para uma definição mínima de demo-cracia, como é a que aceito, não bastam nem a atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar direta ou indiretamente da tomada de decisões coletivas , nem a existência de regras de procedimento como a da maioria (ou, no limite, da unanimidade). É indispensável uma terceira condição: é preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão de-cidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder escolher entre uma e outra. Para que se realize esta condição é neces-sário que aos chamados os assim denominados direitos de liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião, de associação etc.

(BOBBIO, 1986 p. 19).

Bobbio, Matteuci e Pasquino (1998) lembram que, na teoria contem-porânea, o conceito de democracia pode ser compreendido a partir de três tradições históricas. A primeira, clássica, atribuída a Aristóteles, prevê três formas de governo: democracia, ou o governo do povo, ou de todos os cida-dãos que gozam de direito de cidadania, e do lado aposto a monarquia, ou governo de um só, e a aristocracia, o governo para poucos. Para Platão, no entanto, a democracia não seria a melhor forma de governo, por acreditar que os mais pobres não teriam as habilidades necessárias para a condução do Estado. Segundo Platão, a aristocracia, ou o governo dos melhores seria a mais auspiciosa. Aristóteles, por sua vez, criou uma classificação em que três formas de governo eram consideradas puras e outras três degeneradas.

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Na tipologia aristotélica, que distingue três formas puras e três formas corruptas, conforme o detentor do poder governa no interesse geral ou no interesse próprio, o “Governo da maioria” ou “da multidão”, distinto do Governo de um só ou do de poucos, é chamado “politia”, enquanto o nome de Democra-cia é atribuído à forma corrupta, sendo a mesma definida como o “Governo de vantagem para o po-bre” e contraposta ao “Governo de vantagem para o monarca” (tirano) e ao “Governo de vantagem para os ricos” (oligarquia). A forma de Governo que, na tradição pós-aristotélica, se torna o Governo do povo ou de todos os cidadãos ou da maioria deles é no tratado aristotélico governo de maioria, so-mente enquanto Governo de pobres e é, portanto, Governo de uma parte contra a outra parte, embo-ra da parte geembo-ralmente mais numerosa. (BOBBIO, MATTEUCI, PASQUINO, 1998 p. 320).

Na tradição medieval, inspirada no império romano, a forma de gover-no que se opõe à monarquia, ou govergover-no de um só, é a república. A prin-cípio, a república romana permitia somente a participação da aristocracia (LINS, 2017), mas com o tempo plebeus passaram a ter direitos, uma vez que os povos conquistados também foram ganhando a cidadania romana.

Na idade moderna, Maquiavel descreveu duas formas históricas de gover-no: a monarquia e a república, podendo a última se configurar como demo-crática ou aristodemo-crática. Com o ressurgimento do ideal democrático no século XVII, vários pensadores trataram do tema como Hobbes, Locke, Rousseau.

Hobbes, no Leviatã, construiu as bases de um sistema representativo, na medida em que, os cidadãos concedem direitos aos que são colocados por eles no poder. Coube à Locke dar início à ideia de democracia liberal, ao defender que os cidadãos têm direitos inalienáveis que precisam ser res-peitados por seus representantes.

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Rousseau, destaca Lins (2017), foi considerado um dos primeiros teóri-cos de um modelo de democracia participativa, que exigiria uma cidadania ativa – quase um retorno ao modelo direto de democracia grega – em que os cidadãos deveriam se juntar para definir o que seria melhor para a co-munidade. Nesse contexto, os parlamentares não seriam representantes do povo, mas seus agentes.

A degradação introduzida por Rousseau, das três formas de Governo nos três modos de exercício do poder executivo, ficando firme o princípio de que o poder legislativo, isto é, o poder que caracteriza a soberania pertence ao povo, cuja reunião num corpo político através do contrato social Rousseau chama de república, não de Democracia (que é apenas uma das formas com que se pode orga-nizar o poder executivo). (BOBBIO, MATTEUCI, PASQUINO, 1998 p. 321).

Ao longo do tempo, a compreensão da participação popular nas demo-cracias foi passando por transformações. Na Grécia clássica, os poucos com direito à cidadania (homens, livres e proprietários) participavam direta-mente. Na ágora, debates eram travados entre cidadãos em condição pari-tária, numa disputa pelo melhor argumento. A ocupação de cargos públicos era definida por sorteio.

Tal modelo, contudo, seria de difícil aplicação em sociedades com po-pulação maior e mais complexas, com um número muito ampliado de ci-dadãos participando dos processos eleitorais. A eleição de representantes, passou a ser a forma mais viável de democracia.

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